‘Moda da floresta’: acessórios indígenas e biojoias prometem ser tendência na COP30, em Belém
Evento pode impulsionar o mercado de moda sustentável na Amazônia e valorizar a economia criativa de povos indígenas e empreendedores locais
A realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) em Belém, em 2025, tem potencial para transformar a capital paraense em uma vitrine da cultura e da economia criativa amazônica. Além de colocar o meio ambiente no centro das discussões globais, o evento pode projetar novas tendências de moda que nascem da floresta, como os acessórios indígenas e as biojoias produzidas com sementes, fibras naturais, penas, miçangas e outros elementos orgânicos. Com forte conexão com sustentabilidade, ancestralidade e identidade cultural, essas peças têm tudo para conquistar o público local e os milhares de turistas esperados na capital do Estado.
Mais do que adornos, os acessórios indígenas são carregados de significados. Eles traduzem a relação ancestral dos povos originários com a natureza e o território. “Cada semente tem um nome, uma história. O caroço de tucumã, por exemplo, vem de uma palmeira que a gente come. A gente aproveita o que a floresta oferece”, explica a artesã Lila Flores, do povo Ticino, que vive atualmente em Belém, mas mantém a produção em família com sua mãe na aldeia, no estado do Amazonas.
Ela trabalha com colares, anéis e pulseiras feitos de sementes de morototó, açaí, lágrimas de nossa senhora, além de miçangas e pinturas corporais. A inspiração vem diretamente da floresta: formas de animais como jabuti, cobra e peixe, além de elementos como água, flores e penas. “A gente faz o que acha mais bonito, o que representa nosso povo e nossa terra”, diz.
Sustentabilidade e economia criativa
Os acessórios produzidos por povos indígenas e comunidades tradicionais não são apenas peças únicas de design artesanal, mas também símbolos da economia circular. Feitos à mão, com matéria-prima natural e de origem sustentável, esses produtos geram renda para famílias inteiras e movimentam cadeias locais de produção.
“Estamos nos preparando para a COP30. Já começamos a guardar peças porque acreditamos que vai ter muita procura”, afirma Lila. A expectativa de vendas também é compartilhada por jovens empreendedores indígenas, como o estudante de Administração Welson Wai Wai, de 26 anos, da etnia Wai Wai, do oeste do Pará. “A gente está tentando crescer com o artesanato. Queremos expor mais, mostrar nosso trabalho e aumentar a renda”, relata.
Design com identidade amazônica
As biojoias têm ganhado força também fora dos territórios indígenas, caindo no gosto de designers, estilistas e consumidores atentos às questões ambientais e culturais. Segundo especialistas, o Brasil tem um enorme potencial para se consolidar como referência em moda sustentável a partir da floresta.
Esse movimento acompanha uma tendência internacional, já vista em eventos como a Indigenous Fashion Week, que ocorre em Toronto, no Canadá, desde 2018. A mostra reúne criadores indígenas de diversos países, promovendo desfiles, oficinas e exposições que valorizam o design de origem ancestral e sua integração com a moda contemporânea. O Brasil ainda é pouco representado, mas a COP30 pode ser o momento ideal para ampliar essa visibilidade.
Para a professora e pesquisadora em cultura e moda amazônica, Felicia Assmar Maia, esses acessórios confeccionados com sementes, fibras e outros materiais naturais vão além da estética: “Quando recebem a intervenção do design, essas peças contam histórias de respeito à natureza e aos saberes ancestrais dos povos originários. Elas reafirmam nossa identidade cultural e servem de incentivo para as novas gerações”, afirma.
Segundo ela, eventos internacionais como a COP30 são oportunidades valiosas para dar visibilidade à produção artesanal da região, que ainda enfrenta desafios como a falta de capacitação técnica e de acesso ao mercado global.
"Apesar do crescimento da demanda por produtos com identidade local e com apelo de sustentabilidade, um dos grandes desafios tem sido, ainda, a falta de visibilidade desses produtos — tanto localmente quanto internacionalmente. Outra necessidade é uma maior capacitação técnica para os artesãos locais, porque, muitas vezes, eles têm os saberes, conhecem a forma de fazer — que é passada de geração em geração —, mas não têm uma capacitação técnica e, muitas vezes, não têm informação de moda, aquilo que o mercado quer", pontua.
Felicia destaca ainda que, entre as oportunidades de inserção do design de biojoias amazônicas no mercado de moda sustentável, está a criação de negócios que geram renda e atraem consumidores globais. Ela ressalta o fortalecimento do empreendedorismo, especialmente o feminino, além do reconhecimento e do respeito pelas identidades amazônicas. Para a pesquisadora, esses são os grandes benefícios: divulgar o que é da região, conquistar respeito e credibilidade para o que é produzido na Amazônia.
