Pajé Zeneida Lima fala sobre respeito aos povos tradicionais como guardiões da floresta
"Sem a natureza não somos nada", destaca Zeneida Lima
No ano em que Belém se tornou a capital do Brasil, o debate sobre a preservação do meio ambiente e a
busca por soluções climáticas para um futuro promissor superou fronteiras. Para Zeneida Lima, uma das últimas pajés nativas da região do Marajó, a profunda conexão com a natureza e o papel dos saberes tradicionais auxiliam na preservação da Amazônia. Na entrevista a seguir, a fundadora da Instituição Caruanas do Marajó Cultura e Ecologia aborda a promoção da educação, a cultura marajoara e a preservação ambiental, em especial no contexto dos debates da COP 30 na Amazônia.
Dona Zeneida, a senhora é uma das últimas pajés nativas do Marajó e detentora de um vasto conhecimento sobre a pajelança cabocla. Como a sua fé e os ensinamentos dos Caruanas moldam a sua visão de mundo?
A minha fé está entrelaçada com a crença nos Caruanas, que são as energias viventes sob águas, e com a prática da pajelança cabocla que aprendi ainda na infância e desenvolvi ao longo dos anos.
Aprendi com a pajelança a amar e respeitar ainda mais a natureza, aprendi que não somos donos dessa natureza, mas sim parte dependente dela. Cada ato de agressão contra o meio ambiente tem repercussão nas águas, no vento, nas matas, na vida de todos os seres, no todo.
De que forma a senhora enxerga a Floresta Amazônica?
A Floresta Amazônica é como uma mãe, uma grande fonte de vida, que abriga gerações de povos originários, milhões de árvores centenárias, animais e rios. Ela não é só recursos que geram riqueza e exploração, é também
memória e identidade dos povos, é onde atuam as energias da natureza. A Floresta Amazônica e todas as florestas do mundo são fundamentais para a vida, para todos os seres humanos e todos os seres vivos. Preservar a floresta é preservar a vida de todo o planeta. Sem a natureza, não somos nada.
Qual é o verdadeiro significado de ‘Floresta em Pé’ sob a ótica dos saberes marajoaras?
“Floresta em Pé” significa que a mata permanece íntegra, contínua, com raízes, troncos, nascentes e vida, e não derrubada ou silenciada. É manter o equilíbrio, dar espaço às águas, aos ciclos das árvores, à vida e às energias da natureza. Na visão da pajelança, quando a floresta cai, o saber dos antigos e nossa própria exis-
tência também se perdem.
Qual o papel dos rios, igarapés e dos Caruanas na manutenção do equilíbrio ecológico da região, e como o
desrespeito a esses elementos impacta a vida do povo marajoara?
Os rios e igarapés são como veias da floresta e do Marajó: são por eles que recebemos alimentos. Eles abrigam muitas espécies, ligam comunidades e é onde estão as energias Caruanas. Quando há agressão aos rios e igarapés, com poluição, assoreamento, corte das matas ribeirinhas, o equilíbrio natural se rompe e a vida das
águas começa a morrer, a pesca diminui, a fauna se dispersa e, no caso do Marajó, o povo perde tanto seu sustento quanto sua ligação espiritual com a natureza.
5Qual, em sua experiência, é a maior ameaça atual à Floresta Amazônica e à cultura do Marajó?
A maior ameaça é o desmatamento desenfreado, as mudanças de uso do solo, a mineração e a destruição sem controle, sem vigilância nem regras, que ignoram a importância da natureza para todos os seres humanos e para todo o planeta. Essa destruição também afeta a cultura local e afasta o povo de suas raízes. Sem floresta,
sem água limpa, a cultura e a identidade marajoara também estão sob o risco de se perder.
Como a educação e a valorização da cultura local se tornam ferramentas de resistência e preservação prática,
ensinando as novas gerações a proteger o ambiente?
A educação que inclui os ensinamentos da pajelança, da floresta e dos rios fortalece a identidade dos jovens, dando a eles conhecimento e caminhos para agir. No Instituto Caruanas, buscamos sempre ajudar e orientar as crianças, porque elas são o futuro. Ensinamos as crianças a terem amor e respeito à natureza e aos seus
semelhantes, para que sejam bem encaminhadas e sejam guardiões que amam e defendem o seu território.
Com a COP 30 realizada em Belém, qual a mensagem a senhora considera essencial passar aos líderes mundiais
e negociadores sobre o papel dos povos tradicionais na solução da crise climática?
Torço para que os grandes líderes mundiais respeitem os povos tradicionais como guardiões da floresta. Reconheçam esse saber e essa conexão com a terra, que deem voz ativa e recursos àqueles que vi-
vem na floresta, não para que explorem, mas para que seja curada e preservada. A floresta se protege de dentro, com quem a habita, e não será salva apenas por discursos de fora. Espero que se conscientizem de que a Natureza é a nossa grande mãe, e não podemos destruí-la. Espero que se atentem para isso e levem essa
mensagem para suas nações.
Aos jovens do Marajó e da Amazônia, que estão crescendo em um mundo de transformações e ameaças, qual o ensinamento mais urgente que a senhora deseja transmitir sobre amar e proteger o seu território, garantindo que a floresta permaneça em pé?
O meio ambiente, a mãe natureza, é o bem mais precioso que nós temos, além da nossa vida, e um depende do outro. Gostaria que os jovens amassem a natureza como amam a própria vida e que entendam e reconheçam
a importância do meio ambiente. Devemos aprender a conviver com o meio ambiente sem destruí-lo, fazendo com que ele se perpetue para as próximas gerações. Espero que os jovens não deixem que o saber dos povos originários desapareça. Pois se perderem a floresta, perderão o futuro.
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