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Guardião da biodiversidade do passado e do futuro

Museu Paraense Emílio Goeldi é a mais antiga instituição científica da Amazônia e um dos maiores museus de história natural do Brasil

Dayane Baía | Especial para O Liberal
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Para celebrar o Dia da Biodiversidade e as contribuições do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Nilson Gabas Júnior, diretor da instituição, conversou com O Liberal nesta entrevista exclusiva. Fundado em 1866, o espaço já catalogou centenas de espécies e desenvolveu projetos de preservação do meio ambiente. Papel fundamental para preservar a história da Amazônia. 

O Liberal – O Museu Paraense Emílio Goeldi é referência internacional na proteção e preservação da biodiversidade na Amazônia. Como essa trajetória foi desenvolvida? 

Nilson Gabas Júnior - Referência internacional nos estudos sobre os sistemas sociais e ambientais da Amazônia, a trajetória do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) é marcada por uma história rica, que abrange mais de um século e meio de contribuições significativas para a ciência e conservação na região.

O Museu Goeldi começou suas atividades focado principalmente em pesquisas nas áreas de etnografia e história natural da região amazônica e, ao longo dos anos, a instituição expandiu suas áreas de atuação, tornando-se um centro de excelência em pesquisa científica, conservação, educação e divulgação científica.

Na pesquisa científica na Amazônia, o Museu Goeldi foi pioneiro na botânica, zoologia, paleontologia, ecologia, antropologia, linguística e arqueologia, como também na comunicação e educação da ciência. Suas expedições científicas contribuíram significativamente para o conhecimento da biodiversidade e da cultura da região. Estimamos que, ao longo de sua existência, na qual a maior parte contou com grupo reduzido de pesquisadores, a instituição sesquicentenária já identificou mais de 3 mil novas espécies de plantas e animais. Paripassu com a pesquisa, o papel que o MPEG desempenha também é fundamental no estabelecimento de Unidades de Conservação e demarcação de terras indígenas na Amazônia. A instituição identifica a presença humana antiga, analisa a cultura material dos povos existentes e resgata mais de 80 línguas indígenas ameaçadas de extinção. As coleções e bancos de dados são patrimônios únicos e somam mais de 4,5 milhões de itens.

Complementando a produção de conhecimento científica, o Museu Goeldi se destaca também na divulgação científica e na educação ambiental. Ele promove programas educacionais e atividades de sensibilização pública para aumentar a conscientização sobre as características da Amazônia e sua importância na vida das pessoas, do Brasil e do mundo. Por ano, recebemos em torno de 300 mil pessoas no Parque Zoobotânico da instituição, lançamos novidades no mercado editorial, apresentamos processos, produtos e ferramentas de comunicação e educação.

 O MPEG estabelece parcerias e colaborações com instituições científicas em todo o mundo, promovendo a troca de conhecimentos e os esforços de conservação cultural e ambiental. O impacto institucional, portanto, atravessa o científico, o ambiental, o patrimonial, torna-se cultura e memória da Amazônia. 

OL – Quais as principais frentes de trabalho incentivadas na instituição sobre biodiversidade? Como os pesquisadores se organizam para investigar aspectos históricos, de catalogação e projeções futuras?

NG - Os pesquisadores do MPEG realizam estudos em diversas áreas da biodiversidade, incluindo botânica, zoologia, ecologia, taxonomia e, atualmente, ainda a genômica Suas pesquisas visam entender a diversidade biológica da Amazônia, suas interações ecológicas e os impactos das atividades humanas sobre os ecossistemas. O Museu Goeldi está envolvido em projetos de conservação de espécies ameaçadas, restauração de ecossistemas degradados e manejo sustentável da biodiversidade, além de estudos fitoquímicos que são a base da bioeconomia de produtos naturais, incluindo os óleos essenciais. 

A instituição possui quatro dezenas de coleções científicas (incluindo sub-coleções em consolidação), que incluem espécimes botânicos, zoológicos e paleontológicos. Os pesquisadores do MPEG trabalham na catalogação, preservação e documentação dessas coleções, garantindo que estejam disponíveis para estudos futuros e para a educação científica.

