A épica resiliência da água
As mudanças climáticas e o ciclo hidrológico na Terra

A água sempre volta? Antes do questionamento, precisamos perceber que existe uma certa poesia em seu movimento. Da existência à jornada em nosso planeta, a água enfrenta uma saga digna de epopeia homérica. A Odisseia da heroína que se aventura entre o céu e a terra para chegar onde precisa estar. Em meio a caminhos oníricos, se transmuta em estado sólido, líquido e gasoso ao enfrentar calorosos desafios. Embora teorias científicas e fabulações ancestrais tentem explicar sua origem, pouco nos ensinam sobre a importância de observá-la e honrá-la como elemento divino que sustenta toda a diversidade biológica conhecida. Mesmo sentimental e solitária, a água nunca desiste de nos encontrar.
Não obstante a essa narrativa fantástica, nos deparamos com a contundente realidade das indagações climáticas contemporâneas. A cada dia, fica mais preocupante o descompasso entre atividades humanas e proteção ambiental. Esse desequilíbrio tem implicações drásticas no aumento gradual da temperatura média da Terra, determinado sobretudo pela emissão excessiva de gases de efeito estufa (GEE), como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4). Na atmosfera, esses gases, juntamente com o vapor d’água, aprisionam parte do calor solar irradiado pela superfície terrestre na forma de radiação infravermelha, impedindo que ele se dissipe livremente para o espaço.
O aquecimento global impacta diretamente o ciclo natural da água, que se movimenta continuamente pela atmosfera, superfície terrestre e subterrâneo. Impulsionado, especialmente, pela energia solar, que aquece os recursos hídricos e causa sua evaporação. As plantas também contribuem por meio da evapotranspiração. O vapor resultante se condensa em nuvens que podem precipitar como chuva, neve ou granizo. Ao retornar, a água alimenta novamente rios, oceanos, lagos e o lençol freático ao se infiltrar no solo. Assim, segue múltiplas direções e finalidades até que, em algum momento, reinicie toda essa dinâmica.
Entretanto, as mudanças climáticas antropogênicas, causadas pela atuação direta do ser humano, intensificam o índice de evaporação e alteram a frequência e a intensidade do padrão das chuvas em algumas regiões, causando escassez ou excesso no volume das águas. Secas prolongadas e enchentes, principalmente em áreas vulneráveis, comprometem a biodiversidade e disponibilidade de infraestrutura básica, como água potável, produtos agrícolas e o abastecimento de energia elétrica, por exemplo. Além de presenciarmos outros eventos severos, dentre eles o derretimento das geleiras e calotas polares, o aumento do nível do mar e a savanização progressiva da Amazônia, decorrente da redução das chuvas e desmatamento.
A escala alarmante da degradação ambiental é um fato presente, consumado, longe de ser literatura fantasiosa. Sentimos as consequências e cada dia mais intensamente. Não é sobre descobrir o que fazer, nem apenas encontrar uma tecnologia superior capaz de nos inocentar dos erros, é puramente agir conforme sabemos que devemos. Nos falta ética para com o planeta, muito mais do que somente educação. O palanque eleitoral está repleto de falácias e poucas boas intenções. Mas antes de exigir qualquer medida política efetiva, cada cidadão precisa mudar sua conduta moral e cívica com o meio ambiente: consumir menos produtos poluentes, em especial o plástico, que contamina e devasta a vida marinha; reduzir o consumismo exacerbado, que aumenta o acúmulo de resíduos produzidos; evitar queimar qualquer coisa, se for combustíveis fósseis só piora a situação; e por aí continuar com outras mudanças de postura e mentalidade. É uma readequação complexa e imediata.
A humanidade não conseguiu perceber a força magnífica da natureza em nos oportunizar a mudança de hábitos diante dela, pouco damos atenção. Enquanto isso, a heroica água, obstinada, nos ensina uma lição de resiliência. Em meio a tempestades e furacões, por vezes fraca, nunca nos deixa. Embora, muitas vezes, demore a chegar, ela sempre procura um novo caminho. Passeia de canto a canto e nos atravessa numa viagem incansável para prover a vida. Quanto a agradecemos por tudo? Ainda que façamos, nunca será o suficiente. No fenômeno físico da evaporação, a água deixa para trás as impurezas contaminantes para seguir com tão somente o necessário, sua essência. Nem mesmo leva consigo a memória daqueles que não a valorizam. Realmente, a água nos inspira a seguir o nosso compromisso com dedicação.
Aurélio Oliveira
Publicitário, estudioso e apaixonado por tudo o que envolve o tema ‘água’. É criador do perfil Um Gole de Estilo (@umgoledeestilo).
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