Transporte de cargas por navegação na Amazônia aumenta 235% em dez anos

Estudo da Agência Nacional de Transporte Aquaviário revela que matriz das hidrovias no Brasil mudou de eixo, colocando as hidrovias da Amazônia com o triplo de carga movimentada em relação às demais hidrovias do país

Thiago Vilarins e Caio Oliveira

O uso da navegação para transportar cargas no Brasil aumentou consideravelmente na última década, impulsionado, principalmente, pela intensidade do transporte hidroviário na região Amazônica. No ano de 2019, a produção desse tipo de transporte atingiu 58,905 milhões de toneladas úteis (T), sendo que os corredores hidroviários da Amazônia responderam por 75% desta movimentação.

 

A quantidade transportada nas três hidrovias da região – dos rios Solimões-Amazonas, Madeira e Tocantins-Araguaia – atingiu 44,175 milhões de toneladas em 2019, um incremento de 235% em relação à movimentação anotada dez anos antes: 13,183 milhões de toneladas. Em compensação, os outros três corredores hidroviários do País em que houve navegação comercial – Paraguai, Paraná-Tietê e Hidrovias do Sul – alcançou 14,730 milhões de toneladas em 2019, o menor volume neste mesmo período.

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Em 2010, o total transportado por esses corredores somaram 53% do volume movimentado em todo o País (14,868 milhões T). No entanto, ao contrário da evolução observada nos corredores amazônicos, o que se viu ao longo destes dez anos foi um retrocesso de 0,92% e que tem se agravado nos últimos anos.

image (Divulgação / Unitapajós)

Na passagem de 2018 para 2019, por exemplo, as três hidrovias amazônicas aumentaram o volume de cargas transportadas em 30.992 mil toneladas, o que representou uma alta de 28,9%. Nesta mesma passagem de tempo, as demais hidrovias reduziram em 7,68% o total de cargas transportadas - uma redução de 1,225 milhão de toneladas em apenas um ano.

Esta inversão da matriz hidroviária do Brasil na última década, com intenso crescimento dos corredores amazônicos em detrimento das hidrovias do eixo centro-sul, está no estudo "Raio-X do Transporte de Cargas na Cabotagem e Navegação Interior no Brasil por meio de Estudos Simplificados", da Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq).

"Já passou a época de ouro da borracha, da madeira, e, agora, estamos entrando em um ciclo de desenvolvimento, pelo Custo Brasil, e o escoamento pela Amazônia, pelo Pará, é o mais barato" - Deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), vice-líder do governo federal.

Chama ainda mais a atenção que esta liderança ocorre ao longo de um período de escassos investimentos. O derrocamento do Pedral do Lourenço, por exemplo, que vai viabilizar o tráfego de embarcações e aumentar a navegabilidade de barcaças e cargas maiores no rio Tocantins desde Marabá até o Porto de Vila do Conde, em Barcarena, ainda é um projeto que existe apenas no papel.

A previsão do governo federal era de que o empreendimento tivesse iniciado no fim do ano passado, porém, a emissão do licenciamento prévio (EIA/RIMA) ainda não saiu. A expectativa é que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) emita o RIMA ainda no segundo semestre deste ano. Sem investimentos, o crescimento do transporte de cargas nos rios da Amazônia é uma questão, unicamente, de mercado.

"As empresas estão dando o seu jeito de diminuir o seu custo, independente das condições da navegação. E diminuir custo é sair pela Amazônia, pelo Pará. O Ministério da Infraestrutura está vendo isso, tanto que está investindo em rodovias no Estado e está querendo começar o derrocamento do Pedral ainda este ano. Já passou a época de ouro da borracha, da madeira, e, agora, estamos entrando em um ciclo de desenvolvimento, pelo Custo Brasil, e o escoamento pela Amazônia, pelo Pará, é o mais barato", analisou o vice-líder do governo federal, o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA).

image (Divulgação / Unitapajós)

De acordo com o deputado, que é vice-líder do governo federal no Congresso Nacional, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, garantiu que a obra deve se iniciar ainda este ano e toda a hidrovia até Barcarena será concluída até 2023.

