Os mil nomes da mãe de Jesus

Não se sabe ao certo quantos nomes a mãe de Jesus tem. Pesquisadores estimam que no mundo hajam mais de mil nomenclaturas para representar essa força materna.

Igor Wilson
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Um mês antes do Círio, dona Ana Oliveira cola o pôster de Nossa Senhora de Nazaré em sua porta. Assim como milhares de paraenses, a moradora do bairro da Maracacuera, em Icoaraci, acredita que o ato é uma forma de participar da festividade, se identificar como filha de Maria. Devota de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a moradora dedica o mês de outubro especialmente a Nossa Senhora de Nazaré.

image Ana Oliveira e seu amor por Maria de Nazaré (Igor Wilson/ O Liberal)

Distante dali, em Santa Bárbara, os integrantes do Céu da Nova Dimensão, igreja do Santo Daime, rezam para Nossa Senhora de Nazaré. A doutrina amazônica tem Nossa Senhora da Conceição como a 'Rainha da Floresta', mas nas vespéras do Círio, o pensamento se volta para Nazaré. Mais distante ainda, em Santa Luzia do Pará, na região nordeste do estado, os índios da aldeia Tembé se reúnem em mais um final de tarde para celebrar Maíra, a força que gerou tudo quanto existe na terra. Embora não faça parte de nenhum ritual na aldeia, Maria de Nazaré é lembrada com respeito na proximidade do Círio. 

Não se sabe ao certo quantos nomes a mãe de Jesus tem. Pesquisadores estimam que no mundo hajam mais de mil nomenclaturas para representar essa força materna. Nossa Senhora de Aparecida no Brasil, de Guadalupe no México, de Fátima em Portugal, das Graças na França, de Copacabana na Bolívia, Divina Pastora na Espanha, do Loreto na Itália, Nossa Senhora do Líbano na Ásia ocidental. São inúmeros os rituais de devoção para a força criadora de Maria. Cada uma adaptada ao contexto do lugar onde apareceu. Todas elas ligadas por um fio de milagres até hoje sem explicações científicas.  

image Os integrantes do Céu da Nova Dimensão, igreja do Santo Daime, rezam para Nossa Senhora de Nazaré (Divulgação/ Céu da Nova Dimensão)

“Trata-se da mesma mulher. Para tradição cristã, Maria é a mãe de um sujeito chamado Jesus. Isso está apontado por textos bíblicos traduzidos do hebraico para o grego e depois para o Latim. Quando a gente tem a expansão da Igreja Católica por outros países, por outras colônias, vamos ter outras nomeações. Essas nomeações são dadas a partir das aparições milagrosas dessa virgem nessas localidades. Quando há aparição sem explicação científica, a igreja atribui um outro nome, criado a partir da localidade onde essa mulher apareceu”, explica Walison Dias, pesquisador no programa de pós-graduação em Ciências da Religião (PPGCR) da Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA). 

Maria de Nazaré. Maria de duas Belém 

Belém do Pará é a única cidade do Brasil que dedica devoção a Nossa Senhora de Nazaré a ponto da santa se tornar padroeira da cidade. A aparição da santa diante de um caboclo chamado Plácido em 1793, para os católicos representou o primeiro sinal de que a região receberia a proteção da mãe de Jesus. E logo numa cidade homônima ao local onde Jesus nasceu. Segundo a tradição cristã, Maria nasceu na cidade de Nazaré, na atual Israel, mas foi em Belém que seu filho Jesus nasceu. “Belém significa casa do pão. Daí essa ligação tão especial com nossa cidade, seja da santa, seja do nome da cidade que é o mesmo”, diz professor Walison. 

As próprias procissões municipais e distritais que antecedem o grande dia do Círio em Belém representam essa diversidade de marias, evidenciando, sobretudo, a ligação delas em torno de uma só, a jovem Maria de Nazaré, a santa da última procissão. Em Ananindeua e no distrito de Icoaraci, o Círio é para Nossa Senhora das Graças; Nossa Senhora do Rosário em Colares e Curuçá; Nossa Senhora da Conceição em Conceição do Araguaia; Nossa Senhora do Ó no Círio de Mosqueiro; Nossa Senhora do Livramento em Terra Alta.  

image A doutrina do Santo Daime foi criada a partir de um chamado da Rainha da Floresta (Divulgação/ Céu da Nova Dimensão)

Professor Marcos Rosa não tem dúvidas sobre essa ligação da Belém amazônica com a Belém que hoje fica na atual Cisjordânia, na Palestina. Mesmo convivendo com o Círio desde criança, foi a doutrina do Santo Daime que lhe deu os primeiros ensinamentos sobre a energia materna sentida pelos paraenses durante o período. “Sempre aprendemos na igreja sobre a mãe de Jesus. Mas para mim esse ensino veio com o Santo Daime. A doutrina foi inclusive criada a partir de um chamado da Rainha da Floresta, como chamamos essa mesma energia. Ela se apresentou a um seringueiro chamado Irineu e desde então estamos aqui, mais de 100 anos depois, sempre ligados a mamãe divina. Então, apesar dos vários nomes, Conceição, Rainha da Floresta ou de Nazaré, sei que o importante é louvarmos a mãe de Jesus, nossa mãe”, diz. 

Para o povo Tembé, não existe um Deus personificado como na cultura cristã ocidental. Mas isso não impede que os índigenas tenham respeito pelo culto dos demais paraenses a mãe de Jesus. "Maíra é o nosso Deus, não é homem nem mulher. É uma força que gerou todos nós. Foi ele que nos fez, que nos criou e está aqui até hoje, no cantar dos passáro, em cada soprar de vento, na natureza, em nossos rios. Maíra dá energia a cada momento para nos ajudar. Então, nosso povo entende Deus como tudo isso e não apenas uma imagem. E Maíra olha também para o Círio, uma festa linda, pois onde tem a fé tem Deus, não importa a religião, estamos todos conectados”, diz Bewãri Tembé, professor linguístico da aldeia Tembé em Santa Luzia do Pará. A sua maneira, dona Ana, Marcos e Bewãri fazem parte desse grande manto divino dos mais diversos nomes. Todos são filhos. 

image Em Santa Bárbara, os integrantes do Céu da Nova Dimensão, igreja do Santo Daime, rezam para Nossa Senhora de Nazaré (Divulgação/ Céu da Nova Dimensão)

O poder da mãe de Cristo 

Um antigo papiro do século IV encontrado no Egito traz uma oração em que a proteção de Maria é invocada contra dificuldades. 

Segundo estudos do padre Valdivino Guimarães, mariologista e ex-prefeito de Igreja do Santuário Nacional de Aparecida, os registros mais antigos dessa crença no poder da mãe de Cristo remontam ao século 2. "Indícios arqueológicos demonstram a veneração dos primeiros cristãos. Nas catacumbas de Priscila, se vê pinturas marianas do segundo século, em local onde os primeiros cristãos se reuniam", afirma ele. 

A mais remota das aparições remontam ao ano 40 e seria um episódio de bilocação, na verdade, pois Maria ainda era viva. Segundo a tradição cristã, ela teria aparecido ao apóstolo Tiago na atual cidade de Zaragoza, hoje Espanha, onde ele estava pregando. Fato é que há registros da construção de uma pequena capela ali, desde os primórdios do cristianismo. 

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