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Bioeconomia: um novo mercado se ergue na Amazônia

Região é o passaporte para o Brasil ingressar em nova ordem da economia global, onde país pode figurar como potência ambiental e agrícola de baixo carbono, e provedora de serviços ambientais em escala nacional e planetária

Natália Mello

O saber tradicional dos povos amazônicos e a biodiversidade da região atraem a atenção internacional há algumas décadas. Mais recentemente, na contramão das práticas de devastação que se agravaram ao longo de todo o século XX - e da imagem de áreas descampadas, associadas a valores monetários - outro fator passou a ser levado cada vez mais em conta: a contribuição da floresta em pé para a geração de emprego e renda. E foi em meio a esse contexto, e para dar visibilidade a esse novo modelo de desenvolvimento, a partir de uma economia que vem da natureza, que surgiu o Fórum Mundial de Bioeconomia, em 2018, na cidade de Ruka, na Finlândia. Em 2021, pela primeira vez, o Fórum foi realizado fora da Europa, em Belém do Pará, uma das portas de entrada da Amazônia brasileira.

Ouça o comentário desta reportagem em inglês:

Os olhares do mundo sobre o papel da Amazônia nessa nova forma de fazer economia ainda divide opiniões. Ao decidir trazer para o Brasil a primeira edição do evento, e justamente a Belém, o idealizador do fórum, Jukka Kantola, reforça a razão: a bioeconomia praticamente nasceu na região, que detém um dos maiores biomas do planeta. Kantola destaca ainda nesse cenário global o Brasil inteiro, que abriga grande parte da população indígena do planeta.

image Jukka Kantolla foi idealizador do Fórum de Bioeconomia (Sidney Oliveira / O Liberal)

“É o maior ecossistema do mundo e tem a maior biodiversidade. Estamos aqui para promover experiências e, qual melhor estratégia do que pegar as experiências dos mais variados locais? Não há uma só bioeconomia. Cada região tem a sua bioeconomia, baseada na sua realidade local. Então, é interessante trazer esse evento para a Amazônia, para valorizar a biodiversidade da região”, defende Jukka.

O fundador do fórum diz que espera um salto para a região amazônica, como um todo, após a capital paraense sediar o evento: para ele, a bioeconomia passará a “existir efetivamente” no Brasil e na América Latina após o evento. “Acho que as pessoas estão de fato interessadas em falar de bioeconomia, e isso é uma coisa boa. O que levo de volta para a Finlândia é essa vontade de desenvolver a bioeconomia na Amazônia, porque percebo as pessoas interessadas, um movimento de mercado, um modelo baseado em novas possibilidades. E é esse entusiasmo pela bioeconomia que eu vou levar pra casa”.

image (Tarso Sarraf / O Liberal)

O assunto passou a ser recorrente no cenário econômico internacional. O dia 7 de julho já é lembrado como o Dia Mundial do Bioproduto – data em que Jukka diz ser a oportunidade de empresas e consumidores compartilharem suas histórias. Desta forma, ele afirma que o fórum, sintetizado, é a ambição por uma melhoria contínua desse conceito, o que ainda é considerado um desafio. “Mas o conhecimento entre consumidores está aumentando. O encorajamento à bioeconomia é um dos elementos que pode incentivar a retirada das pessoas da ilegalidade, contribuindo com outras iniciativas e diminuindo o desmatamento, além de melhorar a geração de emprego e renda”, pondera.

Esse holofote, que resulta em olhares fixos sobre a Amazônia, vale ressaltar, vem de uma emergência climática, lembra o pesquisador Beto Veríssimo, um dos fundadores do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Veríssimo assevera que região é o passaporte para o Brasil no século 21, e que a conservação da maior floresta tropical do mundo é necessária e absolutamente estratégica para o País se posicionar no mundo.

"A Amazônia é provedora de serviços ambientais em escala nacional e planetária. É a maior reserva de carbono florestal do planeta. Tem a maior biodiversidade terrestre. E é superlativa em água" - Beto Veríssimo, pesquisador.