O MPEG realiza monitoramento ambiental em várias áreas da Amazônia, coletando dados sobre a biodiversidade, qualidade da água, uso da terra e outros parâmetros ambientais. Esses dados são fundamentais para avaliar os impactos das mudanças ambientais e para orientar políticas de conservação.

Para investigar aspectos históricos, de catalogação e projeções futuras, os pesquisadores do MPEG se organizam em equipes multidisciplinares e redes de pesquisa, que combinam expertise em diferentes áreas da ciência. São utilizadas uma variedade de métodos e técnicas, incluindo expedições de campo, análises laboratoriais, modelagem computacional e revisão de dados históricos e bibliográficos.

A colaboração entre os pesquisadores, tanto dentro da instituição quanto com outras instituições nacionais e internacionais, é fundamental para o sucesso desses esforços. Ao compartilhar conhecimentos, recursos e experiências, os pesquisadores podem abordar questões complexas de forma mais abrangente e eficaz, contribuindo para uma compreensão mais completa da biodiversidade amazônica e para a elaboração de estratégias de conservação mais eficientes.

A Estação Científica Ferreira Penna, na Floresta Nacional de Caxiuanã, Marajó (PA), foi pensada para funcionar como um laboratório avançado de funcionamento da Floresta Amazônica, é um dos sítios do Programa Ecológico de Longa Duração-PELD, do CNPQ.

image Museu Goeldi está envolvido em projetos de conservação de espécies ameaçadas (Janine Valente / MPEG)

OL – Como se dá a relação entre a sociedade e a ciência e de que maneira ela pode contribuir para a proteção da biodiversidade? Como a população pode exercer papéis de protagonismo nesse contexto?

NG - A Ciência oferece à sociedade um entendimento profundo dos ecossistemas, das interações entre as espécies e dos impactos das atividades humanas sobre a biodiversidade. A ciência desempenha um papel central na proteção da biodiversidade ao fornecer dados objetivos e análises críticas sobre os desafios enfrentados pelos biomas e ecossistemas. Através de estudos de campo, modelagem computacional, análises laboratoriais e observações sistemáticas, os cientistas podem identificar padrões de mudança ambiental, avaliar os impactos das atividades humanas e desenvolver estratégias eficazes de conservação.

No entanto, a eficácia dessas estratégias muitas vezes depende do envolvimento ativo da sociedade. Esta pode contribuir de várias maneiras, desde a adoção de práticas sustentáveis em suas vidas cotidianas até o apoio a iniciativas de conservação e a defesa de políticas ambientais fortes.

O protagonismo da população se manifesta por meio do engajamento em ações coletivas, como campanhas de conscientização, mobilização, e apoio a projetos e ações mobilizadoras, dentre outras ações. Exercer pressão sobre governos e empresas para que implementem políticas de proteção ambiental mais eficazes também é importante. Buscar informações confiáveis também é crucial. Em época de negacionismo, é preciso estar “atento e forte”, como diz o poeta. 

OL – Quais os principais desafios e oportunidades para o avanço de pesquisas científicas sobre biodiversidade na Amazônia?

NG - Pressão Antrópica e Desmatamento: O desmatamento e outras formas de degradação ambiental representam uma ameaça significativa à biodiversidade amazônica

Acesso a Locais Remotos: Muitas áreas da Amazônia são remotas e de difícil acesso, o que torna a realização de pesquisas de campo desafiadora e cara. Estudo recente mostra que cerca de 40% da Amazônia não é conhecida do ponto de vista ecológico.

Complexidade Biológica: A Amazônia abriga uma imensa diversidade de espécies, muitas das quais ainda não foram descritas pela ciência. Entender essa complexidade biológica requer estudos detalhados e abrangentes.

Mudanças Climáticas: As mudanças climáticas estão alterando os padrões de temperatura e precipitação na Amazônia, afetando a distribuição e o comportamento das espécies e os ecossistemas como um todo.

Falta de Recursos Humanos e Financeiros: A pesquisa científica na Amazônia requer recursos significativos, incluindo pessoal qualificado, financiamento para equipamentos, expedições de campo e análises laboratoriais. 

