Leques do Círio unem frescor, fé e memória afetiva nas ruas de Belém

Brindes de papel cartão carregam hinos, mensagens religiosas e anúncios, transformando-se em ícones sensoriais e colecionáveis da quadra nazarena

Gabriel da Mota
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Sob o sol intenso de outubro, quando a multidão se aglomera para acompanhar as romarias do Círio de Nazaré, um gesto se repete incansavelmente: abanar-se com os leques de papel cartão. Mais do que um simples adereço, eles funcionam como um refúgio portátil contra o calor, aliviando o desconforto em meio à emoção da festa. Para a publicitária e professora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Pará (UFPA) Lívia Barbosa, o leque é marcante porque une praticidade e devoção.

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“Além de ajudarem a suportar o calor, os leques comumente trazem a letra do hino oficial de Nossa Senhora de Nazaré. Cantar o hino é uma forma de o fiel se sentir mais próximo à Padroeira da Amazônia, mesmo sem saber a letra de cor”, afirma.

Estética e identidade visual

Se, por um lado, o leque tem função utilitária, por outro ele é parte da estética visual do Círio. Impressos em cores vivas, com imagens da Virgem, símbolos da festa e tipografias que variam de acordo com o patrocinador, eles compõem o cenário cromático das procissões. Na face principal, o hino é impresso em letras legíveis, ocupando espaço central. No verso, predominam as logomarcas e mensagens publicitárias. A sobreposição entre arte sacra e marketing transforma o objeto em um híbrido: parte devoção, parte vitrine.

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Essa combinação de fé e propaganda não é casual. “É um recurso tradicional da publicidade, que busca capitalizar a associação com um elemento de devoção e admiração. O leque acaba sendo um ‘pedacinho da Santa’ que socorre na aflição do calor e pode ser levado para casa, predispondo o fiel a criar uma imagem favorável da empresa”, avalia Lívia.

A inserção de marcas nesse contexto é estratégica: a utilidade do objeto prolonga o tempo de exposição da publicidade, e a forte carga emocional da festa potencializa a lembrança positiva do anunciante.

Memória e coleção

Com o fim da procissão, muitos leques não são descartados. Guardados como lembranças, eles se tornam registros materiais de cada edição do Círio. Para colecionadores e devotos, acumular leques de diferentes anos significa preservar pedaços da história pessoal e coletiva da festa. “Dificilmente as pessoas retiram apenas um exemplar. Além do valor afetivo, existe o aspecto utilitário — seja para aliviar o calor no dia a dia ou até abanar o fogo na cozinha”, comenta a professora.

O Círio 2025, com o tema “Maria, Mãe e Rainha de toda a criação”, pode marcar um ponto de virada no design e na produção desses brindes. Lívia aposta em possibilidades como o uso de papel reciclado com fibras vegetais, tintas menos poluentes e campanhas de descarte responsável. “Pode haver maior cuidado com a reciclagem para os que descartam os leques após a procissão e atenção à matéria-prima, reduzindo a produção de resíduos”, projeta.

Mesmo diante da digitalização de tantos aspectos da vida, o leque mantém sua força pela materialidade e pelo papel sensorial que ocupa na experiência do Círio. O objeto é visto, tocado, sentido no ar que produz e até no som suave que faz ao ser abanado. “É possível que haja inovações em materiais sustentáveis ou no formato, mas sem descaracterizar o objeto e sua função. Quanto ao digital, não vejo, por ora, como isso poderia se dar, uma vez que a materialidade do leque é parte importante da festa”, conclui Lívia.

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