A moda como linguagem política e cultural
Durante a COP30, a presença de acessórios indígenas pode funcionar também como uma linguagem de pertencimento, resistência e afirmação cultural. Para os povos originários, usar e vender essas peças é uma forma de manter vivas suas tradições, fortalecer a autonomia econômica e dialogar com o mundo a partir da própria identidade.
“A pena de arara, por exemplo, é muito presente para o nosso povo. Ela identifica quem somos. Cada elemento que usamos tem um significado”, explica o jovem artesão Welson Wai Wai. Ele também trabalha com sementes, miçangas e pinturas corporais, e sonha em ver suas criações ganhando espaço em vitrines e passarelas — ou mesmo em ruas tomadas por visitantes durante o evento climático global.
Felicia Maia reforça que o design de moda amazônico pode ser um motor para a economia criativa da região, desde que respeite os saberes tradicionais e promova ideias sustentáveis. “A Amazônia se tornou uma marca que agrega valor simbólico e econômico. Podemos, sim, fazer moda com identidade local e, ao mesmo tempo, dialogar com as tendências globais. Isso é a glocalização”, explica. Ela destaca ainda que a valorização das biojoias pode ajudar a romper com uma visão colonialista de que o que vem de fora é melhor: “Estamos começando a ver os brasileiros usarem o que é nosso, com orgulho das nossas matérias-primas e heranças culturais”, destaca.
A cadeia de valor das biojoias
Da coleta ao produto final, o ciclo de produção das biojoias envolve diversas etapas: extração das sementes e fibras da floresta (de forma sustentável), beneficiamento, criação das peças e venda em feiras, lojas físicas ou plataformas digitais. Grande parte desse processo é realizado manualmente por famílias ou pequenos grupos comunitários, gerando renda local e fortalecendo práticas econômicas de baixo impacto ambiental.
Ainda não há dados consolidados sobre o quanto esse setor movimenta em Belém e no Pará, mas iniciativas de apoio, como feiras culturais, editais públicos e programas de capacitação do Sebrae, vêm contribuindo para sua valorização.
Segundo a gestora de Economia Criativa do Sebrae Pará, Alessandra Lobo da Silva Oeiras, as ações da instituição têm como foco o respeito à cultura indígena e o fortalecimento da geração de renda. Entre as iniciativas estão oficinas de aprimoramento de produto, estratégias de venda e formação de preços. A participação de artesãos indígenas em eventos como a Feira de Artesanato do Círio (FAC) e o Meca (Multilinguagens da Economia Criativa) tem ampliado a visibilidade do segmento e proporcionado experiências positivas de comercialização e aprendizado.
Com a aproximação da COP30, o Sebrae prepara ações específicas para apoiar empreendedores da floresta, como capacitações práticas, orientações sobre apresentação de produtos e uso de ferramentas simples de divulgação, inclusive digitais. A proposta é garantir que os benefícios dessas ações se estendam para além do evento, promovendo uma preparação contínua e adaptada à realidade de cada território.
O acompanhamento técnico oferecido pelo Sebrae não se limita a eventos pontuais. Alessandra destaca que o trabalho com comunidades como a aldeia Anambé, com início previsto para junho de 2025, será baseado em diagnóstico, planejamento conjunto e execução de ações, fortalecendo uma rede sustentável de negócios criativos com identidade amazônica. “No caso da aldeia Anambé, iniciamos uma conversa em 2024 e, neste mês, daremos início a um atendimento mais próximo, com diagnóstico, planejamento conjunto e desenvolvimento de ações. A proposta é valorizar os saberes tradicionais e preparar os artesãos para novas oportunidades de mercado”, destaca.
O que buscam os turistas?
Produtos que carregam histórias, autenticidade e responsabilidade ambiental estão entre os mais procurados por turistas estrangeiros e de outros estados brasileiros. Em tempos de busca por consumo consciente, as biojoias e acessórios indígenas se destacam por unir estética e propósito.
A COP30, portanto, não será apenas um marco diplomático e ambiental, mas também um momento-chave para colocar a moda da floresta no radar internacional, com suas cores, grafismos e saberes ancestrais prontos para desfilarem pelas ruas da capital paraense e pelo mundo. “Será uma grande vitrine para os produtos da floresta e para os empreendedores amazônicos”, reforça Alessandra Lobo.
A cobertura da COP 30 envolve todos os veículos do Grupo Liberal, com dezenas de profissionais comprometidos em divulgar as notícias do evento. O projeto tem patrocínio da Hydro, Agropalma, Grupo Status, OCB, Faepa, Atacadão, Sebrae no Pará, Equatorial Energia, Natura, Recicle, Guamá Tratamentos, Fecomércio e Banco da Amazônia, além do apoio da Vale.
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