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Ciclismo como meio de transporte é desafio em Belém

Mesmo esta sendo a proposta mais sustentável, quem usa a bicicleta para se locomover no dia a dia enfrenta dificuldades

Elisa Vaz

Bem-estar físico e mental, impacto positivo no meio ambiente e saúde financeira: os benefícios de adotar a bicicleta como meio de transporte são vários. Mas a vontade de pedalar, muitas vezes, esbarra em obstáculos, como a falta de infraestrutura das cidades, a insegurança e o desrespeito por parte dos motoristas. Conseguir acesso a todos esses avanços é um dos desafios dos grupos que se mobilizam pela causa e pensam a prática como instrumento de transformação social e ambiental.

Para além das atividades de esporte e lazer, usar as bicicletas como meio de transporte no dia a dia pode trazer resultados muito positivos para as pessoas e as cidades. O primeiro deles é na saúde humana, já que a prática resulta em mais tempo fazendo exercícios diariamente – e além da física, há também a saúde mental, porque ciclistas relatam como era estressante a espera pelo transporte público, que vinha sempre cheio, sem lugar para sentar e onde acontecem situações de assédio diariamente.

É justamente a bicicleta a ferramenta capaz de desafogar os transportes públicos e dar mais qualidade de vida para quem precisa desse meio para se locomover. Ela também é muito eficaz na redução dos níveis de dióxido de carbono (CO2) nas grandes e pequenas cidades ao redor do mundo, ou seja, um meio de transporte sustentável que ajuda a preservar o meio ambiente. Outro impacto positivo é na economia, tanto para as pessoas, que gastam bem menos com deslocamento, como para as cidades.

Coordenador do Pará Ciclo, coletivo que luta pela mobilidade ativa, Murilo Rodrigues diz que usar os transportes alternativos é mais saudável e recomendado porque desafoga o transporte público e o trânsito das cidades. “Os engarrafamentos adoecem as pessoas, primeiro pelo estresse de ficar trancado, depois procurando vagas, segundo porque aumenta a poluição do ar. Usar a bike acaba sendo extremamente terapêutico, porque a pessoa relaxa pedalando na cidade. Pelo menos essa é a ideia”, afirma. A pauta também se estende para a garantia de um transporte público de qualidade para quem não tem condições físicas de se deslocar de bicicleta.

Ciclista adotou a bicicleta há mais de 25 anos

Em quase todos os percursos do dia a dia, Ruth Costa, de 44 anos, usa sua bicicleta – ela só opta por outro meio de transporte quando está com alguma bagagem pesada que não cabe na bike. Ruth começou a pedalar com 18 anos para levar os filhos à escola, há mais de 25 anos, mas conta que antes não entendia sobre mobilidade urbana e nem via a bicicleta como um transformador social e ambiental como vê hoje. Ela começou a participar de debates e ver o equipamento como modal, e hoje é presidente da União de Ciclistas do Brasil.

“A bicicleta está no centro da questão e tem uma importância muito grande na mobilidade urbana. Sou mulher negra da periferia, e quando nem se falava da bike como meio de transporte a população periférica já usava em massa, enquanto para o resto da sociedade era um hobby ou esporte. Tem gente que mora na periferia e precisa pegar duas conduções só na ida, isso afeta a questão financeira, há o tempo de deslocamento. Eu, por exemplo, quando usava ônibus e trabalhava no centro morando em Águas Lindas perdia quatro horas do dia esperando o ônibus e fazendo o percurso. Ganhei qualidade de vida” afirma.

A representante da entidade pontua que existem estudos mostrando a relação da prática de ciclismo com os gastos na saúde pública. Ela diz que hoje, em geral, o número de praticantes tem crescido, seja como esporte, lazer ou adotando o uso como meio de transporte. Mas há uma série de problemas. Para a presidente da União, o poder público precisa amparar quem escolheu usar a bike como meio de transporte e ter um olhar mais carinhoso.

