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Comprometimento do olfato e paladar por covid-19 pode se estender por meses

Os sintomas se manifestam de diferentes formas; especialistas dizem que ainda é cedo para explicar todos os mecanismos para a ausência desses sentidos

João Thiago Dias
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O comprometimento parcial ou total do olfato e do paladar, que é recorrente em muitos casos de covid-19, se manifesta de diferentes maneiras. Há pacientes que voltam a sentir o cheiro e o gosto assim que se recuperam da doença, e outros que continuam relatando dificuldades até meses depois. Também tem casos em que o sabor fica distorcido para alguns alimentos ou bebidas. E situações em que esses sentidos ficam sensivelmente mais apurados.

Apesar de relatos sobre essas situações já existirem na literatura médica, ainda é cedo para traçar um panorama detalhado que responda todos os porquês da persistência dos sintomas. Quem explica é a neurologista Maria de Jesus Prazeres, de Belém. A perda de olfato, por exemplo, que é tecnicamente chamada de anosmia, acomete cerca de 50% a 60% dos pacientes.

"Independentemente de ter obstrução nasal, o vírus inflama os nervos que permitem sentir o cheiro. Como é uma inflamação dos nervos, é uma neuropatia. A maioria dura duas ou três semanas, mas há relatos de duração de meses", comentou a especialista. "E pode ser que tenha uma interpretação errada do paciente, com perda de olfato sem a perda do sabor. Porque o sabor está muito relacionado ao olfato. Mas quando perdem o paladar, chamamos de ageusia".

Caso o paciente mantenha os sintomas por meses, a especialista recomenda a intervenção de um neurologista. "Algumas neuropatias demoram mais para recuperar. Depende de como o nervo foi agredido. Quando se estende por meses, é bom que o paciente procure um neurologista para avaliação e decisão sobre a necessidade de usar alguma coisa para melhorar ou agilizar a desinflamação do nervo", completou Maria de Jesus.

Pacientes lidam com o comprometimento

O casal Antônio Carlos Maués e Marcia dos Anjos, de 38 e 44 anos, respectivamente, de Belém, vivem manifestações quase opostas com relação ao comprometimento olfativo. Ele teve covid-19 no final de março e, até hoje, quase nove meses depois, sente dificuldade para sentir o cheiro em certas distâncias. É necessário ficar bem próximo do objeto ou do alimento para a identificação. Já Marcia, que teve a doença em novembro, relata que o olfato ficou muito mais apurado.

"Ainda sinto meu nariz meio entupido, como se estivesse gripado. De longe, não consigo sentir alguns cheiros. Mas se colocar perto do meu nariz, consigo. Minha esposa pergunta se estou sentindo o cheiro do mijo do nosso cachorrinho, mas não sinto", disse Antônio, que também não conseguiu sentir o gosto de refrigerante. "Tem um tipo de refrigerante que eu tomava como se fosse água, sem sentir o sabor".

Para a esposa, conviver com o olfato aguçado é um problema. "Sinto os cheiros de longe e fica parecendo que estão bem mais fortes. É horrível, pois, quando saio na rua, é a pior parte. Sinto o cheiro de tudo. Fico sentindo um fedor insuportável na cidade. E teve um perfume que até enjoei. Perguntei a um médico, e ele disse que a covid-19 aguçou o meu olfato. Perguntei se fazia mal. Ele disse que não", contou Marcia.

Já a professora Paula Araújo, 28, também de Belém, se recuperou da anosmia e da ageusia de forma mais rápida. "Demorou cerca de duas semanas. Depois que os sintomas principais da covid-19 foram embora (febre e cansaço)", contou. Após não sentir mais o cheiro do café, ela fez alguns testes em casa. "Comecei a testar perfumes fortes e alimentos com gosto forte, como cebola, e não sentia nada, era literalmente um vazio, não sentia doce, salgado, foi uma sensação muito estranha".

Otorrinolaringologista detalha a ausência dos sentidos

O otorrinolaringologista Diego Farias, de Belém, reforçou que os especialistas ainda não conhecem todos os mecanismos para ageusia anosmia causados pela covid-19, mas são observadas algumas relações desses sintomas e a infecção. No nariz e na cavidade oral existem receptores para o SARS-CoV-2 (vírus da Ccovid-19), sendo que alguns deles são receptores para as partículas do cheiro e do sabor, os quais não chegarão ao seu destino frente a presença do vírus, fazendo diminuir a sensibilidade do olfato e paladar. Além disso, existe um possível dano direto do vírus na via neural do olfato, mas também indiretamente, por meio da reação inflamatória que ele desencadeia.


"Há evidências de lesão no bulbo olfatório (a primeira estação do olfato em nosso sistema nervoso) causada também por outras infecções virais, como as por SARS-CoV, MERS-CoV ou Influenza, podendo também levar a perda de olfato e paladar, mas na covid-19 esses sintomas demonstraram ser bem mais frequentes. Geralmente, duram de uma a duas semanas, porém vemos uma grande variação de quadros clínicos ocorrerem", explicou o especialista.

Ele comentou que existem pessoas que ainda não recuperaram o olfato e o paladar após meses de recuperação da infecção; outras tiveram uma distorção do paladar (disgeusia) ou do olfato (parosmia), e sentem gostos ou cheiros diferentes ao do aroma/sabor natural. "O que pode ser ainda mais perturbador ao paciente do que a ausência do cheiro ou paladar, pois, nestes casos, os pacientes não suportam mais comer certas comidas ou estar próximo de certos odores. Essa variação de apresentações talvez se dê por conta da variação de subtipos do próprio vírus associada a variação genética dos próprios hospedeiros", detalhou.

Diego Farias também contou que, como em boa parte das vezes a anosmia/ageusia são o único sintoma inicial da covid-19, os otorrinolaringologistas acabaram caindo na linha de frente no combate à infecção, cabendo a eles solicitar os testes laboratoriais de investigação e recomendar o isolamento social do paciente nestes casos. Hoje, o tratamento que demonstra evidência de recuperação do olfato e paladar consiste no treinamento olfatório, uma terapia que estimula toda a via neuronal a se recuperar e se reorganizar, dos nervos ao córtex. Após examinar o nariz e tratar outras causas de anosmia/ageusia, o otorrinolaringologista pode orientar a realização do treinamento olfatório.

"Estudos clínicos e científicos ainda necessitam desfragmentar o conhecimento a respeito de várias questões que permanecem sem resposta exata, como o verdadeiro impacto anatomo-patológico da infecção no sistema olfatório, se os sintomas são temporários ou permanentes, ou se tais sintomas podem ser utilizados como valor prognóstico da doença", concluiu o otorrinolaringologista.

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