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Atuação além da resistência

Por meio da educação e da arte, Márcia Kambeba procurar estimular um novo olhar sobre a mulher indígena e seu papel social e ambiental

Izabelle Araújo
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Dentro sociedade patriarcal ticuna, o mais numeroso povo indígena da Amazônia brasileira, parecia improvável que, em meados do século passado, uma mulher inspirasse mudanças e fosse reconhecida como uma líder. Essa foi a história de Assunta, professora que ganhou status de pajé na aldeia ticuna do Alto Solimões (AM) e que ensinou o povo indígena a falar a língua do homem branco para poder se defender da exploração sofrida nos moldes do seringal.

A sua presença marcante está até hoje na memória de sua filha-neta, a poeta e geógrafa Márcia Wayna Kambeba, que busca ser uma agente de mudanças nas aldeias do Pará, mostrando que a mulher indígena pode ir além dos estereótipos e dos lugares tradicionalmente reservados a ela.

“Ser mulher indígena é uma luta, vivendo em contexto urbano ou na aldeia. A gente tem que ter muita resistência e vontade para poder estar nestas frentes como liderança. E eu vejo que hoje temos um novo cenário, onde a mulher não é mais vista somente como aquela do lar, a que vai para a roça, que colhe, planta, cuida da criança, mas tem agora um protagonismo diferente”, afirma Márcia.

Através de seu trabalho, ela resgata o feminino de várias formas, como escritora, cantora, contadora de histórias, liderança indígena e guardiã da floresta. É autora de quatro livros que reúnem poemas, contos e fotografias que relatam os saberes ancestrais, as dinâmicas indígenas e o papel das mulheres na organização social e na luta pela preservação ambiental.

Como educadora, Kambeba atua junto à Universidade do Estado do Pará (Uepa) como professora convidada a ensinar nas aldeias de educação indígena.

“Quando eles me perguntam se um dia vão chegar onde eu cheguei, eu digo que não, que eles vão me ultrapassar e no futuro eu verei que contribui com a sua jornada. Quando eu chego na aldeia e vejo as minhas alunas escrevendo poesia, para mim é uma alegria enorme” - Márcia Kambeba

Mostrando que o poder público também é lugar de representatividade e luta, Márcia é a primeira indígena a ocupar um cargo de primeiro escalão na Prefeitura de Belém (PA), como Ouvidora Geral.

Articulação para banir estereótipos

Ao longo da sua história, a geógrafa assumiu a missão de promover a integração e o apoio mútuo entre mulheres indígenas nos contextos da aldeia e da cidade. A mensagem que ela leva é que as mulheres podem estar lado a lado dos homens e que seu protagonismo pode ser ampliado a partir da união das vozes femininas.

Isso também é uma forma de combater o machismo que afeta as mulheres de modo geral. Ela destaca que um grande desafio é tirar a imagem exótica e sexualizada que as pessoas colocam na mulher indígena. “Nós somos vítimas de violências que acontecem há muitos séculos e que ainda se repetem. O nosso corpo é um território de identidade, de pertencimento e de cultura, e deve ser respeitado. Isso é uma coisa que procuro ensinar para meu filho”, reforça.

image Márcia deseja integrar saberes e lutas em aldeias de todo o Brasil para ajudar a criar redes de mulheres indígenas (André Oliveira / O Liberal)

Memória ameaçada

Márcia sonha em percorrer as aldeias de todo o Brasil para ajudar a criar essa rede de mulheres, interligando seus saberes e lutas. Ela ressalta a necessidade de os governos valorizarem o movimento das mulheres indígenas, que em sua maioria se organizam para defender o meio ambiente. Como exemplo, ela cita as cumaruaras, que aprenderam a usar tecnologias de monitoramento e criaram uma rede de proteção para o seu território, buscando identificar focos de desmatamento e queimadas.

Além da biodiversidade, outro elemento bastante ameaçado é a cultura dos povos originários. “Nós vivemos um memoricídio, ou seja, um extermínio da memória, quando fazem com quem você esqueça quem você é e assuma outra identidade. A substituição da língua materna indígena nas aldeias pelo português é uma prova disso” explica Márcia.

“O Brasil é rico em diversidade cultural e não percebe a riqueza que tem. É hora de entender a ciência dos povos originários, interligar esses mundos, fortalecer nossa humanidade, para podermos assim nos chamar de humanos”, finaliza.

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Mulheres
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