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Aqui também tem festa junina, ó pá!

Festa dos Santos Populares lota as ruas de Lisboa após dois anos de pandemia

Anna Carla Ribeiro

O cenário é tipicamente junino. Aos poucos, surgem nas ruas arcos, balões e bandeirinhas coloridas, todas balançando com o vento ora brando, ora intenso, comum desse período do ano. Junto aos enfeites, o cheiro forte das comidas tradicionais ganha mais impacto com o mormaço de um verão que está quase para chegar, o que possibilita a aparição de céus mais azuis e pernas e braços descobertos. É tempo de se acostumar com o som nas alturas e se deixar levar pelas músicas populares. Se considerar apenas as primeiras impressões, o cenário sugere um lugar qualquer do Brasil. Mas, trata-se somente das suas raízes. Durante esse período, essa é uma cena corriqueira também em Lisboa, a capital de Portugal. Assim como nós, do outro lado do Atlântico os lisboetas comemoram, até hoje, a Festa dos Santos Populares. No caso de Lisboa, Santo Antônio é o foco.

Existe uma semelhança qualquer entre o carnaval do Brasil e a Festa dos Santos Populares em Lisboa. E, com certeza, essa semelhança está na vasta programação cultural disponibilizada às pessoas, que não começa apenas no dia 12 de junho, véspera do dia de Santo Antônio e o dia oficial das comemorações do padroeiro de Lisboa. Depois de dois anos parada por conta da pandemia da Covid-19, a festa retorna esse ano com o mês inteiro de atividades culturais, espalhadas por diversos lados da cidade. São shows que vão de músicas típicas a concertos de rock – e, pasmem, até mesmo de samba. Na última quinta-feira, 9, por exemplo, houve show no Largo da Penha de França do bloco de carnaval Colombina Clandestina, que literalmente fez um mix de músicas juninas clássicas do Brasil e de Portugal, todas tocadas com o auxílio da bateria do bloco. 

Há também as marchas populares, que também de alguma forma lembram os blocos de carnaval do Brasil. Tradicionalmente, na noite de 12 de junho, os diferentes bairros da cidade descem uma das avenidas mais emblemáticas de Lisboa, a Avenida da Liberdade, num desfile que espelha o trabalho dedicado e intenso das coletividades e dos bairros da cidade. Esse é um dos pontos altos da festa, já que, fantasiados e a entoar as suas canções, alegram os espectadores. Quem não desfila, aprecia e acompanha a movimentação, que costuma durar até altas horas da madrugada. As marchas em homenagem a Santo Antônio desfilam oficialmente no dia 12, mas antes é possível conferir uma palhinha na programação prévia.   

Para a escritora portuguesa Martta Borges, que desde criança acompanha a festa, a sensação de poder comemorá-la novamente após dois anos de pausa por conta da pandemia da Covid-19 é indescritível. “Não é só o fato de estarmos a voltar a uma festa popular lisboeta, mas de aproveitarmos essa festa muito mais livres do que estivemos nos últimos anos. E essas festas já são super emotivas porque são muito típicas de Lisboa e é onde as pessoas de várias gerações e tratos sociais se reúnem. É como se fôssemos todos os mesmos neste momento. Isso é incrível. Como ficamos muito tempo sem ter essas festas eu senti que todos esses sentimentos estão mais exacerbados”, explicou. 

Para ela, a festa é uma cultura antiga, mas que vem se adequando às mudanças que a própria cidade vivencia. “Essa festa é muito importante para todos porque a ideia que eu sempre tive era que primeiramente era comemorada por pessoas mais velhas dos bairros típicos de Lisboa, como por exemplo as peixeiras e as lavadeiras. Hoje em dia, está muito mais diversificado. Nesses bairros, não moram mais apenas essas pessoas, mas também jovens e estrangeiros. Então foi criada uma nova dinâmica nesta festa e viu-se muito isso este ano. Eu ainda não tinha vivenciado desta forma e foi incrível – poder vivenciar a experiência dos Santos com essa multiculturalidade”, ressaltou Martta Borges.   

É, ainda, o momento ideal para se deliciar com as muitas barraquinhas de comida, que por entre bandeirinhas coloridas, enchem a barriga dos transeuntes, que são muitos, diga-se de passagem. É preciso esquecer um pouco os sabores do vatapá, da canjica e do mingau de milho. As fogueiras são acesas, mas para assar de sardinhas que, colocadas em fatias de pão, são distribuídas pelas ruelas da cidade. Novamente, desapegue. Deixe de lado a imagem de que sardinha vem em lata e com gosto forte. Essa, fresca e assada na hora, tem outro encanto. Além das sardinhas, há também outros pratos típicos muito apreciados: o prego (sanduíche de carne de boi), a bifana no pão (esse, é de carne de porco), o chouriço assado, e o famoso caldo verde (que já caiu no gosto dos brasileiros) são alguns deles. Aproveitar os petiscos e degustar um vinho, uma imperial (chope) ou um copo de sidra servidos nas ruas parece ser quase que uma obrigação nessa altura do ano. Uma obrigação cheia de deleite, sem dúvidas. 

Caso esteja andando com boas companhias, não estranhe se lhe oferecerem pequenas imagens de Santo Antônio junto com pequenos vasinhos de manjericão. Em Lisboa, são sinais de fertilidade e bons fluidos, principalmente quando oferecido aos casais. Se a simpatia funciona, não há como provar. A certeza é que na decoração da sala, a lembrança vai sempre cair bem.

Comemoração nacional – Durante o mês de junho, a Festa é comemorada em todo o país, para homenagear os Santos Populares: Santo Antônio, São João e São Pedro. Em Lisboa, o foco é o padroeiro da cidade, Santo Antônio de Lisboa. Já no Porto, o auge das comemorações é na passagem de 23 para 24 de junho, o dia de São João. A Festa dos Santos Populares tem fim no dia de São Pedro, o santo protetor dos pescadores, comemorado em 29 de junho. Nas vilas tradicionais de pesca de Portugal, como é o caso de Sintra e Évora, as paisagens repletas de castelos medievais ganham mais vida e as ruas são tomadas por desfiles e arraiais.

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