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Amazônia: Desmatamento em 2021 já é o pior da década

Avanço sobre áreas verdes tem piores índices em dez anos, e Pará está no topo do ranking dos estados que mais desmatam: floresta teve 638 km² destruídos só em agosto

Caio Oliveira / O Liberal

Em 31 de outubro, na Escócia, ocorrerá mais uma conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas de 2021, a chamada COP26. O evento é um encontro anual para monitorar e revisar a implementação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, tratado assinado por 197 países, com o objetivo de reduzir o impacto da atividade humana no clima. Um mês antes do evento global, que será determinante para os rumos do planeta, a Amazônia apresenta números pouco otimistas. O desmatamento na região alcançou seus piores números em dez anos.

Ouça o comentário desta reportagem em inglês:

Segundo dados divulgados em setembro, 1.606 km² de floresta foram destruídos apenas em agosto: é como se uma área verde equivalente a muito mais de um terço do território de Cabo Verde, ou o da Polinésia Francesa, fossem devastados em apenas um único mês. Ou ainda, que uma porção de floresta similar às terras de todo o departamento francês da Martinica, ou da República de São Tomé e Príncipe inteira, viessem abaixo em apenas 30 dias. 

 

De acordo com o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o acumulado desde janeiro de 2021 também ficou como o pior dos últimos dez anos, com 7.715 km² de floresta destruídos. Em 2012, foram 714 km² de floresta desmatada, segundo o Imazon. Agosto foi o quinto mês deste ano em que o desmatamento atingiu o pior cenário desde 2012.

Nesse contexto, o Pará segue desde maio no topo do ranking dos estados que mais desmataram na Amazônia, e teve 638 km² destruídos apenas em agosto: essa área representa 40% de toda a devastação na Amazônia Legal, e é como se metade da cidade do Rio de Janeiro tivesse sido desmatada em um único mês.

image (Dida Sampaio)

Para Larissa Amorim, engenheira florestal e pesquisadora do Imazon, não apenas o volume de devastação assusta, mas também, as áreas onde ele vem crescendo revelam uma verdade que preocupa. “O desmatamento, como um todo, é um problema crônico em toda Amazônia Legal. Porém, o Estado do Pará vem se destacando cada vez mais. Um ponto preocupante, além de agosto de 2021 ter sido o pior dos 10 últimos anos, é o fato de que esse desmatamento está avançando também nas áreas protegidas do Estado”, comenta Larissa. “Tudo isso torna esse desmatamento mais agravante ainda, pois estamos falando de territórios protegidos, destinados à conservação”, adverte Larissa.

image Larissa Amorim é engenheira florestal (Divulgação)

A pesquisadora do instituto explica que a maioria dos índices computados no último levantamento colocam o Pará como o Estado mais crítico da Amazônia Legal, área que corresponde a cerca de 58,9% do território brasileiro. “Considerando nossos dados de agosto, cinco dos municípios que mais desmataram estão localizados no Pará. E também, a maioria das unidades de conservação [com maior desmatamento] também estão localizadas no Pará - 6 das 10. E cinco das dez terras indígenas que mais desmataram estão no Pará”, enumera Larissa. 

"Os dados mostram que 90% da área desmatada está com pasto. Então, a pecuária ocupa essas áreas, e grande parte desse desmatamento é ilegal"- Paulo Barreto, engenheiro florestal do Imazon.

Altamira é o quarto no ranking geral do desmatamento em agosto na Amazônia, e o primeiro lugar no Pará, com 66 km² de floresta destruída na área do município naquele mês. Em seguida, vem São Félix do Xingu e Pacajá, ambos com 50 km² devastados, além de Itaituba (47 km²) e Portel (41 km²). Todos esses municípios estão em uma lista elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) que seleciona os municípios prioritários para ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento no Bioma Amazônia.

image (Edu Andrade / FotoPress AE)

“Essa lista é recorrentemente atualizada e divulgada. Um dado interessante também é que, considerando todos esses municípios da lista [52 atualmente], 37% estão localizados no Estado do Pará. Então, deveria estar tendo um controle mais efetivo, mas, infelizmente, alguns desses municípios estão recorrentemente aparecendo no nosso ranking”, alerta Larissa Amorim, que espera que os dados colhidos por meio de tecnologia e pesquisa possam ser usados para mudar esses números que assolam nosso Estado. “É necessário implementar novas políticas públicas que complementem as que já existem e garantam a conservação desses territórios, e principalmente, aumentar a fiscalização nessas áreas, e também não só fiscalizar, mas sim punir os responsáveis, embargar essas áreas. Infelizmente, isso não vem acontecendo da forma que a gente precisa”, lamenta.

