CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

TANTO MAR: REGISTROS E IMPRESSÕES DE PORTUGAL

Por Anna Carla Ribeiro

Quinzenalmente, a jornalista paraense Anna Carla Ribeiro, que está residindo em Lisboa, irá apresentar locais, pessoas e tradições bem marcantes de Portugal, que tem íntima relação com o Brasil e os paraenses. O conteúdo também está disponível em Oliberal.com.| anna.ascom@gmail.com

Um mergulho no universo de Fernando Pessoa

Casa onde morou um dos maiores escritores portugueses é parada certa para quem procura se aprofundar em história e literatura

Anna Carla Ribeiro

Em uma folha de papel, a cor já amarelada da página contrasta com uma solitária frase, escrita a lápis: “I know not what tomorrow will bring” (em português, “Não sei o que o amanhã trará”). Essas foram as últimas palavras registradas em papel pelo escritor português Fernando Pessoa, escritas no Hospital São Luís dos Franceses, em Lisboa, no dia 29 de novembro de 1935, um dia antes de ele vir a falecer. Essa relíquia, assim como os famosos óculos redondos do escritor e demais pertences podem ser apreciados em sua antiga residência, habitada por ele nos últimos 15 anos de vida.

A “Casa Fernando Pessoa”, localizada no charmoso bairro de Campo de Ourique, no centro da capital portuguesa, é o local ideal para tentar decifrar o homem que foi capaz de se multiplicar em vários. Ele passou a residir na Rua Coelho da Rocha nº 16, a partir de 1920, quando a sua mãe, recém viúva, e irmãos regressaram da África do Sul. Todo o sucesso que atualmente ronda o nome do escritor não foi usufruído durante a vida: ele morreu longe de ser famoso e rico. E isso, claro, se reflete na moradia que hoje pode ser visitada. O próprio quarto de Pessoa, além de ser minúsculo se comparado a um quarto padrão, também não possuía janelas e servia para interligar outros dois cômodos da casa.

“Sê plural como o universo”

Mas vamos pelo começo. O tour pela “Casa Fernando Pessoa” começa no terceiro andar do prédio, que é totalmente dedicado aos heterônimos criados pelo escritor. Desde cedo, nas suas brincadeiras de criança, Fernando Pessoa já criava amigos imaginários. Por volta dos seis anos, nas suas primeiras palavras escritas, anotou num livro de aniversário de sua mãe a data de nascimento e o nome da primeira dessas figuras: Chevalier de Pas.

Quando cresceu, passou a inventar escritores com um detalhamento de estilos e personalidades que beiravam a loucura (ou, o que é mais possível, a genialidade). Estudos indicam que Fernando Pessoa assinou textos com mais de 70 nomes diferentes, entre pseudônimos, heterônimos, semi-heterônimos, personagens fictícios e poetas mediúnicos. A exposição permanente dá um destaque especial aos três heterônimos criados por Pessoa: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Porém, não são heterônimos simplesmente porque têm um nome diferente do escritor, com o qual assinalaram algumas de suas obras. São pessoas criadas por Fernando Pessoa em seus mínimos detalhes, com datas de nascimento e morte, biografias próprias e até mesmo estudos astrológicos elaborados pelo próprio, como o mapa astral de cada um deles. Além disso, mantinham a individualidade na escrita, com estilos e temas diferentes.

“Leio e abandono-me, não à leitura, mas a mim”

Ao descer ao segundo andar do prédio, nos deparamos com a biblioteca pessoal do escritor. O espaço, que abrange livros de todo o sistema de catalogação desenvolvido no final do século XIX, intitulado “Classificação Decimal Universal (CDU)”, possui um acervo tão vasto que abrange nove categorias: ciência e conhecimento, filosofia e psicologia, religião e teologia, ciências sociais, classe vaga, matemática e ciências naturais, medicina e tecnologia, arte – recreação – entretenimento – desporto, língua – linguística – literatura, e geografia – biografia - história.

Na biblioteca, uma curiosidade: encontram-se três exemplares de “A Divina Comédia”, de Dante Aliguieri. Livros de poesia grega, clássicos da literatura e manuais da língua portuguesa dividem espaço nas prateleiras com obras um tanto exóticas, sobre cristianismo, mitologia, ocultismo, astrologia e cabala. A diversidade de assuntos, autores e gêneros pode ser a explicação para a variedade de temas e formas que caracteriza a obra do escritor, que escreveu de sonetos a prosas, passando até mesmo pela criação de cartas astrológicas.

“Escrever é objetivar sonhos”

Ao descermos ao primeiro andar do prédio, já mais íntimos de Fernando Pessoa, passamos pelos cômodos de sua antiga casa. Lá, é possível ver de perto vários objetos pessoais do escritor. Até mesmo a sua primeira madeixa de cabelo cortada, em 1889, está exposta. Outro grande destaque está na réplica da arca de Fernando Pessoa, localizada ao pé da cama de solteiro, em seu minúsculo quarto.

Ao longo dos seus 47 anos de existência, ele passou grande parte do seu tempo a escrever. Publicou em vida apenas uma parte muito pequena de tudo o que produziu, porém, mesmo longe dos holofotes, sabia da importância das suas obras. Era nessa arca que o escritor guardava cerca de 30 mil folhas, entre poemas, textos em prosa, cartas, ensaios, listas várias e projetos de edição. Quando partiu desse mundo, sabia que deixaria um verdadeiro tesouro para a humanidade. Inclusive, deixou notas sobre como o seu trabalho deveria ser organizado quando não estivesse mais lá.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Tanto Mar: Registros e impressões de Portugal
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!