Estudo revela potencias das hidrovias amazônicas

O levantamento da Antaq revela que a hidrovia Solimões-Amazonas é a principal via de deslocamento de carga do país. Em 2019, ela respondeu, sozinha, por 41,5% do transporte hidroviário de carga em território nacional. Foram 24,437 milhões de toneladas, o que aponta um aumento robusto de 30,3% em relação ao volume total transportado na hidrovia em 2018, e de 201,69% na comparação com 2010 (8,102 milhões T).

A extensão e profundidade da via, a vasta rede de afluentes e a concentração de importantes polos produtivos são alguns dos fatores que concorrem para o transporte hidroviário de carga ser expressivo na região. O rio Tapajós, a exemplo do rio Madeira, tem-se destacado como nova rota para exportação de produtos agrícolas provenientes da região Centro-Oeste.

Fotos - Liberal Amazon 5

Por ela, os grãos seguem por via rodoviária (BR-163) até Itaituba, no sudoeste paraense, onde são transferidos nas diversas Estações de Transbordo de Carga - ETC existentes para barcaças que seguem pela hidrovia do Tapajós até as instalações portuárias existentes no município de Santarém (podendo, também, seguir pela Hidrovia do Amazonas até Barcarena ou Santana, no Amapá), de onde finalmente são embarcados em navios de longo-curso para outros continentes.

O fluxo preponderante de produtos transportados na hidrovia Solimões-Amazonas, constituído pelos granéis vegetais do complexo soja (7,753 milhões de toneladas) e cereais
(7,222 milhões de toneladas), totalizou cerca de 15 milhões de toneladas transportadas em 2019, correspondentes a 61,3% do total movimentado na hidrovia.

Com 3,376 milhões de toneladas transportadas em 2019, os fluxos de combustíveis e óleos minerais aproximaram-se do nível alcançado em 2017 (3,479 milhões de toneladas). O transporte desse tipo de mercadoria é bastante disperso na região Amazônica e atende a diversas finalidades, entre elas à demanda das usinas termelétricas.

A pesquisa destaca a hidrovia do Madeira como uma das principais vias atuais de escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste brasileiro, transportada por rodovia até o município de Porto Velho (RO), onde se localizam as principais instalações portuárias autorizadas. O trecho percorrido na hidrovia do Madeira compõe parte da logística de exportação de produtos agrícolas oriundos do Centro-Oeste que são transferidos para navios de longo curso no terminal hidroviário de Itacoatiara, no rio Amazonas, ou no porto de Santarém, no rio Tapajós.

"Eu posso até me atrever e dizer que a vocação dos portos do chamado Arco Amazônico são os granéis vegetais e minerais, tanto exportação quanto importação" - Flávio Acatauassu, presidente da Amport.

Pela hidrovia do Madeira, foram transportadas 9,342 milhões de toneladas de cargas em 2019 (+32,7% em relação a 2018 e +199,7% a 2010). Deste total, cerca de 7,016 milhões de toneladas foram de grãos de origem vegetais, sendo dos grãos do complexo soja (4,327 milhões de toneladas) e de cereais (2,688 milhões de toneladas).

Movimentação na Tocantins-Araguaia disparou a partir de 2017

O estudo aponta um salto do transporte de cargas pela hidrovia Tocantins-Araguaia a partir de 2017, passando de 4,413 milhões de toneladas um ano antes para 7,791 milhões naquele ano. Segundo a Antaq, o ano foi marcado pelo surgimento do fluxo de cereais, com predominância absoluta do milho, na rota de Itaituba a Barcarena.

"O transporte dessa classe de mercadorias deu notável impulso à navegação na hidrovia Tocantins-Araguaia, já naquele ano superando o volume dos granéis do complexo da soja, das sementes e frutos oleaginosos, que recuperou a posição hegemônica em 2018, mas ao decrescer 8,69% em 2019, para 3,487 milhões de toneladas, cedeu esse lugar ao grupo dos cereais, cujo volume transportado ascendeu 34,3% e alcançou a marca de 4,264 milhões de toneladas", analisa o estudo.

image PA-481 (Divulgação)

Tomados em conjunto, os fluxos de granéis vegetais do complexo da soja e cereais estão beirando a marca dos 80,0% do total de mercadorias transportadas na hidrovia Tocantins-Araguaia: 76,9%, em 2017, 82,6%, em 2018, e 74,6%, em 2019. O levantamento registra que as instalações portuárias autorizadas na hidrovia Tocantins-Araguaia estão localizadas principalmente nos municípios de Belém e Barcarena, já na Baía de Marajó, foz em estuário do Rio Tocantins.

