Edital de alimentação é corrigido e culinária do Pará é garantida em espaços oficiais da COP 30

Após repercussão negativa com exclusão de pratos regionais paraenses, errata explicou que o detalhamento da oferta de alimentos no evento será realizado após a seleção dos fornecedores.

Jéssica Nascimento

A entidade encarregada da organização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que ocorrerá em novembro em Belém, havia inicialmente proibido a venda de alguns pratos e ingredientes tradicionais da culinária paraense, como açaí, tucupi e maniçoba, nos restaurantes oficiais do evento. No entanto, após repercussão negativa, essa restrição foi retirada do edital.

Entre os itens vetados estavam o açaí e o tucupi em suas versões in natura, ou seja, sem preparo ou pasteurização, além da maniçoba. Esses alimentos típicos do Pará integravam uma lista de produtos considerados de alto risco sanitário, conforme edital de licitação elaborado pela Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI), responsável por intermediar a contratação de empresas para a montagem da conferência. Uma errata posterior suprimiu essa lista do documento oficial.

Além dos ingredientes regionais, o edital também restringia a venda de sucos de frutas in natura (permitindo apenas os feitos com polpas industrializadas), ostras cruas, carnes mal passadas, maionese, leite cru e doces caseiros com creme ou ovos que não estivessem refrigerados. Produtos como bombons de cupuaçu, por exemplo, só poderiam ser comercializados caso mantidos sob refrigeração.

Em versões anteriores do edital, a restrição ao açaí e ao tucupi se estendia a todas as formas de preparo. Porém, na atualização divulgada no sábado (16/08), a proibição passou a se aplicar apenas às versões in natura.

No caso específico do açaí, isso significava que os participantes da COP 30 não poderiam consumir o tradicional prato com peixe frito e farinha dentro do espaço oficial do evento — apenas em restaurantes fora do local da conferência.

A OEI justificou a proibição do açaí in natura com base no risco de contaminação pelo Trypanosoma cruzi, agente causador da doença de Chagas, caso o produto não passasse por pasteurização. Quanto à maniçoba e ao tucupi in natura, a entidade alertava para o perigo de toxinas naturais presentes nesses ingredientes, caso não fossem devidamente preparados e tratados.

Nota da Presidência garante presença da culinária paraense na COP 30

Após forte reação popular à exclusão de alimentos típicos da culinária amazônica do cardápio oficial da 30ª Conferência Mundial sobre a Mudança do Clima (COP 30), marcada para novembro em Belém, a Presidência da República divulgou neste domingo (16/08) uma nota oficial informando a incorporação da gastronomia paraense no evento. A medida reverte a decisão inicial da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI), que alegava risco sanitário para vetar pratos como açaí, tucupi e maniçoba. Portanto, o governo brasileiro reafirmou a errata publicada neste sábado (16/08) referente ao Edital de Licitação nº 12060/2025 que trata da contratação de empresas para operação de restaurantes do evento climático.

Nota oficial: reconhecimento e valorização

Na nota divulgada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, o governo assegura que "a culinária paraense será incorporada" ao evento e que "o detalhamento da oferta de alimentos no evento será realizado após a seleção dos fornecedores".

O texto também destaca que o edital "busca valorizar empreendimentos coletivos, como cooperativas e associações locais, além de grupos historicamente vinculados à produção de alimentos sustentáveis e à sociobiodiversidade, como povos indígenas, comunidades quilombolas e mulheres rurais".

Outro ponto importante da errata é a exigência de que "ao menos 30% do valor total dos insumos adquiridos sejam provenientes da agricultura familiar", com estímulo à superação desse percentual.

Responsabilidade e critérios técnicos

A nota esclarece ainda que a definição do cardápio da COP 30 é de responsabilidade da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), e deve seguir critérios da Vigilância Sanitária nacional e subnacional.

Ainda assim, segundo a Presidência, “qualquer recomendação neste sentido é exclusiva para espaços da conferência, não abrangendo outros locais do município de Belém ou do estado do Pará”.

Audiência pública e construção participativa

Como parte do processo de revisão e inclusão, está marcada para terça-feira (19/08) uma audiência pública com candidatos à operação dos quiosques e restaurantes da COP.

