Igreja acolhe manifestações legítimas de fé

Arcebispo de Belém, Dom Alberto Taveira não participará fisicamente do Círio de Nazaré pela primeira vez. A saudade, segundo ele, será enorme, mas tem uma forte razão para tal: ele está, até o dia 27 de outubro, em Roma, juntamente com todos os bispos pertencentes a sua Circunscrição Eclesiástica e bispos atuantes na Amazônia Legal, no Sínodo da Amazônia. Antes da viagem, Dom Alberto conversou com nossa equipe sobre as expectativas para a celebração religiosa, a sua ausência durante o Círio, o tema de 2019 e outras questões. Confira:

1. Como o tema do Círio de 2019 foi definido?

Em 2019, a Diocese, hoje Arquidiocese de Belém, comemora 300 anos. É uma igreja que foi criada quando uma Diocese se estabeleceu. Claro que a presença da igreja foi desde o início de Belém, há mais de 400 anos. Então, daí sempre é um título ligado à Nossa Senhora e eu escolhi "Maria, mãe da Igreja" justamente para nós valorizarmos a história e as riquezas espirituais da nossa igreja

2. Quais são as expectativas da Arquidiocese para o Círio 2019?

Expectativa de uma grande participação, sobretudo espiritual. Nós estamos com mais de 100 mil livrinhos das peregrinações que circulam, com os quais as pessoas rezam, se preparam, refletem. É uma catequese muito intensa que se faz durante o mês de setembro e a gente sente que os frutos serão muito bons.

3. Todos os anos temos a celebração do Círio, mas ela sempre se renova. O que faz com que, a cada ano, o Círio seja diferente?

Existe um princípio na fé católica: Deus não se repete, Deus é sempre novo. Onde Deus entra, Ele sempre faz as pessoas serem renovadas. A força do evangelho é sempre nova. O Círio é um tempo de pregação da palavra de Deus, é um tempo intenso de oração, de participação na igreja. Então esse é o segredo da novidade: é justamente aquilo que a gente diz na missa quando o Padre diz 'o Senhor esteja convosco' e o povo responde 'Ele está no meio de nós'. Ele está conosco e por isso Ele é sempre novo.

4. Sendo o tema central do Círio deste ano - “Maria, mãe da Igreja"? -, como a Igreja Católica acolhe as mais diversas manifestações devocionais e culturais na quadra nazarena?

O Círio é um evento religioso. É claro que a sociedade participa dele porque tudo o que é vida de fé, faz cultura, mas o Círio é sagrado, é um evento da igreja. Sabemos, contudo, que tudo o que é de fé aproxima as pessoas, então a igreja acolhe todas essas manifestações, porque são legítimas. O Papa Bento XVI a seu tempo explicava que a religiosidade popular já é evangelização. Então, essa multidão de gente na rua, a participação na quadra nazarena, tudo isso já é uma forma de evangelizar e nós não podemos desprezar. Ao contrário, valorizamos muito essas manifestações e é claro, o religioso bem vivido transborda em cultura, em devoção, em relacionamento entre as pessoas, em fraternidade, todo mundo se sente próximo uns dos outros durante o Círio.

Se você pensar, você vê essa multidão toda e não tem um evento grave, um problema, nunca tem um evento grave. Não dá para entender. Qualquer organização de evento não aceitaria montar algo desse tamanho e nós montamos porque tem a graça de Deus que nos acompanha.

5. O que o tema tem a ensinar à sociedade atual?

Ele tem para ensinar que a igreja é comunhão, família, é sinal que ajuda a sociedade a crescer e que o evangelho é bom e faz bem para todo mundo. Quem acompanhar os temas que nós colocamos nas peregrinações, vai perceber isso: a igreja que é sal, luz, fermento no meio do mundo.

6. Maria de Nazaré também é considerada a "Rainha da Amazônia". Como esse título ajuda o cristão a refletir sobre as urgências da região? É um convite à preservação e defesa dos povos daqui?

Ao final da oração pelo sínodo nós colocamos: "Maria de Nazaré, Rainha da Amazônia, ajuda-nos a nos unir para enfrentar todos os desafios". Lá na oração nós temos a Amazônia inteirinha, também fora do Brasil. Os outros países que fazem parte da Amazônia, estão rezando "Maria de Nazaré, Rainha da Amazônia", porque Nossa Senhora, sendo aquela que por primeiro foi discípula e ouviu a voz de seu filho, que nas Bodas de Caná entregou as necessidades na mão de seu filho, disse "façam tudo o que Ele disser". Nossa Senhora está dizendo isso: se nós fizermos tudo o que Ele diz, se ouvirmos as palavras de Deus, vamos superar as queimadas, a desunião, a corrupção, os males que possam espalhar-se pelo Brasil inteiro e especialmente na nossa Amazônia.

Tudo o que foi criado por Deus é bom e precisa ser bem conservado. Tudo. Com retidão, com justiça, então nós queremos que todos os Dons de Deus, os bens da criação, sejam bem conservados.

7. O Círio também é tempo de fraternidade. Mas como ser mais fraternos diante de um mundo em que ainda existe intolerância, egoísmo e preconceitos?

Cada um deve começar de si mesmo. Não adianta pensar em soluções globais. Cada pessoa tem que começar a ser irmão, próximo, a respeitar, a tratar bem os outros, a ouvir mais, a superar a violência interior. Se isso acontece, então nós conseguimos mudar o mundo.

s

Não é a primeira vez que o Círio fica sem bispo. Em 2009, quando não tinha arcebispo aqui, o Círio aconteceu. Nós fizemos toda a previsão, tem bispos para todos os dias, eu tenho a honra de quem vai me substituir na missa do Círio, que é o Núncio Apostólico no Brasil, Dom Giovanni d'Aniello, que é o representante do papa. Mas temos um Bispo paraense, Dom Gilberto Pastana, ele é bispo do Crato no Ceará, mas ele é paraense, já viveu o Círio muitas vezes e aceitou estar aqui presidindo todas essas celebrações. É claro, para Dom Irineu, Dom Antônio e eu, vai ser uma dor muito grande não estar no Círio, mas a convocação do Papa não nos permite. Nós temos que estar lá no Sínodo, sem dúvida alguma. No dia do Círio, estaremos participando porque é o domingo em que vai ser canonizada a Irmã Dulce dos pobres, uma santa brasileira. Então, é uma alegria grande, mas ao mesmo tempo uma saudade do nosso Círio.