Outros fatos relevantes observados na pesquisa apontam que o volume total das mercadorias transportadas, em 2019, por navegação na hidrovia Tocantins-Araguaia atingiu 10,395 milhões de toneladas, correspondente a expressivo aumento de 22,7% no ano e de 429,4% em dez anos. O volume de combustíveis e óleos minerais, que em 2015 foi de 949 mil toneladas, veio decrescendo, ano a ano, até chegar a 132 mil toneladas em 2018, e teve notável crescimento em 2019, de 333%, quando atingiu a marca de 570 mil toneladas.

Saída para o desenvolvimento é pelos rios da Amazônia

Para Flávio Acatauassu, presidente da Associação dos Terminais Portuários e Estações de Transbordo de Cargas da Bacia Amazônica (Amport), o desenvolvimento econômico da região navega pelos nossos rios rumo a um horizonte de crescimento sem precedentes. Contudo, para que essas perspectivas se concretizem, é necessário maior apoio do poder público para problemas a serem vencidos desde quando os produtores locais passaram a olhar para o rio como a solução mais viável para o transporte da região.

image Flávio Acatauassu (Tarso Sarraf / O Liberal)

Segundo Acatauassu, foi a partir dos anos 1990 que se idealizou essa inversão no fluxo de cargas que eram destinadas nos portos do sudeste pelos portos do Arco Norte. Naquele tempo, os constantes engarrafamentos nos portos do eixo sul-sudeste, sobretudo, os de Santos (SP) e Paranaguá (PR), levaram os empresários a pensarem em soluções.

“Foi vislumbrada a possibilidade dos caminhões mudarem a rota e, ao invés de descerem, subirem pela BR-364, até o Rio Madeira. Apesar de ser sinuoso e rio muito raso na época da seca, no primeiro semestre, o Madeira é um rio que sobe muito, o que coincide com a safra da soja”, relembra Acatauassu. “Então, lá nos anos 1990, o primeiro insight de inversão do fluxo logístico de transporte, foi através do corredor Madeira: pela rodovia BR-364 e seguindo pelo rio Madeira até o Porto de Itacoatiara (AM)”, explica.

Para podermos analisar melhor esses dados, precisamos entender que o chamado Arco Norte, cujo conceito foi consolidado em 2010. O arco é uma linha de logística vai do Porto de Ilhéus, na Bahia, até Porto Velho, em Rondônia; tudo abaixo deste “risco no mapa” é chamado de Arco Sul - com destaque para a produção transportada via os portos de Tubarão (ES), Santos e Paranaguá. Com essa divisão, se estabeleceu que tudo aquilo produzido acima do Paralelo 16º Sul - marco divisório entre os dois arcos - deveria sair pelo Arco Norte, para gerar receita, empregos e impostos para os Estados dali.

“Então, foi questão de tempo para as pessoas vislumbrarem que o canal era aqui para cima. É mais barato e mais fácil sair aqui por cima, porque a maior parte de cadeia de infraestrutura acima do Arco Norte é no modal hidroviário, que é o mais barato. Então, mesmo fazendo um percurso maior, o custo despenca”, orgulha-se o presidente da Amport.

