Lena Cristina Barros Mouzinho

Trabalho como psicóloga, com pessoas, famílias, casais e grupos. Sou apaixonada por Educação Relacional e fiz disto meu sentido de vida. Todo meu exercício profissional é na busca de conexão humana, por meio do diálogo.

Para que reduzir a vida à guerra?

A utilização de rótulos, além de não dar conta da complexidade do que é uma pessoa humana, ainda pode contribuir para a cristalização de imagens reducionistas

Lena Mouzinho

Perceberam por ocasião da celebração do Dia Mundial da Mulher o quanto está frequente o uso de adjetivos como “guerreira”, para qualificar mulheres?

A utilização de rótulos, além de não dar conta da complexidade do que é uma pessoa humana, ainda pode contribuir para a cristalização de imagens reducionistas.

Sim. Para obter valorização correspondendo a imagem de uma pessoa forte e combativa é possível que alguém opte por viver em sucessivas e eternas guerras. Isto é humano.

Por favor, pessoas! Homens e mulheres! Vocês não precisam aparentar ser fortes o tempo todo. Não há saúde que se preserve sob tanto estresse.

A linguagem da cultura beligerante expressa uma insana e antiga competição, que fere as relações entre homens e mulheres, transgeracionalmente, consumindo laços e a cada pessoa.

Atavicamente homens temem mulheres e tentam subordiná-las. Elas reagem colocando em xeque seus “poderes”. Eles respondem fazendo valer as expressões de sua “força bruta” para mascarar a gigante insegurança... E a luta continua, permeada profundamente pela cultura patriarcal que se instalou nesse processo e que circunstancia situações tenebrosas na história humana até os dias atuais, na vida pública e privada.

A violência contra a mulher tem hoje uma estatística alarmante. Cresce como que para resistir desesperadamente ao galopante movimento de mudanças culturais. A “força bruta” para controlar pessoas, que estão realizando, cada vez mais, seus potenciais, assume proporções dantescas.

Conflito: aprendizado ou violência?

A guerra é sempre uma expressão trágica da não superação de conflitos acumulados. E conflitos e estados incômodos acontecem naturalmente no exercício da convivência com as diferenças, para serem transformados em aprendizado por todos.

Numa relação em que ambos se reconhecem dignos do mesmo respeito e valor, ante a tensão gerada pelo confronto entre as diferenças, pode-se combinar novas formas de estar juntos, que possibilitem a satisfação das necessidades e realização dos envolvidos.

É possível até que no caminho da construção de novas fronteiras se experimentem perdas: alguém abre mão de algo, para que o outro receba algo precioso e também para obter o que é precioso para si e para a relação. Uma perda que não lesa, se não se cristaliza, pois não resulta em danos à integridade biopsicossocial de ninguém. Ambos ganham e a relação também.

O conflito resulta em violência quando emerge de uma relação hierarquizada, onde uma das partes, ou ambas, busca submeter a outra a partir de crenças como: “sou superior”, “eu quem tem razão”, “minha posição é que é a certa”, “tenho mais experiência”, “sou mais inteligente”, “minha maturidade é maior”. “o dinheiro é meu”, “a cultura da minha família é superior”, “minhas origens são melhores”, “para a outra pessoa ser alguém de valor tem que viver conforme meus valores e crenças”, “vou transformar o seu rascunho em arte final”...

Nesta situação é comum o empenho em tomar posse, controlar, dominar o outro ser humano que, como todos os outros, necessita de valorização e liberdade para realizar-se.

A integridade da pessoa é lesada desta forma pois, todo o investimento neste sentido, sutil ou ostensivo é desqualificador: a violência psicológica por vezes é tão sutil que desperta dúvidas em quem a sofre mas... é sempre avassaladora.

Quando a relação de dominação se instala, uma pessoa se sente vitoriosa sobre a outra.

Mas...preste atenção, você que se sente “potente” quando sai de uma discussão em que teve a sensação de que ganhou da outra pessoa!!!!

Quem ganha uma batalha numa relação íntima está construindo sua derrota!

A pessoa que se sentiu lesada na situação, por mais que se sinta em débito por cuidados anteriores teus, sente muita mágoa (intensa dor temperada por raiva) que poderá se transformar com a continuidade das perdas, em ódio.

E o pior: é alguém que conhece tuas vulnerabilidades melhor que ninguém e que se torna teu poderoso “inimigo íntimo”.

Lembra-te então: quando na relação um perde, todos perdem e a relação vai se degenerando.

A “guerra” surge, portanto, no auge de nossa intolerância. Fruto da ignorância em não aceitar que uma outra pessoa humana é um “legitimo outro”, como diz Humberto Maturana.

Pessoas: uni-vos!

Viver em luta é doloroso. Para cada pessoa envolvida e para sua rede de convivência.  

Depois de tanto tempo habitando a Terra já sabemos o quanto todos perdem nas guerras entre nações, povos, irmãos, outros pares e na vida íntima.

Somos, como todos os humanos, dignos de absoluto respeito e de delicadeza pois, como toda a vida que pulsa, somos vulneráveis.

Nosso desenvolvimento tem relação direta com a consciência de que o Poder essencial está associado ao usufruto das nossas naturais relações de interdependência, nos apoiando mutuamente em nossa realização como humanos.

Por isso em nosso coração pulsa o desejo de nos conectar a outros, amar e ser amados.

Pelo mesmo motivo desejamos relações de intimidade, mesmo que não o admitamos.

Para construir intimidade precisamos cultivar a confiança do outro em nós. Precisamos baixar armas, abrir mão de jogos de poder, tirar as máscaras da indiferença, da ironia, da auto-suficiência, da arrogância e exercitar o compartilhamento honesto de informações sobre sentimentos.

Precisamos aprender a nos expressar com inteireza e autenticidade para desocupar o lugar da ameaça.

Se a outra pessoa estiver disposta a essa bela construção, pode se disponibilizar a mesma aprendizagem. Caso contrário, para que continuar “lutando”?

Com a aliança com o par as lutas passam a ser apenas aquelas necessárias. Quando realmente necessárias. Aquelas em que nos engajamos por “legitima defesa”.  

Dentre elas estará certamente uma luta enérgica para transformar no cotidiano, a cultura e contexto patriarcal que construímos e que vitima homens e mulheres. Sim, pessoas que agridem para controlar outras são profundamente infelizes. A raiva explosiva escamoteia muitos de seus mais dolorosos medos.

Nosso momento exige-nos urgente exercício da cooperação e de experimentar a Força da conexão conosco e com os outros.

Cuidemo-nos uns aos outros!.

Lena Mouzinho

lenacristinam@gmail.com

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