De acordo com a nota, a audiência "reafirma este empenho da SECOP e da OEI com uma construção inclusiva e com a visibilidade e o protagonismo da cultura do estado e da Amazônia".

Após polêmica, Ministro do Turismo confirma presença de pratos típicos paraenses

Em resposta à polêmica, o Ministro do Turismo, Celso Sabino, afirmou nas redes sociais, neste sábado (16), que os pratos típicos da culinária paraense estarão presentes no evento.

"Vai ter tacacá, vai ter açaí e vai ter maniçoba, sim, na COP da Floresta. A movimentação nas redes sociais de reação ao edital publicado pela OEI para a seleção da gastronomia que vai atender os espaços da COP dentro da Green Zone, da Blue Zone, dos espaços oficiais da COP 30”, iniciou, em um vídeo publicado em seu perfil no Instagram.

Sabino reconheceu que a organização, em suas palavras, ‘cometeu um grave erro impedindo a entrada dos principais produtos da gastronomia paraense’. “A nossa gastronomia é conhecida mundialmente pela sua qualidade e pelo seu sabor inigualável. A cidade de Belém é reconhecida inclusive pela Unesco como cidade criativa da gastronomia”, afirmou.

O Ministro informou ainda que entrou em contato com o secretário especial da COP, Valter Correia da Silva, e com a Casa Civil para tratar do assunto. Segundo ele, a situação deve ser corrigida nos próximos dias. “Já conseguimos a palavra de ambos de que essa correção será feita e, nesta próxima semana, este edital será republicado, permitindo sim que a nossa COP, além de ser a COP da Floresta, vai ser também a COP da melhor gastronomia do planeta”, disse.

Engenheiro florestal contesta proibição e defende consumo seguro

O engenheiro florestal Ben Hur Borges, que trabalha com pesquisas e práticas ligadas ao açaí há mais de 40 anos, se posiciona contra a medida. Para ele, a exclusão do fruto representa um desconhecimento sobre os avanços sanitários já consolidados no setor.

Segundo Borges, o discurso da organização ignora anos da evolução sanitária no país e desconsidera protocolos de segurança já estabelecidos por órgãos oficiais. Ele destacou que o Ministério da Saúde recomenda a pasteurização na indústria e o branqueamento - imersão rápida do fruto em água quente - para as batedeiras artesanais, além de boas práticas de manipulação.

“A abordagem deles não fala de uma comida tradicional, mas previne as pessoas contra esse alimento. Isso é um absurdo! Transformam o açaí em um fantasma, em um monstro, quando na verdade existem protocolos muito claros para o consumo seguro”, afirmou em entrevista ao Grupo Liberal.

O engenheiro acrescentou que pesquisas desenvolvidas pela Embrapa reforçam a eficácia do branqueamento como medida preventiva. “O choque térmico reduz de forma significativa a presença de patógenos e integra sistemas de Boas Práticas de Fabricação (BPF) e de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC). A vigilância sanitária, a Anvisa e órgãos estaduais e municipais realizam inspeções permanentes justamente para coibir práticas inseguras”, explicou.

Borges também chamou atenção para a contradição de retirar o fruto amazônico dos cardápios da COP 30, ao mesmo tempo em que o evento pretende ser uma vitrine da bioeconomia.

“É contraditório: enquanto se promete valorizar alimentos regionais, retira-se o alimento-símbolo da Amazônia, que é base de renda para milhares de famílias ribeirinhas e motor de conservação florestal”, declarou.

Ele ressaltou que a preocupação com segurança alimentar não deveria resultar em proibição, mas em exigência de certificação e fiscalização. “Se a preocupação é sanitária, a resposta não é banir, é certificar, fiscalizar e comunicar. O edital poderia exigir apenas fornecedores conformes, com comprovação de branqueamento ou pasteurização, além de auditorias e testes por amostragem. O Brasil já faz isso em inúmeros setores alimentares”, afirmou.

Defesa e alternativas

O engenheiro apresentou sugestões para reverter a decisão, entre elas a inclusão de apenas fornecedores com comprovação documental de boas práticas e inspeções independentes durante o evento. Ele defendeu também uma comunicação educativa com o público internacional, explicando como o açaí seguro é produzido atualmente e destacando seu papel na bioeconomia amazônica.

