Justiça climática, financiamento e geopolítica: especialistas analisam Cúpula em Belém
O evento será nos dias 6 e 7 de novembro; estudiosos avaliam possíveis impactos da ausência dos EUA
Belém se prepara para sediar, nos dias 6 e 7 de novembro, a Cúpula de Líderes sobre o Clima, encontro internacional que antecede a COP 30 e colocará a Amazônia no centro das atenções mundiais. O evento, organizado pelo Ministério das Relações Exteriores, reunirá 143 delegações internacionais, sendo 57 chefiadas por líderes de Estado ou de governo, além de 39 ministros e representantes de diversas organizações internacionais. A abertura será presidida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a presença da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Especialistas em Relações Internacionais de Belém, Mario Tito e Sabrina Sena, destacam que a realização da cúpula na Amazônia aproxima os debates da realidade local, reforça a pressão por compromissos concretos e oferece oportunidades para fortalecer a diplomacia climática global.
O professor Mário Tito, doutor em Relações Internacionais, avalia que a Cúpula do Clima em Belém deve priorizar justiça climática, protagonismo do Sul Global e financiamento climático. “Os países que mais poluem devem se comprometer mais. E o Sul Global precisa não só de voz, mas de poder de veto e dizer não a propostas”, afirmou Tito. Ele ressalta que, mesmo sem a presença de alguns países poluidores, como os Estados Unidos, há espaço para que China, Índia e os BRICS liderem novas alianças climáticas e fortaleçam compromissos regionais.
Em relação às expectativas de compromissos que os países devem firmar, Tito aponta que a COP 30 deve atualizar os acordos anteriores, principalmente os relacionados ao financiamento climático. Ele lembra o déficit do Azerbaijão em compromissos financeiros passados e alerta que existem países negacionistas e com grandes emissões, como os Estados Unidos, o que pode dificultar a implementação de metas, mas também gera oportunidades para lideranças alternativas se fortalecerem.
O especialista destaca que sem recursos adequados não há como implementar políticas de conservação. “Não se faz comprometimento climático sem ter financiamento climático. Eu acredito que esse é o grande desafio desta COP: os países se comprometerem a financiar, e aqui o financiamento não é empréstimo, é doação, de modo que os países do Sul Global se sintam estimulados a fazer políticas de conservação ambiental, mas que tenham dinheiro para tal”, explicou.
Tito também lembra que a realização do encontro na Amazônia permite um contato direto com os problemas ambientais e aproxima os debates das realidades locais. Ele destaca a importância de pensar a região de forma integrada à Pan-Amazônia, envolvendo Colômbia, Peru, Guiana e Venezuela, o que pode impulsionar acordos de proteção regional com impacto global. “A COP pode trazer exatamente isso: um acordo pan-amazônico para a proteção da Amazônia e, ao mesmo tempo, do clima no mundo”, analisa.
Sobre os principais impasses entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, Tito explica que o problema central é o comprometimento, especialmente no princípio do “poluidor pagador”. Países do Norte Global tendem a querer manter os modelos de desenvolvimento, enquanto países do Sul enfrentam barreiras para se desenvolverem sob exigências climáticas. Apesar disso, ele acredita na possibilidade de acordos “ganha-ganha” que beneficiem nações em desenvolvimento.
A ausência potencial dos Estados Unidos também é destacada pelo especialista. Ele afirma que seria sentida tanto pelo impacto ambiental quanto pela questão financeira, uma vez que os EUA são grandes emissores e contribuidores de recursos para políticas climáticas. Por outro lado, essa ausência pode permitir maior participação de outros países, especialmente da Europa e da Ásia, reforçando coalizões alternativas.
Além das questões financeiras e de comprometimento, Tito alerta para os riscos geopolíticos, incluindo guerras e tensões internacionais. “Tenho receio de que essa tensão escale para uma guerra maior, especialmente com o uso de tecnologias nucleares. Uma guerra é uma das maiores ameaças ao equilíbrio climático — basta imaginar os efeitos ambientais da detonação de uma bomba. Portanto, além de um problema geopolítico, a guerra é também um problema ambiental”, disse. Segundo ele, o tema evidencia que políticas de segurança e paz mundial são indissociáveis da agenda climática.
A pesquisadora Sabrina Sena, mestranda em Segurança Internacional, complementa que o contexto geopolítico atual influencia diretamente a dinâmica da Cúpula. “A ausência dos Estados Unidos teria impacto político relevante, mas não paralisaria o processo”, afirmou. Para ela, a diplomacia climática tornou-se multipolar, com União Europeia, Japão e China assumindo protagonismo em financiamento, metas de descarbonização e implementação de tecnologias verdes.
Sena acrescenta que conflitos armados, tensões comerciais e crises energéticas criam pressões contraditórias: ao mesmo tempo que aumentam a dependência de combustíveis fósseis, aceleram a busca por autonomia energética, inovação tecnológica e diversificação das matrizes energéticas. A pesquisadora destaca que, hoje, a geopolítica é também geopolítica do clima, e que a sustentabilidade deixou de ser apenas uma questão ambiental para se tornar estratégica, de segurança nacional e econômica.
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