“Para conservar, é preciso desenvolver a Amazônia de forma sustentável, na direção de uma economia de baixo carbono. Isto é, gerar riqueza com pouquíssima emissão de carbono. Na agricultura isso significará, por exemplo, melhorar o manejo dos solos [fixar mais carbono no solo] e aproveitar as áreas já desmatadas. Importante lembrar que a Amazônia também existe em outros oito países, embora o Brasil detenha a maior parte [dois terços aproximadamente]”, afirma Veríssimo.

Beto acredita que, se o Brasil cuidar com sabedoria da Amazônia, a floresta que ele classifica como extraordinária colocará o País em uma posição de potência ambiental e agrícola. “Potência de baixo carbono em um mundo que vai premiar negócios sustentáveis e punir os negócios predatórios. Se o desmatamento continuar fora de controle, a Amazônia nos tira do mundo. São riscos de boicote e desinvestimentos para a nossa economia”. Quanto aos investimentos estrangeiros, que geram certa preocupação com relação à soberania brasileira, o pesquisador é assertivo: a economia é global e o mercado é parte importante da solução para a Amazônia. 

image Pesquisador Beto Veríssimo (Druso Frota / Divulgação)

Beto reforça, ainda, a importância da região para o planeta: “A Amazônia é provedora de serviços ambientais em escala nacional e planetária. É a maior reserva de carbono florestal do planeta. Tem a maior biodiversidade terrestre. E é superlativa em água. Grande parte das chuvas que caem no Centro-Sul do Brasil depende da Amazônia. Sem a Amazônia, teremos crises hídricas mais profundas e catastróficas. É de interesse nosso conservar, proteger e desenvolver sustentavelmente a região”.

Internacionalização da Amazônia, soberania brasileira

O professor e doutor em Relações Internacionais Mário Tito garante: no que toca à soberania brasileira sobre a Amazônia, um tema que de tempos em tempos volta a debate, frente aos diversos interesses internacionais e nacionais em jogo, deve-se lembrar que a gestão de um território é atribuição reservada pelo governo de um país que o contenha. E somente em situações extremas a Organização das Nações Unidas (ONU) pode autorizar o uso de força externa. Sendo assim, Tito reafirma que a gestão da Amazônia é de responsabilidade única e intransferível do Brasil. Porém, esclarece, pode acontecer o estabelecimento de acordos entre países ou organizações internacionais para que ocorra cooperação técnica e financeira que auxilie a gestão da Amazônia.

“No entanto, isso não significa que o Brasil deixe de ter sua soberania sobre a região. A possibilidade de internacionalização da Amazônia, como perda da soberania brasileira sobre a região dentro de seu território, é praticamente nula. A soberania de um Estado Nacional é o princípio básico do respeito a um país, consagrado, inclusive, na Carta de São Francisco, o Tratado Constitutivo da ONU”, explica.

image (Tarso Sarraf / O Liberal)

Dito isso, pode-se falar em interesse internacional sobre a Amazônia de duas naturezas: o primeiro, pela riqueza de sua biodiversidade, que atrai todo tipo de atores que buscam ter acesso a ela por meios, inclusive, ilícitos: biopirataria, mineração, posse de recursos minerais etc. Em segundo lugar, destaca Tito, vem a legítima intenção de preservar ou conservar a região, por sua importância no equilíbrio ambiental e climático do mundo, e pelo desejo de colaborar com o Brasil na sua manutenção.

“O importante é separar o joio do trigo nesses interesses. Um dos argumentos mais usados em fóruns internacionais a respeito da internacionalização da Amazônia é o fato de estar sendo constatada a falta de responsabilidade do atual governo brasileiro com a Amazônia, concretizada pelo afrouxamento da legislação ambiental, pela falta de compromisso com vigilância e controle e pela permissão ao avanço de práticas econômicas que destroem a cobertura florestal. É um argumento forte, mas que não deve estar acima da autonomia do povo brasileiro em ser protagonista para mudança desse processo, sem ingerência internacional”, ressalta Mário Tito.

image (Tarso Sarraf / O Liberal)

O que é bioeconomia, afinal?