Contudo, para se fazer justiça à franca expansão econômica impulsionada pela produção transportada pelos portos do Norte do Brasil, foi criado o conceito de Arco Amazônico, que contempla os complexos portuários de Porto Velho (RO), Manaus/Itacoatiara (AM), Santarém (PA), Itaituba/Miritituba (PA), Belém/Barcarena-Vila do Conde (PA), Santana (AP) e Itaqui (MA).Ou seja, o conjunto de infraestruturas que possibilitam o escoamento da produção pelos portos da Região Amazônica. 

image Vila do Conde (Divulgação)

“Hoje, nós temos dentro do Arco Amazônico três corredores na região Norte que são os mais pujantes: o formado pela BR-364/Rio Madeira, o da BR-163/Rio Tapajós e o das BR-155 e BR-158/Rio Tocantins”, explica Flavio Acatauassu, reforçando que, ainda que as condições naturais não tornem nossa região propensa ao transporte de bens beneficiados (que são transportados em contêineres) é o escoamento de insumos que dá destaque à Amazônia. 

“Eu posso até me atrever e dizer que a vocação dos portos do chamado Arco Amazônico são os granéis vegetais e minerais, tanto exportação quanto importação. Os grandes portos que operam com contêineres precisam de grandes calados [designação dada à profundidade a que se encontra o ponto mais baixo da quilha de uma embarcação, em relação à linha d'água]. Nós temos limitações, mas nossos portos já atendem perfeitamente esse calado para granéis”, enfatiza.

Transporte por hidrovias é mais barato e menos poluente

Ainda ressaltando a vocação natural da Amazônia para usar seus rios como vias de oxigenação da economia, Flávio Acatauassu parafraseia o poeta paraense Ruy Barata ao enfatizar que “nossos rios são nossas ruas” e por isso, são os caminhos mais óbvios para tudo que é produzido aqui. 

“Você costuma lutar a guerra com as armas que você tem. Então, hoje no bioma amazônico, você abrir uma rodovia é improvável. Para você abrir uma ferrovia - que já é uma ação mitigatória à rodovia - criam-se outros problemas. Então, nada mais natural que usar o próprio rio que aí está e torná-lo perene. Então, seria muito interessante que, no momento que o Brasil acordar e ver que o transporte hidroviário é ambientalmente mais correto, o mais eficaz e o que a natureza já nos deu, temos de perenizar as nossas vias navegáveis para que elas se tornem, de fato, hidrovias”, projeta.

Para Acatauassu, o transporte hidroviário é não apenas menos poluente - com menos emissão de gases que as alternativas em solo - como também é mais eficaz energeticamente. “Com um litro de combustível, você leva mais capacidade de carga por uma distância maior de quilômetro. Se você tem dentro da sua cadeia logística, por menor que seja, um trajeto fluvial/hidroviário, com certeza o seu curso logístico vai ser mais barato. Isso está gerando essa vocação dos portos aqui do Arco Amazônico: quase 50% da nossa cadeia logística está toda dentro da água”, expõe.

Para poder alcançar todo potencial que os portos e vias navegáveis da Amazônia guardam, a Amport considera que é preciso vencer uma série de desafios, com três destaques: melhoria da infraestrutura de acesso aos portos, com destaque para construção de ferrovias e manutenção das rodovias; facilitação e celeridade de licenciamentos ambientais, com isonomia entre o tratamento das autorizações emitidas pelos poderes municipais e estaduais; e sintonia entre as decisões tomadas pelas entidades marítimas, já que, de acordo com o presidente da Associação, há discrepâncias entre as leis de navegação dos distritos navais da Marinha que monitoram a Amazônia, impedindo que o navio que navega por uma região, tenha dificuldades em cruzar o mesmo rio em uma outra jurisdição.

“Tudo depende do poder público. Um navio de carga só pode chegar em um porto se tiver infraestrutura, que são os acessos rodoviários e os ferroviários”, defende Acatauassu. Segundo ele, os pontos mais urgentes para a continuidade do crescimento dizem respeito à oxigenação dos portos por vias terrestres, que incluem: a regularização da concessão prevista para as rodovias federais, em especial, BR-163 e BR-364; a adequação das rodovias PA-483 e PA-151 e a implantação do projeto da ferrovia Ferrogrão (EF-170), linha férrea que ligaria Sinop, no Mato Grosso, até o Porto de Miritituba, no Pará. “Se o poder público fizer o dever de casa para que se possa chegar nos portos, o ente privado faz sua parte, que é eficácia e melhoria para impulsionar ainda mais a produção com menor custo e gerando emprego e renda na região”, encerra Flavio Acatauassu.

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