Geração Z e o mercado de trabalho: busca por propósito aumenta a rotatividade nas empresas
Com expectativas que vão além de um bom salário, a nova geração costuma permanecer poucos meses em um emprego

Com uma permanência média de apenas nove meses em cada empresa, segundo o relatório divulgado em 2024 pelo Clima & Engajamento, a Geração Z tem desafiado o mercado de trabalho com novas expectativas, prioridades e um ritmo próprio de evolução. Esse cenário tem causado um aumento significativo na rotatividade, especialmente em empresas que não conseguem se adaptar ao novo perfil profissional.
Composta por jovens nascidos entre 1995 e 2010, a Geração Z está reconfigurando as regras do jogo. Ao contrário das gerações anteriores, que priorizavam estabilidade e longas carreiras, os “zetas” buscam autonomia, propósito e ambientes de trabalho onde possam ser ouvidos e crescer de forma acelerada.
“Eles chegam ao mercado de trabalho com uma visão mais imediatista, valorizando empresas com culturas fortes e com propósito claro, flexibilidade de trabalho e oportunidades reais de desenvolvimento. Diferente de gerações anteriores, eles não se contentam apenas com estabilidade; querem sentir que estão crescendo, sendo ouvidos e fazendo parte de algo que gere impacto”, explica Anna Padinha, gerente de recursos humanos.
Além disso, segundo a profissional, essa geração tem uma relação diferente com a hierarquia e busca equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “São extremamente digitais, gostam de feedbacks constantes e esperam uma gestão mais horizontal e colaborativa”, acrescenta.
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Cultura, propósito e flexibilidade: as condições da nova geração
Para os jovens da Geração Z, trabalhar não é apenas uma forma de garantir renda, mas uma maneira de alinhar valores e construir identidade. Eles querem sentir que estão contribuindo com algo que faça sentido e, se isso não acontece, mudam rapidamente de emprego.
Quesia Lorena, de 21 anos, é exemplo disso. “Não quero ser só mais uma funcionária que vai mexer em um computador. O salário é importante, mas eu preciso sentir que estou contribuindo com algo maior. Quero estar em um lugar onde minha voz seja ouvida, onde eu possa crescer de verdade, ser enxergada e, claro, que possa alcançar minhas expectativas quanto ao valor que vou receber no fim do mês”.
Essa busca por significado reflete nas escolhas profissionais e na rejeição a ambientes engessados. O levantamento citado no início da reportagem serve de alerta para as organizações, principalmente as que ainda operam sob modelos mais rígidos de gestão.
“A rotatividade está relacionada à falta de conexão. Essa geração valoriza o feedback constante, o crescimento acelerado e uma liderança mais próxima. Empresas que não oferecem isso acabam ficando para trás”, comenta Thallys Ferreira, gerente de Gente e Gestão de uma empresa de recursos humanos com sede em Belém.
Junior Lopes, presidente executivo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH/PA), afirma que os “zetas” valorizam empresas que se preocupam com causas sociais, sustentabilidade e bem-estar das pessoas. “Eles valorizam isso, temas que, infelizmente, muitos negócios ainda negligenciam”.
Pequenas empresas também podem atrair talentos
Se as grandes corporações já vêm se adaptando, as pequenas e médias empresas — sobretudo fora dos grandes centros — ainda têm um longo caminho a percorrer. Porém, isso não significa que estejam em desvantagem definitiva.
“É possível oferecer programas de desenvolvimento, construir uma cultura de feedbacks, reconhecer o bom desempenho e proporcionar certa flexibilidade — como horários adaptáveis ou modelos híbridos de trabalho. Isso não exige um grande orçamento, exige intenção e consistência”, defende Anna Padinha.
Carlos Eduardo, de 22 anos, confirma essa percepção. Ele trabalha em uma empresa de tecnologia no interior do Pará e decidiu permanecer no emprego atual justamente pelo ambiente acolhedor. “Meu chefe não é aquela figura inalcançável. Temos conversas frequentes sobre o que pode melhorar, e sinto que minhas ideias são levadas em consideração”, relata.
Choque de gerações: como transformar conflito em aprendizado
Um dos maiores desafios para empresas que querem se adaptar à Geração Z é lidar com o choque de gerações. Para gestores mais antigos, acostumados a ambientes hierárquicos e rígidos, o novo perfil pode parecer descomprometido ou até rebelde.
“Esse choque é bastante comum, principalmente quando gestores mais experientes esperam comportamentos alinhados a padrões de gerações anteriores. Muitos ainda associam comprometimento à presença física, enquanto a Geração Z valoriza a entrega e autonomia”, afirma Junior Lopes.
A solução, segundo Thallys, está em investir em treinamentos de gestão intergeracional, incentivar a escuta ativa e criar espaços seguros para conversas abertas. “A chave está em construir uma cultura de confiança mútua e aprendizado contínuo, onde cada geração contribui com suas fortalezas. A convivência pode ser extremamente enriquecedora quando mediada com empatia e abertura. E, quando bem trabalhada, pode inclusive aumentar a inovação e a produtividade das equipes”, defende o gerente.
Isabela Nogueira, de 20 anos, sentiu na pele a dificuldade de adaptação. “Já tive um chefe que não aceitava que eu questionasse nada. Ele dizia que a voz dele era a única que realmente importava ali. Fiquei três meses na empresa e saí. Não era pra mim”.
Para além de salário e benefícios, a Geração Z quer espaço para participar ativamente, aprender e deixar sua marca. E esse desejo, se bem conduzido, pode ser uma poderosa ferramenta de inovação para as empresas que souberem ouvir.
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