Borges disse esperar que os organizadores revejam o documento. “É preciso transformar esse edital. Fazer chegar a eles uma nota de repúdio para que se retratem de alguma maneira. O mundo inteiro reconhece o açaí como alimento saudável, e agora vêm dizer que ele pode matar. Isso não faz sentido”, afirmou.

A lista de produtos proibidos nos restaurantes oficiais da COP 30 inclui maionese, ostras cruas e carnes mal passadas, sucos de fruta in natura, molhos caseiros, bebidas abertas sem nota fiscal, leite cru e derivados não pasteurizados, doces caseiros com cremes ou ovos sem refrigeração, gelo artesanal ou não industrializado, alimentos preparados com antecedência fora de refrigeração e produtos artesanais sem rotulagem ou registro sanitário.

Ao todo, 87 estabelecimentos vão fornecer refeições para a COP 30, sendo 50 na Blue Zone e 37 na Green Zone. A venda de pratos, lanches e bebidas ocorrerá de 3 a 28 de novembro. As empresas selecionadas deverão oferecer opções veganas, vegetarianas, sem glúten e sem lactose, além de atender a restrições religiosas, como alimentos halal e kosher. Também precisarão priorizar refeições à base de plantas, com vegetais, legumes, frutas e grãos, e incentivar a redução gradual do consumo de produtos de origem animal, com atenção especial à carne vermelha.

‘É um crime contra o nosso povo’: chef paraense reage à exclusão de pratos tradicionais

Neste sábado (16/08), o chef paraense Saulo Jennings, Embaixador Gastronômico da ONU Turismo, se manifestou nas redes sociais contra o edital publicado pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), responsável pelas diretrizes do evento.

“Não é um edital de pirarucu, é de pirar a cabeça”

No vídeo publicado em seu perfil, Jennings não poupou críticas à medida: “Esse edital que saiu da COP sobre a nossa gastronomia, mesmo que tenha sido revertido agora há pouco com apoio de todos vocês pela internet, de muita mobilização dos nossos governantes, não é um de pirarucu. É um edital de pirar a cabeça, de tirar qualquer um do sério. Sem noção. Irresponsabilidade.”

Para o chef, o impacto vai além da gastronomia, atingindo o orgulho e a identidade de um povo que resiste há séculos com base em sua cultura alimentar. “É um crime contra o nosso povo, contra a nossa gastronomia, contra a comida que alimentou nossa ancestralidade toda. A gente só sobrevive por causa desse alimento e que vai alimentar ainda tantas outras gerações”, disse.

“Comida que cura a alma”

O chef também relembrou a participação na COP 28, em Dubai, para rebater o argumento sanitário usado no edital da OEI. “Eu quero dizer que pude ir pra Dubai, cozinhar, fazer a abertura da COP 28 e sabe qual foi a entrada principal? Tacacá com jambu e tucupi”, declarou.

Indignado com a insinuação de que os alimentos da região seriam inseguros, ele defendeu a eficácia dos sistemas de fiscalização do Brasil: “Então quer dizer que dentro de casa eu não posso usar os nossos alimentos? Faz mal? O nosso povo tem uma imunidade diferente do resto das pessoas do mundo inteiro? Então quer dizer que o nosso governo não tem órgãos fiscalizadores? Tem e funciona. Tem a vigilância sanitária.”

“Vem pro Pará que aqui tem comida de verdade”

A mensagem de Saulo Jennings, no entanto, termina em tom de resistência e acolhimento, ressaltando o poder transformador da culinária paraense: “Vamos ficar mais fortes. Porém, uma coisa eu garanto: quem vier aqui pra comer vai sair apaixonado, porque não é uma comida somente gostosa. A comida não tem problema nenhum. Ela não vai dar problema pra ninguém. Ao contrário: é uma comida que cura e cura a alma dessas pessoas que podem estar doentes com esse mundo moderno achando que tudo faz mal.”

E concluiu com um convite aos visitantes da COP 30: “Querem trocar nosso suco de fruta por caixinha, por ultraprocessado. Você está doente. Venha comer comida do Pará pra ficar com a alma curada. A gente vai fazer o mundo tremer com muito jambu. Vem pro Pará que aqui sim tem comida de verdade. Comida boa e comida que cura.”

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