Malva amazônica sustenta a devoção na corda do Círio de Nazaré
É em Castanhal, na região nordeste do Pará, que a corda é produzida há três anos

Há três anos, a corda que guia os passos de milhões de devotos no Círio de Nazaré nasce em Castanhal, no nordeste paraense. Produzida com 100% de malva amazônica, sem adição de outras fibras, ela carrega não apenas resistência, mas também a suavidade necessária para o toque das mãos que nela se apoiam em promessas e agradecimentos. Antes, por onze anos, a corda era feita em Santa Catarina, com sisal. Hoje, ganha ainda mais sentido por ser produzida no coração da Amazônia.
Para a Companhia Têxtil de Castanhal, responsável pela confecção, participar dessa história é motivo de orgulho. “Pelo terceiro ano consecutivo temos a honra de trazer para o nosso portfólio este símbolo de tão grande importância cultural e religiosa para o povo paraense. A CTC, com seus 59 anos de existência, entra na história do Memorial do Círio com forte representatividade, sendo a corda construída por mãos e corações castanhalenses”, destaca a gerente industrial Rita Queiroga.
O processo começa com a malva cultivada em mais de 20 municípios paraenses, em projetos de agricultura familiar que envolvem mais de mil famílias. A fibra passa por várias etapas até se transformar em fio. Depois, é torcida e unida até ganhar forma de corda, em um trabalho que levou cerca de sete meses para ser concluído este ano.
Além do Círio, a corda também é utilizada na procissão da Trasladação. Possui 800 metros de comprimento, dividida em duas partes de 400 metros para cada romaria, com 60 milímetros de diâmetro. Ela já vem adaptada às estações de metal que auxiliam no traslado das berlindas durante as procissões.
“Desde 2023, a espessura de 60 mm e o método de produção seguem os mesmos, após resultados bem-sucedidos”, disse a gerente industrial.
Emoção em cada etapa
A confecção envolve cerca de 480 colaboradores, que encontram nesse trabalho um sentido maior do que a produção industrial. Muitos, antes apenas romeiros, hoje sentem que também ajudam a construir um dos maiores símbolos da fé paraense.
“Desde a chegada da matéria-prima até a amarração final nas argolas, transpira emoção, responsabilidade e dedicação. É o orgulho de pertencer, de fazer parte do Círio de diferentes formas”, resume Rita.
Histórias de devoção se entrelaçam às fibras da corda. Um dos colaboradores, com quase 40 anos de empresa, revelou que ingressou na CTC após fazer uma promessa a Nossa Senhora de Nazaré para conseguir o emprego. Décadas depois, viu sua fé renovada ao participar da produção da corda, vivendo a graça de devolver em trabalho o que recebeu em bênçãos.
“O seu Gabriel Barbosa pagou essa promessa assim que foi admitido na CTC. O tempo passou e agora com quase 40 anos de trabalho, ganhou mais uma bênção, a de fazer parte da construção da Corda do Círio e isso o deixou muito emocionado”, disse.
Para Rita, essa experiência é indescritível. “Já participei do Círio quatro vezes como romeira, e cada uma foi única e emocionante. É uma conexão que só quem vai consegue sentir. Olho para a corda e penso: além de caminhar com ela, eu vivi o Círio através da sua confecção.”
Assim, a corda do Círio de Nazaré segue unindo promesseiros, romeiros e trabalhadores, costurando em cada fio a fé, a devoção e a identidade de um povo.
A corda foi entregue a Diretoria da Festa de Nazaré (DFN), no dia 11 de setembro, durante cerimônia realizada na empresa CTC com a presença de diversas autoridades.
Da matéria-prima ao transporte a Belém
1. Seleção da matéria-prima
A malva é a principal fibra utilizada na corda do Círio. Suas raízes precisam secar à beira do rio, pelo período aproximado de uma semana, antes de serem agrupadas em fardos para transporte até a fábrica. Além da malva, fios de juta dão resistência à composição.
2. Amaciamento
Na fábrica, os fardos são desmanchados (processo de embonecamento) para se tornarem fileiras a serem amaciadas com óleo de palma, tornando-as mais flexíveis.
3. Transformação em fio
Os estágios de processamento da fibra, até se tornarem linhas, incluem penteagem (paralelização dos fios) e tratamento com emulsificante para retirar as impurezas. São necessárias 72 horas de descanso antes de entrar na cardagem (continuação da abertura das fibras para dispô-las de forma uniforme). Após o terceiro passador, as fibras viram fitas, o último estágio antes de virar carretel.
4. Torção
Os fios são torcidos e unidos para formar lotes de 30 a 50 metros de corda.
5. Revisão de segurança
A corda é conectada a dois caminhões, sendo utilizada para rebocar um deles. O teste busca simular condições extremas de tração para garantir sua resistência e flexibilidade.
6. Transporte para Belém
A corda é cuidadosamente transportada para Belém, a cerca de 40 dias do Círio de Nazaré, em lotes de 30 a 50 metros. Duas cerimônias são realizadas: uma para entrega do produto, em Castanhal; e outra para recebimento, na Estação Padre Luciano Brambilla, no Centro Social de Nazaré.
7. Revisão final
Em Belém, duas semanas antes das procissões da Trasladação e do Círio, as argolas e nós da corda são revisados. É quando é feita a amarração dos lotes uns aos outros e às cinco estações metálicas, que agrupam os promesseiros em uma espécie de gradil, ao longo dos 400 metros de corda em cada uma das procissões.
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