A bioeconomia é um termo que reúne diferentes visões e abrangências, mas parte de um mesmo conceito: utilizar o saber tradicional e os insumos provenientes da natureza de determinada região para gerar emprego e renda, aliados à proteção da floresta. Essa ideia está também relacionada ao conceito de sustentabilidade, que é definido pelo uso consciente dos recursos naturais para as necessidades básicas da geração presente, sem que isso impacte a vida na terra no futuro (uma harmonia entre homem, ambiente e produção econômica).

image (Sidney Oliveira / O Liberal)

A bioeconomia vem dos bioprodutos, que podem ser provenientes de sementes, frutas, árvores e até mesmo do conhecimento dos povos tradicionais. O objetivo final é: conservar e desenvolver, social e humanamente, transformando a floresta em pé e o saber tradicional em dinheiro, compensando, por exemplo, até mesmo os esforços de redução das emissões de carbono decorrentes da derrubada e queima das florestas – esse mecanismo denomina-se crédito de carbono.

Povos indígenas e valor agregado ao saber tradicional

O conhecimento e a cultura de indígenas da tribo Kayapó de Novo Progresso, município da região sudoeste do Pará, atravessou gerações de pais e mães para filhos e filhas e hoje estão materializados em bolsas, brincos e outros objetos de artesanato. Por meio do Instituto Kabu, que comercializa bioprodutos oriundos também da coleta da castanha-do-pará, do cumaru, do óleo de babaçu e de outros insumos, é possível adquirir um item próprio da sociobiodiversidade - e contribuir com a conservação de milhões de hectares da floresta amazônica.

Como isso é possível? A bióloga mato-grossense Dulciane Souza, gestora da entidade e promovedora da arte dos Kayapó há 12 anos, explica. “Através da valorização do produto deles estamos reconhecendo a história deles, o território deles, a localização deles. O projeto do Instituto atende 300 famílias, que são beneficiadas independente da venda do produto, porque os recursos retornam para a aldeia. Todos recebem e são beneficiados de forma igual a partir dessa economia circular. Ao participar do Fórum Mundial de Bioeconomia, nosso objetivo é que os órgãos estaduais e instituições como o Sebrae, por exemplo, tenha a nossa organização no radar”, detalha, lembrando que essa foi a segunda vez que os produtos Kayapó foram comercializados no Estado – hoje eles são vendidos para Brasília (DF), São Paulo e outros estados brasileiros, e até mesmo para fora do Brasil.

image Bióloga Dulciane Souza (Sidney Oliveira / O Liberal)

Bioprodutos geram benefícios ambientais

Uma startup criada em Belém viu, no caroço do açaí, uma oportunidade econômica para geração de renda. Mas, para além disso, também viu a possibilidade de contribuir com a preservação ambiental. Segundo Marcel Campos, do Açaí Forma, 300 toneladas de caroço do açaí são descartados diariamente em Belém. Ao aproveitar esse resíduo, por exemplo, é possível diminuir a quantidade de plástico usado em embalagens, que vão depois compor o lixo da capital.

image Empresário Marcel Campos (Thiago Gomes / O Liberal)

“Trabalhamos o caroço agregando valor, trabalhando como compósitos poliméricos. Toda vez que usamos caroço, é menos plástico nas ruas, no meio ambiente. O fórum foi fundamental para a gente, primeiro porque estamos dentro da temática do evento. Segundo, porque trabalhamos com biotecnologia, que resulta em produtos próprios de uma economia circular e sustentáveis. Aqui é o espaço de apresentar esses novos produtos para que o mundo conheça”, diz Campos.

Marcel lembra, também, que o açaí é, por si só, uma riqueza de infinitas possibilidades, que vão para além da alimentação. “É base para produtos que podem chegar ao mundo inteiro, porque tem vocação para isso. E pode ainda ser um vetor de desenvolvimento. A verdade é que o Pará já vive da bieconomia. O que propomos é uma bioeconomia com mais tecnologia e valor agregado. Precisamos verticalizar nossos processos, porque o açaí é nossa matéria-prima e está sendo verticalizado lá fora, e deveria ser verticalizado aqui”.

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