Exploração desordenada fere a Amazônia

Para Paulo Barreto, um dos fundadores do Imazon, o principal problema que afeta a região é a derrubada de mais áreas da floresta para um tipo de produção animal muito mal planejada, que, ao contrário de outras iniciativas agropecuárias, segue priorizando a devastação de enormes novas áreas, em detrimento de uma melhor utilização dos territórios que já foram desmatados.

image Paulo Barreto é engenheiro florestal (Márcio Lázaro / Divulgação)

“Os dados mostram que 90% da área desmatada está com pasto. Então, a pecuária ocupa essas áreas, e grande parte desse desmatamento é ilegal. Há uma distorção também que incentiva o desmatamento, que é a chamada grilagem, a ocupação de uma terra pública. Embora já haja muita terra desmatada que é mal usada, que poderia aumentar a produção nessa área, há um incentivo distorcido por política pública que incentiva a pessoa ocupar a terra, desmatar para mostrar que tem posse: mesmo sendo ilegal, a pessoa ocupa”, explica o engenheiro florestal, que acumula mais de trinta anos de pesquisa sobre o tema.

Barreto explica que, atualmente, há ainda um forte sentimento de impunidade entre os desmatadores ilegais: segundo afirma, por conta de uma legislação mais flexível, eles estão cada vez mais ousados nas ocupações em territórios protegidos por lei. “Eles acreditam muito na força da quantidade: se muita gente faz isso ao mesmo tempo, isso cria uma pressão política para eles serem vitoriosos. Então, eles incentivam que muitas pessoas façam ao mesmo tempo. Isso é uma coisa muito bem estruturada, e tem característica de crime organizado mesmo”, pondera Paulo Barreto.

image Santarém (Tarso Sarraf / O Liberal)

Para o pesquisador, os números registrados pelo Imazon representam um triste retrocesso na política ambiental nacional. E, principalmente, porque o Brasil sabe como enfrentar esse problema de forma efetiva. “De 2005 a 2012, o Brasil reduziu em 83% a taxa do desmatamento. Então, o País já sabe como fazer”, reforça Barreto, que sugere as ações que devem ser tomadas. “Tem de haver fiscalização, criar áreas protegidas, nessas regiões que são terras públicas e os grileiros tentam ocupar, e restringir crédito: não dar crédito para quem está desmatando ilegalmente. Isso funcionou muito bem. Agora, não basta fazer isso uma vez. Tem de haver disciplina ao longo do tempo”, sugere o pesquisador.

Travando a mesma luta pela redução do desmatamento, a ativista e líder indígena Alessandra Korap Munduruku atua em uma frente diferente. Ela vive na aldeia Praia do Índio, território nos limites de Itaituba, o oitavo município com maior índice de desmatamento na Amazônia Legal brasileira. Estando no “olho do furacão”, ela foi incapaz de ficar de braços cruzados frente à destruição do lugar onde mora. Resolveu ir à luta, tornando-se uma das principais vozes na denúncia da exploração ilegal dos recursos naturais do Sudoeste Paraense. Todo esse trabalho trouxe reconhecimento: em outubro de 2020, ela recebeu um dos mais importantes prêmios para defensores dos direitos humanos em todo mundo, o Robert F. Kennedy, por conta da defesa do território Munduruku, sobretudo, pelo combate ao desmatamento ilegal por madeireiros e à invasão de terras indígenas por áreas de garimpo.

"Isso está afetando nossas vidas. Afetando quem vive em São Paulo, quem vive do outro lado do oceano. Não apenas os povos indígenas, mas o planeta todo" - Alessandra Korap Munduruku, ativista e líder indígena.

“Tem esse discurso de que a Amazônia precisa de desenvolvimento, e fazendeiros, sojeiros, barrageiros e mineradores se aproveitam disso para desmatar. Veja o caso dos territórios indígenas, sendo invadidos pelos garimpeiros, madeireiros, e não há um órgão para tirar”, pondera Alessandra. A liderança Munduruku lamenta a falta de fiscalização. “Nós indígenas que estamos preservando, fazemos nosso papel, mas cabe ao governo fazer sua parte. A gente anda e vê cada vez as fazendas crescendo, os rios cada vez mais sujos, mais invasores em territórios indígenas, que deveriam ser preservados, mas o próprio índio tem de fazer essa proteção”. 

Alessandra reforça: o que acontece na Amazônia deve ser encarado como um problema global. “Isso está afetando nossas vidas. Afetando quem vive em São Paulo, quem vive do outro lado do oceano. Não apenas os povos indígenas, mas o planeta todo. E quem está preservando sempre somos nós. Mas nós não desistimos: nós, mulheres e homens Munduruku jamais vamos desistir de lutar e preservar e defender nosso território”.

