Participação no Círio extrapola fé e atrai profissionais da arte
Formada em Ciências Sociais, servente de restauro também atua no Auto do Círio e destaca respeito à fé como valor cultural

A grandiosidade do Círio de Nazaré vai além da fé católica e da devoção pessoal. A festa também mobiliza profissionais da arte e da cultura que se envolvem em diferentes frentes — como o Auto do Círio e o restauro da Basílica Santuário e da Berlinda — por meio do trabalho técnico e do reconhecimento da importância cultural do evento. Em um ano em que o tema da festividade homenageia Maria como “Mãe e Rainha de toda a criação”, experiências assim ajudam a revelar o Círio como obra coletiva, feita também de ofício, cuidado e expressão popular.
Um exemplo é a servente de restauro Dani Franco, 39 anos. Formada em Ciências Sociais e com passagem pela Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), ela aplicou folhas de ouro e participou do brunimento das peças da Berlinda que será usada nas duas principais procissões: Trasladação e Círio. “Fiz a aplicação e a douração da coroa que vem em cima da Berlinda. É uma parte da Berlinda, feita com folhas de ouro. Depois que a gente faz a aplicação, vamos para o brunimento, que é quando ela vai se assentando”, explica.
Restauro
Apesar do cansaço físico, Dani diz que a experiência é emocionante.
“Foi muito cansativo. Mas também é bem emocionante estar nesse processo. Ver de perto, por todo o significado que a Berlinda tem para a cultura e para o povo, é muito forte. Poder estar entregando isso e ver de perto que ela é um zilhão de vezes mais bonita do que a gente vê, sem as flores, só com os adornos, passo a passo desde a semana passada, é incrível”, afirma.
Auto do Círio
O envolvimento de Dani com o Círio começou antes, em 2018. “Eu já tinha participado do Auto do Círio, pela ETDUFPA, na cenografia e no figurino. Então agora estou vendo o Círio por essa outra perspectiva, da cultura, dessa miscigenação, dessa mistura religiosa também. E da importância de como o teatro abraça essa religião”, reflete.
Este ano, ela participou do cortejo como romeira, por conta dos trabalhos de restauro. “Nós trabalhamos até 17h30 da sexta-feira do Auto. Então, só dá pra prestigiar mesmo”, diz. Neste domingo do Círio, o compromisso será outro: “Vou ficar com a família. É o momento de reunião na casa da avó, de encontrar pessoas que a gente só vê uma vez por ano. É a fé e o respeito pelo outro, são esses encontros”, acrescenta.
Dimensão cultural
Sem professar a fé católica, Dani enxerga a festa com olhar sociológico.
“É pela parte cultural, de como a Berlinda representa, de como a cidade se transforma, pelas cores, pelo cheiro, pelo povo mesmo. No ano passado, trabalhando nas capelas, nós víamos os peregrinos chegando. Eu perguntava de onde vinham, quantos dias de caminhada… Isso daqui não é religião. É mais do que a fé: é o respeito pela fé do outro. É o respeito pelo meu trabalho na Berlinda, ou na Basílica”, pontua.
Além de ter trabalhado no restauro da Berlinda e da Basílica Santuário, Dani também costuma participar do cortejo cultural Auto do Círio, realizado pela UFPA na antevéspera da grande romaria (Wagner Santana / O Liberal)
Reflexão crítica
As experiências acadêmica e artística moldam sua visão sobre a festa. “Na Escola de Teatro e Dança a gente discutiu muito sobre as festividades religiosas católicas. Uma das discussões era que são festas do povo, que a Igreja se apropria para dominar. Sociologicamente é isso. Então, o que emociona são esses romeiros que passam sete dias caminhando. É a dor de ouvir um romeiro dizer ‘abandonei a promessa’ depois de ter passado sete dias caminhando até Belém e não ter mais forças para chegar até a Igreja. E eu digo: você não precisa se sacrificar mais, porque a promessa já foi cumprida. Isso também é Círio”, conclui.
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