Oportunidades:

Avanços Tecnológicos: tecnologias como sensores remotos, drones, sequenciamento genético e modelagem computacional estão permitindo aos cientistas estudar a biodiversidade amazônica de novas maneiras e em escalas sem precedentes.

Colaboração Internacional: Essas colaborações podem fornecer recursos adicionais e expertise para abordar desafios complexos.

Parcerias com comunidades: O conhecimento tradicional das comunidades indígenas pode complementar os métodos científicos ocidentais.

Redes de Pesquisa: Organização e fortalecimento de redes de pesquisa a nível local, nacional e internacional.

image Pesquisadores do Emílio Goeldi desenvolvem trabalhos de pesquisa e descobrem novas espécies que são catalogadas (Janine Valente / MPEG)

OL – Como a sua gestão se posiciona neste cenário? Cite alguns destaques recentes e objetivos para o futuro próximo no MPEG.

NG - Nas últimas gestões, o Museu Goeldi vem investindo fortemente na ampliação, segurança e modernização das Coleções Científicas e Laboratórios. Estamos apostando na integração entre as instituições da Amazônia Brasileira e Pan-Amazônica, procurando fortalecer ações de inclusão e inovação na prática científica e na formação de especialistas na pós-graduação. Outro aspecto importante que buscamos é a viabilização das expedições científicas, pois há muitas lacunas de conhecimento sobre várias áreas geográficas a serem preenchidas na Amazônia.

Nessa gestão estamos também buscando o fortalecer as relação com os gestores municipal, estadual e federal, bem como com o setor produtivo, em questões associadas ao desenvolvimento sustentável e justo na Amazônia. Temos um enorme desafio que é criar mecanismos de reposição automática de especialistas, que perdemos por aposentadoria e falecimento – nosso déficit é enorme e ameaça a continuidade de nossas atividades e ações futuras.

OL – Neste momento em que os olhares internacionais estão voltados para a Amazônia, especialmente pela realização da COP30, quais cuidados devem ser tomados para proteger a região e, ao mesmo tempo, aproveitar ações benéficas em prol do território e os seres que o habitam?

NG - Promover a participação e o diálogo: Incluir as comunidades locais, povos indígenas e outros grupos interessados no processo de tomada de decisões é fundamental para garantir que suas vozes sejam ouvidas e que as políticas implementadas levem em consideração suas necessidades e conhecimentos tradicionais.

Combater o desmatamento e a degradação ambiental: Isso requer a implementação de políticas eficazes de fiscalização, monitoramento e controle, bem como o incentivo a atividades econômicas sustentáveis, como o ecoturismo e a produção agrícola de baixo impacto.

Fortalecer UCs e territórios indígenas: Isso inclui o apoio à gestão participativa dessas áreas e o reconhecimento dos direitos territoriais e culturais das populações indígenas.

Promover a pesquisa científica e a inovação tecnológica. Fortalecer a governança ambiental.

OL – É possível estimar o quantitativo de espécies da fauna e da flora já foram catalogadas na Amazônia ou supor o universo ainda desconhecido pela ciência? 

NG - Embora seja difícil estimar com precisão o número total de espécies de fauna e flora na Amazônia, é amplamente aceito que a região abriga uma das maiores biodiversidades do planeta. Até o momento, milhares de espécies de plantas, animais e micro-organismos foram catalogadas, mas ainda há muito a ser descoberto. Acredita-se que o número real de espécies na Amazônia seja muito maior do que o que foi catalogado até agora, e o universo ainda desconhecido pela ciência é vasto.

Um estudo que contribui para essa compreensão é o trabalho realizado pelo Dr Hans ter Steege do Naturalis Biodiversity Center e parceiro do MPEG. Em 2013, eles publicaram uma estimativa de que a Amazônia abriga cerca de 16.000 espécies de árvores. Essa pesquisa foi baseada em uma extensa revisão da literatura científica e em dados de inventários florestais de toda a região.

OL – Como você avalia os esforços para preservação da biodiversidade frente às demandas sociais e de mercado a partir do uso de matérias-primas como as plantas, por exemplo? É possível buscar um equilíbrio?