O desafio de melhorar índices no Estado que concentra piores números

Com os olhos do mundo voltados para o Estado que ele mora e trabalha, o Secretário de Estado de Meio Ambiente do Pará, Mauro O’de Almeida, fala do desafio de administrar as ações contra o desmatamento em um território geográfico com estatísticas tão preocupantes. Ele ressalta que os problemas não são recentes, e várias peculiaridades contribuem para esse cenário. “Na verdade, o Pará já é líder de desmatamento há 15 anos, e tem vários motivos para isso. Mas um dos principais é que o Pará é um laboratório de atividades econômicas que nenhum outro estado tem. Aqui, temos mineração, pecuária, agricultura, grandes projetos de energia, de transporte - ferrovias e rodovias. Então, nenhum estado da Amazônia Legal tem uma diversidade econômica, social e infraestrutural como essa”, pondera O’de Almeida.

image (Tarso Sarraf / O Liberal)

Para o secretário, é impossível falar de desenvolvimento sustentável sem se atentar ao aspecto humano na Amazônia, e a falta de oportunidades de emprego e renda para os moradores da região são fatores que contribuem, e muito, para a exploração desordenada dos recursos naturais. “Precisamos aumentar o índice de desenvolvimento humano do Pará. Só vamos mudar a chave do desmatamento quando fizermos essa transformação social”.

Mauro O’de Almeida faz uma analogia para explicar essa proposta de solução. “Você pode dizer ‘ah, mas já conseguimos fazer a redução do desmatamento’. Sim, a gente consegue se reprimir, mas não consegue manter essa redução. É como a violência urbana: com repressão, você consegue diminuir, mas não consegue manter; vai botar debaixo do debate, e depois, ela explode de novo. Então, só teremos essa transformação quando fizermos transformação social também”.

Como exemplo de boa prática para mudar a realidade do desmatamento, o secretário cita o Plano Estadual Amazônia Agora - plataforma de ação para estabelecer um modelo de desenvolvimento social e econômico, baseado na valorização de ativos ambientais no Pará. O Plano tem como objetivo a preservação da floresta e, ao mesmo tempo, o aumento da eficiência das cadeias produtivas e a melhoria das condições socioambientais no campo. Com um ano em atividade, o plano paraense anunciou uma meta ousada: levar o Pará à neutralidade climática antes de 2036. 

image Dados do Sistema de Alerta de Desmatamento Agosto de 2021 (Imazon), mostram como o Pará sempre se destaca nos cenários mais críticos de avanço contra a floresta na Amazônia Legal Brasileira (estados do Amazonas, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre, Tocantins, Mato Grosso e parte significativa do Maranhão) | Fonte: Imazon

 

O secretário de políticas ambientais do Pará também defende que a regularização fundiária como uma das principais ações contra a devastação. “Começamos a fazer a entrega, nesta região que mais desmata, de mais de 400 títulos de regularização fundiária, e também de regularização ambiental. Quando fazemos isso, a gente identifica as pessoas. Isso porque, muitas vezes, o desmatamento acontece e a gente não sabe como foi feito, por quem e para quê. Mas quando a gente faz a regularização fundiária, dá um CPF ou CNPJ para aquela pessoa naquela área, a gente já pode controlar”, diz O’de Almeida.

Mais uma mostra de que o mundo segue cada vez mais atento ao que ocorre na Amazônia foi dada em setembro passado, quando o secretário do Pará esteve no Global Citizen Live, em Nova York, evento internacional, com a participação de artistas, celebridades e líderes mundiais, que teve como meta criar um movimento com propostas para frear as mudanças climáticas. No evento principal - um show no Central Park -, O’de Almeida se comprometeu em trabalhar para a criação de pelo menos três novas áreas protegidas no Pará. E também com a expansão em 25% da área de manejo florestal sustentável no Estado, e em estabelecer planos de mitigação e adaptação das mudanças climáticas, com objetivo de zerar as emissões líquidas antes de 2050.

image (Reprodução)

No começo de outubro, a secretaria de meio ambiente do Pará divulgou que, nas regiões que estão sob administração estadual, a área desmatada foi reduzida de 162,73km² (em setembro do ano passado) para 116,89 km², no mesmo período em 2021. A queda é de 28%. Já nas áreas que são de responsabilidade do governo federal no Pará, o total desmatado em setembro de 2020 foi de 357,20 km², enquanto, no mesmo mês de 2021, a destruição de áreas verdes de floresta acumulou 249,29 km², uma redução de 30%.

“A gente ainda tem uma estrada para percorrer até alcançar o objetivo de estabilização. Mas se a gente não se comprometer com essas iniciativas internacionais, se a gente se isolar, é muito pior para nós. É preciso, primeiro, ter transparência, governança, confiabilidade, credibilidade, e se comprometer. Pois, com isso, a gente traz investimento e melhora a infraestrutura, e pode-se virar a chave”, avalia Mauro O’de Almeida.

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