Entre as reivindicações está a iluminação pública, para gerar mais segurança a quem anda de bicicleta; implantação de ciclovias e ciclofaixas, especialmente em rodovias; mecanismos para reduzir a velocidade em certas vias, para que seja possível compartilhar a avenida com veículos; e conscientização a respeito dos direitos dos ciclistas. “Sabemos que o poder público não consegue implantar de uma hora para hora uma ciclofaixa ou ciclovia em todas as ruas. Mas há muitas coisas que podem ser feitas. Somos parte do trânsito, temos o mesmo direito que todas as outras pessoas”, ressalta. A diferença entre ciclovia e ciclofaixa, segundo Ruth, é que a primeira é segregada, tendo um cercado ao redor, e a segunda é quando apenas o chão é pintado delimitando o espaço do ciclista. Nesse caso, a primeira é melhor.

Projeto arrecada bikes

O coletivo Pará Ciclo realiza ações coletivas desde 2015. Na época, o objetivo inicial era fazer uma articulação com o poder público, pautando a construção da cidade de forma mais efetiva, entrando com propostas, fazendo cobranças. Em paralelo a isso há um alinhamento nacional com organizações e entidades locais e de outros Estados em que são promovidas campanhas diversas. As atividades de promoção do uso da bicicleta, que são também campanhas educativas, surgiram de uma inquietação e são realizadas, às vezes, em parceria com outros grupos.

“Sou professor na Ilha de Cotijuba e fiquei muito inquieto com o crescente número de motos por lá. E a deficiência da mobilidade interna faz com que os moradores que moram mais longe do centro comercial tenham um percurso longo em estrada de terra, em torno de meia hora, e aí o custo disso para quem mora na comunidade mais distante e mais carente é alto, já que eles acabam pagando cerca de R$ 20 de moto para ir e mais R$ 20 para voltar, são R$ 40. Surgiu a ideia de fazer um sistema de bicicletas públicas compartilhadas”, lembra o coordenador do Pará Ciclo.

A ambição inicial é disponibilizar entre 10 e 12 bikes usadas para a comunidade, que serão aproveitadas para um curso de formação em mecânica básica, em que as bicicletas reformadas vão ser pintadas e lançadas em um passeio ciclístico no início de junho, perto do Dia do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho. O modal acaba surgindo como uma intervenção artística também, conta Murilo, porque as bicicletas serão douradas, remetendo ao nome da Ilha de Cotijuba, que significa ilha dourada em Tupi. A partir do lançamento do projeto, elas vão ficar disponíveis em pontos estratégicos para que o morador da Ilha de Cotijuba faça um cadastro prévio e tenha acesso à bicicleta de forma gratuita. Por enquanto, a iniciativa é experimental, mas há a intenção de conseguir reestruturar o sistema com aplicativo e pontos de apoio que incluam bebedouros e ferramentas.

Belém tem vias para ciclismo, mas ainda precisa aumentar a malha

Embora a capital paraense tenha bastante espaço para os ciclistas se locomoverem, ainda há reivindicações por parte dos grupos. A Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém (Semob) informou à reportagem que Belém possui, atualmente, 114 km de ciclovias e ciclofaixas em 41 vias. A extensão dessa malha corresponde a mais da metade da distância entre Belém e Salinas, tendo como referência o km 0 da BR-316. “Ao longo de nove anos, a malha cicloviária de Belém aumentou em 50 km de extensão de ciclovias e ciclofaixas, passando de 64 km para os atuais 114”, disse a entidade, em nota. O objetivo, segundo a Semob, é ampliar, ainda mais, a malha até o final da gestão.

“Belém tem o privilégio de que as pessoas podem cruzar a cidade inteira praticamente por vias segregadas, por mais que não sejam adequadas. Eu consigo atravessar quase a cidade inteira por ciclovias e ciclofaixas. Isso já é uma coisa muito positiva para a ciclomobilidade daqui, mas muito precisa ser feito. A gente pautou para a Prefeitura a construção de ciclovias emergenciais desde Marituba até o centro da cidade em pontos que são desassistidos. Não fomos atendidos, mas ficou a provocação”, avalia Murilo.

Ainda na nota, a Prefeitura de Belém informou que trabalha, por meio da Semob, para ampliar a malha cicloviária da cidade para as vias mais centrais. Está prevista a implantação de ciclofaixas nas seguintes vias: avenida Doutor Freitas, entre as avenidas Brigadeiro Protásio de Oliveira e Almirante Barroso; avenida João Paulo II, entre a passagem Mariano e a avenida Doutor Freitas; avenida 16 de Novembro, em Mosqueiro; a ligação das avenidas Pedro Miranda com a Visconde de Souza Franco (Doca), via rua Bernal do Couto; e uma ciclofaixa na avenida Senador Lemos, que se estenderá da Doca até a avenida Pedro Álvares Cabral.

