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Indígenas se ressentem da falta de apoio para empreender

Segundo eles, faltam oportunidades para iniciar o trabalho, para escoar os produtos e para divulgá-los

Elck Oliveira

Ser empreendedor, no Brasil, não é tarefa simples. Ser indígena e decidir empreender pode ser ainda mais complicado. Faltam créditos e financiamentos para o início da produção, falta apoio para o escoamento dos produtos, faltam oportunidades de qualificação e falta um trabalho de divulgação sistemático dos artigos produzidos pelos nossos povos originários. É o que dizem os indígenas ouvidos pela reportagem. Eles empreendem em áreas diferentes - da literatura ao artesanato - e se ressentem da falta de apoio generalizada. 

A geógrafa, escritora, musicista e poeta Márcia Wayna Kambeba, de 43 anos, é da etnia Omágua/Kambeba, do Amazonas (AM). Há onze anos mora no Pará, onde cursa o doutorado em estudos linguísticos pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

image Para Márcia Kambeba, é importante abrir espaços para circulação dos produtos indígenas (Igor Mota/ O Liberal)

Márcia tem uma vasta produção cultural, que gira em torno das questões ambientais e indígenas, com foco no empoderamento da mulher indígena na Amazônia e em outras regiões do Brasil. Ao todo, já tem cinco livros publicados. O primeiro e mais conhecido se chama "Ay kakyri Tama (eu moro na cidade)". O quinto, a ser lançado ainda neste ano, chama-se "O povo Kambeba e a gota d'água". 

Ancestralidade indígena aparece no trabalho

Para ela, o seu trabalho, nas diferentes linguagens artísticas, é uma forma de se pensar a ancestralidade indígena como ponte entre os mundos da aldeia e da cidade, entendendo que a interculturalidade é possível.

“Produzo em vários tipos de linguagens, como música, literatura, fotografia, etc. E vivo do que produzo. Da vendas dos poemas para editoras, da publicação dos livros, da venda dos livros para Secretarias de Educação de alguns Estados no Brasil, das palestras que dou. Atualmente também estou como Ouvidora do Município de Belém, no entanto, meu trabalho não pode parar”, conta

Segundo Márcia, no caso dos livros, por exemplo, quando se trata de uma grande quantidade, a negociação é feita direto pela editora responsável. Já as pequenas quantidades podem ser tratadas com ela mesma. 

“Eu vou participar de uma Feira Literária na Bahia, nessa semana. Então, quando eu chegar lá, os meus livros já vão estar, porque a editora já mandou. E isso me ajuda sim. Porque eu faço a minha própria produção, a minha própria venda. Eu que emito a nota fiscal, é comigo que as pessoas fazem contato para contratação, seja de música, de poesia, de sarau, de palestra, é tudo comigo. Eu não tenho agência, sou eu mesma que me agencio”, lembra. 

Para ela, as dificuldades que enfrenta não são diferentes da maioria que os indígenas passam. “Vejo que há alguns escritores indígenas, por exemplo, que não encontram uma editora que queira trabalhar o material deles, assim, em formato de livro. Principalmente os escritores iniciantes indígenas. Outra grande dificuldade que eu tenho e vejo é com a nossa música, a música indígena, que dificilmente tem aceitação em festivais grandes, principalmente nas capitais. Acho que as secretarias de Cultura, de modo geral, precisam olhar mais para isso. O que a gente quer é multiculturalidade, inclusão, interdisciplinaridade e respeito aos nossos saberes”, argumenta. 

Segundo Márcia, há muitas mulheres indígenas produzindo artesanato de qualidade em Belém mesmo. Mas elas quase não têm apoio. “Penso que poderia se fazer oficinas que melhorassem, por exemplo, a produção de artesanato para as mulheres indígenas que vivem em Belém, ou nas aldeias próximas a Belém, como Paragominas e Capitão Poço. Há muitos trabalhos lindos com miçanga, ossos de boi, casca de coco. Precisamos de apoio para fortalecer esse empreendedorismo indígena. Por que não promover um circuito de cultura indígena? Um palco giratório da música indígena. Criar opções e oportunidades para que a cultura dos nossos povos indígenas possa ser visibilizada”, conclui. 

Artesão se ressente de falta de apoio

De acordo com Kambeba, hoje, são mais de cinco mil indígenas vivendo apenas em Belém. Um deles é Rodrigo Gomes Nascimento, de 44 anos, da etnia Wai Wai, originária do Oeste do Pará. Ele estuda Odontologia na UFPA e trabalha com produtos de artesanato oriundos da sua região, como sementes, palhas e madeiras. O material vem de lá para a capital, enviado pela família de Rodrigo, mas nem sempre isso é possível. 

“A minha história com o artesanato começou aqui, por necessidade de me manter na universidade. Eu precisava comprar o material de uso no curso e o que a gente recebe como bolsista só dá para pagar o aluguel. Como a minha família não tem dinheiro, eles resolveram mandar artesanato pra mim. Então, comecei a trabalhar vendendo. Mas, muitas vezes, percebo que a arte indígena não é valorizada e a gente não tem ajuda de ninguém. Às vezes, nos chamam para alguma feira na praça, mas é muito pouco”, lamenta ele, que vive com a esposa em Belém.

A aldeia de onde Rodrigo vem fica próxima de Oriximiná e trazer as matérias-primas de que ele precisa para trabalhar de lá é muito difícil. “Eu não trago pra cá algumas coisas que são pesadas, como azulejo que pode quebrar, banquinhos de madeira, as cestarias que são maiores. O que fazemos aqui é bem pequeno, não dá para trazer as coisas maiores porque eu não tenho apoio”, complementa. 

 

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