Meu Círio em setembro

Ruth Rendeiro / Especial para O Liberal

Eu não estarei neste Círio de Nazaré em Belém simplesmente porque já tive meu Círio. Foi em setembro. Eu o antecipei. Compromissos profissionais me trouxeram à cidade um mês antes do segundo domingo de outubro. E, entre uma entrevista e outra, um texto e outro, eu fiz minha Trasladação, paguei minhas promessas e repeti o ritual que me leva às lágrimas quando converso em particular com a pequena imagem que tanto representa pra mim.

Não bastasse a ida emocionada ao Santuário, o que faço há tantos anos, que perdi a conta, um encontro casual no estacionamento do Palacete Bolonha me colocou frente a frente à Nossa Senhora de Nazaré. Ela descia do carro para dar continuidade à peregrinação às instituições  e esbarrou em mim. Não acreditei no que via. Ela estava ali, a alguns poucos passos de mim. Apenas chorei copiosamente e a acompanhei, meio em transe, por algumas salas. Sumi e, num cantinho que nem sei mais onde fica, me entreguei à paz, que me envolve todas as vezes que essa proximidade acontece.

A Naza, a quem tanto clamo nas horas de aflição, ratificou a minha fé e aquela pequena imagem novamente se fez luz. Um reencontro de Mãe e filha. Puro carinho e amor. Emoção exalando pelos poros e derramando pelos olhos. Revivi. Agradeci.

No meu Círio de setembro, já paguei minhas promessas, as que há anos entrego após a Trasladação, na véspera da grande procissão. Um par de seios pela cura do câncer e um boneco Huck em agradecimento à saúde de meu filho. Neste ano, contudo, quitei mais uma dívida com minha Mãe de Nazaré. Em uma hora de grande desespero, de novo, recorri a Ela. Ao saber que um sobrinho do coração, de apenas 31 anos, fora infectado pelo Corona, surtei. No auge da luta contra a covid, quando tudo parecia se agravar e ele foi transferido para o CTI, chorei e implorei pela vida dele e prometi entrar na Igreja com ele ao meu lado na primeira vinda a Belém.

Ele deixou o CTI, se recuperou e, sem sequelas, teve alta. A mais de dois mil quilômetros,  eu agradecia e ratificava minha devoção. E assim foi feito. De braços dados, como um casal de noivos andando em direção contrária, chegamos ao altar. Emoção indecifrável de vê-lo ali, lindo e saudável. Ele não escondia a felicidade e eu apenas repetia: obrigada, obrigada, obrigada.

Em 2020, o meu segundo domingo de outubro foi solitário. Eu e minha filha na cidade de Leme, interior de SP, e uma maniçoba preparada e distribuída para os amigos paulistas e muitas preces para que a vacina chegasse logo, que as mortes diminuíssem, que parentes e amigos encontrassem conforto para suas perdas.

Meu Círio deste ano, mesmo em setembro, foi em Belém. Não teve corda, nem multidão, não admirei os jovens com seus uniformes escolares carregando romeiros desmaiados, sequer fiquei na pontinha do pé pra confirmar os gritos da multidão “Lá vem ela”. Não bebi da água doada pelos promesseiros ou cantei acompanhando a música do alto-falante “Ó Virgem Mãe amorosa. Fonte de Amor e de Fé...”, “Maria de Nazaré, Maria me conquistou, fez mais forte a minha fé e por filho me adotou”. Meus olhos não lacrimejaram quando a Fafá de Belém, engasgada pela emoção, me faz mais e mais paraense. “Eu sou de lá- Pois há de ser mistério agora e sempre. Nenhuma explicação sabe explicar. É muito mais que ver um mar de gente, nas ruas de Belém a festejar”.

Em setembro, a multidão fui eu. Renovada de amor e fé.

 

Ruth Rendeiro é jornalista e escritora

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