Além disso, a administração municipal informa que a conclusão da modernização das avenidas Augusto Montenegro e Almirante Barroso é uma das prioridades da Prefeitura de Belém, pela Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb). O órgão explica que essa nova etapa de urbanização prevê a construção de ciclovia, ciclofaixas, calçadas e modernização da iluminação. O projeto está em fase final de estudos e vai entrar em processo de licitação nos próximos meses. Em 2021, a Semob investiu na sinalização de 5.150 metros de ciclofaixas nas avenidas Pedro Miranda, Visconde de Souza Franco (Doca) e Independência.

Bike Inclusiva faz ação para comunidade indígena

O projeto Bike Inclusiva tem ações voltadas para pessoas com deficiência intelectual e múltipla, com uma proposta inovadora na prática do ciclismo para o desenvolvimento da educação especial e inclusiva. O objetivo é incentivar e divulgar o uso da bicicleta para a melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência intelectual e múltipla, por meio do desenvolvimento do cognitivo, percepção corporal, coordenação motora, lateralidade, sensoriais e sociais, autogestão, autonomia e educação para o trânsito. O grupo utiliza, em sua metodologia, dinâmicas adaptadas e lúdicas.

Ele faz parte da União dos Coordenadores de Bike do Pará (UCB-PA). O coordenador da União, ciclista Arnaldo Villar, diz que a principal atuação da entidade é na parte de gestão, congregando valores com todas as lideranças de grupos de bike e associações de ciclismo. Hoje eles atuam em todas as regiões do Pará e têm parceria com órgãos públicos do Estado e do município de Belém. “Um dos nossos objetivos é o bem-estar dos ciclistas, queremos cuidar de seus interesses, promover palestras, encontros, para que haja conscientização do ciclismo enquanto esporte, lazer e qualidade de vida”, diz.

Quem comanda e fundou o Bike Inclusiva é o pedagogo com especialização em educação especial Ivan Feitosa de Arruda Júnior. Sua experiência com a educação especial começou há quase duas décadas, e ele já era adepto do ciclismo quando teve a ideia de montar o projeto voltado para a educação especial inclusiva, com objetivo pedagógico, inclusivo e terapêutico. Recentemente, Ivan foi selecionado para um projeto em Altamira, dentro da comunidade indígena Pipi, Ti Apyterewa Parakanã, no alto do Xingu. “Ele vai lecionar e queríamos levar a bike para lá. Movimentamos grupos de Altamira para ajudar e agora temos bicicletas prontas para serem encaminhadas”, conta Arnaldo. O projeto agora pede apoio de padrinhos e madrinhas para arrecadar mais bikes, peças, acessórios e equipamentos.

Como aumentar a segurança no ciclismo

- Na ausência de ciclovias e ciclofaixas, ocupe a faixa de veículos. Ao ir para o canto da rua ou avenida, sobra um espaço maior para um carro passar, podendo afastar o ciclista para a calçada e resultar em uma queda.
- Quando for possível, opte pelas vias com menos fluxo ou que tenham um fluxo menos intenso.
- Escolha ruas mais iluminadas.
- Use equipamentos de segurança. Embora o capacete não seja obrigatório pelas regras de trânsito, pode evitar machucados mais graves em caso de queda ou acidente.
- Verifique sempre o estado da bicicleta, fazendo manutenções frequentes para garantir o funcionamento dos pneus e freios.

O que fazer e não fazer sendo ciclista no trânsito

- Quando o sinal estiver fechado, há a possibilidade de esperar atrás ou na frente da faixa de pedestres, mas nunca em cima dela.
- Sempre é necessário obedecer sinais e placas.
- A calçada não é lugar de ciclistas e sim de pedestres. Caso ande nela, a prioridade é sempre de quem está andando.
- Os retornos são para veículos motorizados, mas, para segurança, o ciclista pode usar.
- Sempre se manter do lado direito da avenida. Caso vá fazer uma curva para a esquerda, é melhor atravessar no semáforo.

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