Acredito que é possível buscar um equilíbrio entre a conservação da biodiversidade e o uso sustentável desses recursos, desde que se adotem abordagens integradas e cuidadosamente planejadas. Considero fundamental promover práticas de uso sustentável de plantas, que permitam atender às necessidades das comunidades locais e da indústria sem comprometer a integridade dos ecossistemas. Isso pode envolver o estabelecimento de quotas de colheita, o manejo florestal sustentável e a implementação de práticas agrícolas que respeitem os limites ecológicos. É importante identificar e proteger espécies ameaçadas que são alvo de exploração comercial. Isso pode incluir a criação de áreas protegidas, o estabelecimento de programas de conservação ex situ e a implementação de regulamentações que limitem a colheita de espécies em risco de extinção.

Os esforços de certificação dos produtos podem ajudar os consumidores a identificar produtos provenientes de fontes sustentáveis. Certificações como o FSC (Forest Stewardship Council) para produtos florestais e o Fair Trade para produtos agrícolas podem promover práticas responsáveis de colheita e produção. Envolver as comunidades locais na gestão dos recursos naturais é essencial para garantir que suas necessidades sejam atendidas de forma sustentável e que sejam beneficiadas economicamente em projetos de bioeconomia. 

Um aspecto importante é investir em pesquisa científica e inovação tecnológica pode ajudar a desenvolver métodos mais eficazes e sustentáveis de utilização da biodiversidade da Amazônia.

OL – Como as pesquisas em genética têm impactado a diversidade de espécies de seres vivos? Pode comentar sobre a importância da inovação nesse aspecto?

NG - Os estudos genéticos têm possibilitado acelerar e aperfeiçoar a produção do conhecimento científico. Por exemplo, com os estudos genéticos temos conseguido definir com precisão se os exemplares coletados são ou não espécies, gêneros, famílias novas ou variações dentro da mesma espécie. Com os estudos genéticos e outras ferramentas preciosas, como o Microscópio Eletrônico de Varredura e o sofisticado Microtomógrafo, estamos avançando cada vez mais no entendimento sobre a vida no bioma amazônico.

image Pesquisas de campo são desafiadoras e caras diante da dificuldade de acesso a algumas áreas da Amazônia (Janine Valente / MPEG)

OL – Como o Museu Goeldi incentiva os trabalhos sobre comunidades tradicionais e de que forma elas se relacionam com a conservação da biodiversidade?

NG - Pesquisa Participativa: O MPEG realiza pesquisas participativas que envolvem as comunidades locais e que valorizam o conhecimento tradicional das comunidades e promovem uma abordagem integrada. 

Programas de Extensão e Educação Ambiental: O museu desenvolve programas de extensão e educação ambiental voltados para as comunidades locais, o que inclui palestras, oficinas, cursos e atividades práticas realizadas em parceria com escolas, associações comunitárias e líderes locais.

Gestão de Áreas Protegidas e Reservas Indígenas: O MPEG colabora com as comunidades locais na gestão de áreas protegidas e reservas indígenas, reconhecendo seus direitos territoriais envolvendo a participação em conselhos gestores de UCs a elaboração de planos de manejo comunitário e o apoio a atividades econômicas alternativas que valorizem a conservação da biodiversidade.

Resgate e Preservação do Conhecimento Tradicional: O museu trabalha no resgate e preservação do conhecimento tradicional das comunidades locais, valorizando suas práticas culturais, saberes ancestrais e técnicas de manejo dos recursos naturais - registro de histórias orais, o mapeamento de territórios tradicionais e a documentação de práticas de uso sustentável da biodiversidade.

Parcerias e Colaborações: O MPEG estabelece parcerias e colaborações com organizações não governamentais, instituições de pesquisa, governos locais e outros atores interessados na promoção da conservação da biodiversidade e no fortalecimento das comunidades tradicionais. Essas parcerias permitem ampliar o alcance e o impacto das atividades desenvolvidas pelo museu e promover uma abordagem integrada e participativa para a conservação da Amazônia.

Tecnologias sociais – mapeamento de soluções inovadoras que visam resolver problemas sociais e melhorar a qualidade de vida das pessoas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade. O MPEG em parceria com IDSM e INPA mapeou cerca de 100 iniciativas de TS na Amazónia e tem tido papel importante na liderança de projetos nessa área e na criação do Observatório de TS na Amazônia.

 

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