Berlinda do Círio se consolida como símbolo sacro e cultural da maior procissão da Amazônia

Antiga carruagem da nobreza, estrutura que conduz a Imagem Peregrina ultrapassa a funcionalidade e se torna representação da identidade paraense ao longo dos séculos

Gabriel da Mota
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Muito antes de virar ícone de postais, peças de artesanato e altares domésticos, a berlinda do Círio de Nazaré foi apenas um recurso prático: dar visibilidade à imagem de Nossa Senhora nas ruas de Belém. Mas, com o passar do tempo, o que era função virou símbolo — e o que era objeto virou sacrário sobre rodas. É o que afirma o historiador e cientista da religião Márcio Neco.

A história da berlinda acompanha as transformações urbanas, sociais e religiosas da capital paraense. Nos primeiros Círios, a Imagem Peregrina era conduzida nos braços de autoridades eclesiais, como num palaquim. Mais tarde, vieram as fitas, as cavalarias, a tentativa de ordenar o trajeto e destacar a figura central da devoção.

“A berlinda já era utilizada para imagens sacras, mas também conduzia a realeza. Foi pensado que Nossa Senhora de Nazaré deveria ser conduzida em uma berlinda para que aumentasse o destaque”, explica o cientista.

Um objeto que ganha identidade

Ao longo dos séculos, a berlinda passou por diferentes formatos e materiais. Incorporou técnicas, estilos e ornamentos conforme as épocas. Mas sempre com um traço comum: a tentativa de revelar, por meio da arte e da forma, a dignidade da santa representada. “Todos os estilos buscavam dar visibilidade, mas também fazer com que ela estivesse ali como que guardada, como o elemento de mais importância”, observa Neco.

image Berlinda tornou-se objeto sagrado e identitário da Festa de Nazaré (Igor Mota / Arquivo O Liberal)

A partir dessa construção histórica e simbólica, a berlinda se transformou em mais do que um suporte: virou parte da própria narrativa do Círio. “Ela é um elemento que tem sua própria trajetória. Foi se fortalecendo como elemento sacro e hoje faz parte da identidade da festa”, avalia o historiador.

Presença que extrapola o dia da procissão

A força simbólica da berlinda não se limita ao segundo domingo de outubro. Ela migrou das ruas para dentro das casas, das igrejas, dos comércios. “É quase impossível imaginar o Círio sem a berlinda. E ela também ganha desdobramentos em outros espaços: estabelecimentos comerciais, residências, oratórios. Locais que abrigam a imagem de Nossa Senhora e, muitas vezes, a sua própria berlinda”, relata Márcio Neco.

Esse movimento, segundo ele, revela a potência da criatividade popular — mas também da devoção cotidiana.

“As pessoas passaram a querer ter a sua berlinda. E isso se expandiu para outros Círios, pelo interior do Estado. As paróquias foram adquirindo também suas próprias berlindas”, destaca.

Expansão e sacralidade

Esse processo de expansão não anulou o sentido religioso do objeto. Ao contrário: o reforçou. “A berlinda poderia ser apenas um elemento útil para a procissão, mas extrapolou. Ganhou presença devocional e sacra nas residências, nos altares, nas igrejas”, afirma o historiador.

Mais que um ícone, a berlinda tornou-se parte da experiência do Sagrado na Amazônia. “A simbologia dela se consolidou ao longo da história. Representa algo que acolhe, que abriga, que protege aquela que nos protege. E continua sendo, a cada Círio, um sinal de identidade, fé e memória para o povo paraense”, finaliza.

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