Marabá lidera em ações judiciais contra serviços de saúde no interior
Usuários dos serviços de saúde têm buscado cada dia mais a solução de problemas na justiça

A Constituição Federal dispõe que o acesso à saúde é direito de todos e dever do Estado. No entanto, num cenário em que os serviços públicos de saúde se mostram cada vez mais saturados, nem sempre esse direito é garantido de forma universal e eficiente. Quando há cerceamento desse acesso, a solução é acionar a Justiça para receber o que se precisa.
Foi o que aconteceu com Nelson, pai do representante comercial Claudio Gonçalves. Após um Acidente Vacular Cerebral (AVC) do tipo hemorrágico, sofrido em 2020, Nelson precisou passar por um procedimento cirúrgico para aliviar a pressão intracraniana. Os problemas surgiram quando os médicos recomendaram uma transferência de hospital para realizar a operação. “Ele estava no Hospital Municipal de Marabá e foi regulamentado para Belém, mas a transferência essa demorou mais do que a gente esperava”, explicou Cláudio. Na medida em que os dias foram passando, o quadro geral de Nelson piorava e foi então que a família resolveu ajudar uma ação exigindo agilidade na transferência. “Meu pai era uma pessoa ativa, um cara alegre, comunicativo. De repente, ele estava prostrado em uma cama de hospital. A vida dele depende disso. Eu não pensei duas vezes para acionar a Justiça”, disse o representante comercial.
Também em 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou como pandemia um crescente de casos de covid-19 pelo mundo. Começava aí um período difícil para a dona de casa Cirlância Rodrigues. “Depois da pandemia, eu fiquei preocupado com ansiedade. Por conta disso, eu passei a fazer uso de medicamentos de receita controlada. Alguns deles são caros para mim”, explicou Cirlandia. “Tem cerca de um ano e meio que eu tomo sertralina. O médico me passou esse medicamento de receita controlada. Só que eu vou nas farmácias das unidades de saúde e até na farmácia municipal que tem no shopping da cidade, chego de manhã, fico até 13 horas, mas muitas vezes não recebo o remédio. Em geral, não tem. Aí eu tenho que comprar na farmácia comum. Porque não tenho como ficar sem esse remédio”, lamentou a dona de casa que afirma ainda que uma caixa do medicamento sertralina custa em torno de R$52,00 nas farmácias. Apesar das situações em que seu direito é negado, Cirlandia conta que nunca judicializou a questão. “Eu não sabia que poderia”.
Marabá é um dos maiores municípios do interior do Pará e, além das unidades básicas de saúde, conta com um hospital e uma maternidade pública de portas abertas e um hospital regional. O problema é que a cidade tem se tornado cada vez mais uma referência em atendimentos de saúde para diversos municípios da região e isso vem saturando a rede pública inicialmente pensada para a demanda doméstica. “Por ser um pólo municipal, Marabá recebe público também de municípios vizinhos... Itupiranga, Bom Jesus do Tocantins, até Parauapebas. Com isso, a gente tem uma inflação, uma superinflação das demandas de saúde no município”, analisa o advogado Kevin Damasceno, que atua na área. “Além disso, o problema de saúde não é um problema do município de Marabá. A bem da verdade, é um problema estrutural do Brasil, de longo tempo, e que afeta, por consequência, o município de Marabá. Seja por limitações de orçamento, por limitações de pessoal, os atendimentos acabam sendo demorados e isso pode levar ao ajuizamento de ações”.
Para o advogado Kevin Damasceno, a população está cada vez mais consciente dos seus direitos (Tay Marquioro/O Liberal)
Segunda no ranking
No ranking estadual, Marabá ocupa o segundo lugar em ações que têm como objetivo a garantia de serviços de saúde. De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE-PA), por meio do monitoramento do Mapa da Judicialização da Saúde, até 2023, havia 423 ações tramitando na comarca do município. Neste quesito, em primeiro lugar está Belém, que tem 934 ações em tramitação. Em terceiro lugar, está Altamira, com 234 ações.
Analisando os objetos dos processos auxiliados em Marabá, temos um registro expressivo de pedidos de internação e transferência hospitalar. Juntas, essas motivações somam 172 ações e são as maiores razões para ingresso de ações. Depois, vêm os pedidos por leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), com 119 processos. Em terceiro lugar, é o fornecimento de medicamentos que deveriam ser disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), objeto de 17 ações judiciais.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em todo o Brasil, o número de demandas judiciais relacionadas à saúde aumentou 130% em dez anos. Sobre isto, Kevin Damasceno analisa que a população está mais informada sobre o papel da Justiça. “Hoje, a transmissão do conhecimento é instantânea. As pessoas, de fato, estão mais conscientes dos seus direitos. Então, elas procuram mais o poder judiciário. Nós temos problemas estruturais na saúde do Brasil e, considerando essa consciência do direito e os problemas na prestação do serviço, as pessoas acabam buscando a justiça para ver tutelado esse direito”, concluiu o advogado.
Uma reportagem de O Liberal questionou a Secretaria de Saúde de Marabá sobre a falta do medicamento sertralina nas farmácias do município. Por meio da nota, a assessoria de imprensa da secretaria informou que “a sertralina é de controle especial e é necessário saber qual a miligramagem indicada ao paciente, como está na prescrição médica, conforme especificado na Portaria nº 300 do Ministério da Saúde”. A nota afirma ainda que, na rede municipal, há sertralina de 25 miligramas, de 50 miligramas e de 100 miligramas.
Palavras-chave
COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA