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Canto para Toquinho

Lorena Filgueiras

 
 
T+M: Falando em Vinicius, seu grande amigo, a morte dele teve um impacto muito grande em ti e lembro que já declaraste que pensaste em parar. O que te fez continuar? Ainda sentes saudades dele? Em quais ocasiões?
Toquinho: Trabalhar com Vinicius de Moraes representou para mim um aprendizado, tanto profissional quanto pessoal. A diferença de idade nunca foi obstáculo para nosso entrosamento. Mesmo porque, em muitos aspectos, Vinicius era muito mais jovem do que eu. Gostávamos das mesmas coisas e colocávamos a vida sempre adiante da arte. Para nós, fazer música era uma consequência do prazer de viver. E esse prazer se renovava a cada canção que ia nascendo. Tinha dias que ficávamos o tempo todo ouvindo a melodia, trabalhando as palavras. Vinicius era também um grande músico, tinha um ouvido interno aguçado. Foram dez anos de uma relação que extrapolou o aspecto profissional, ficando marcada por uma forte amizade que se completava na cumplicidade prazerosa tanto nas composições (acima de cem canções), quanto nos estúdios de gravação (cerca de vinte e cinco discos) e nos mais de mil shows que fizemos no Brasil e no Exterior. Vinicius amava o palco e eu aprendi com ele a comandar um show, e hoje é o que mais gosto de fazer. Dificilmente acontecerá em minha carreira uma parceria tão profícua e importante, consolidada pela generosidade, pela compreensão das diferenças e pela troca de talentos. Enfim, trocamos experiências: eu passei para ele a experiência da juventude; ele me transmitiu a juventude da experiência. E nos completamos na música e na amizade. Depois da morte de Vinicius, do que mais sinto falta é do amigo, dos papos intermináveis, de usufruir daquela sabedoria fluente e tão ensinadora.
 
T+M: Ouvi umas histórias divertidíssimas do Vinicius e fiquei imaginando o privilégio que era conviver com vocês dois. Vi uma sobre, durante uma apresentação, cantando “Eu sei que vou te amar”, ele levantou e a calça dele caiu (e que ele tinha o hábito de não usar cueca!), além dos porres memoráveis e das paixões avassaladoras – você lembra como foi seu último encontro com ele? 
Toquinho: Muitas histórias são folclóricas. Essa da calça, por exemplo, não foi bem assim. Risos. Aconteceu, sim, mas na Av. São Luiz, em São Paulo. Amanhecia e nós saíamos de um bar, livres e felizes. Ao atravessar a rua, com um pé já na calçada, a calça de Vinicius caiu, e ele, como de costume, sem cueca. Uma cena que não deixava de ser poética ao raiar do sol. Risos. E coube a mim levantar-lhe as calças. Vinicius era muito ciumento de tudo. Um dia saí com uma pessoa e deixei ele esperando num lugar. E ele tinha ciúme tanto de homem como de mulher! Bastava me tirar do foco dele. Então, saí com uma namorada em Mar Del Plata, e quando voltei, encontrei ele muito bravo. E tem o detalhe que nunca bebi, me faz mal. E ele bravo, me falou: “Quero te falar uma coisa. Não esquece de uma coisa: a bebida só faz mal pra quem não tem caráter!” No dia 9 de julho de 1980 eu tive o privilégio de passar a madrugada toda com ele conversando sobre músicas, amigos e tocando violão. Ao amanhecer do dia, ele morreu na banheira, quase nos meus braços, sem que eu pudesse fazer nada.
 
T+M: Meu pai era professor e em casa não podia entrar TV... e meus primeiros contatos com música foram composições infantis suas e do Vinicius. Aquarela foi uma das primeiras músicas que decorei – recebes muitos desses relatos? De adultos, como eu, que cresceram ao som das tuas canções? Achas que é possível voltar a realizar algum trabalho infantil?
Toquinho: Eu me divirto fazendo músicas infantis. E mesmo porque é preciso ter muito humor pra se fazer músicas infantis. Quem não tem humor é melhor nem tentar. Outra coisa: há que ter humildade, despojar-se de coisas que se aprendeu, escalas, harmonias, teorias musicais. E fazer o que o som pede, o que a canção pede pra ficar audível, agradável. E essa linguagem é muito difícil porque não se pode subestimar a criança e não se pode fazer qualquer bla-bla-bla. Por isso as canções ficam eternizadas por gerações e provocam emoções a ponto de as crianças revelarem por meio de cartas e outras maneiras. E os pais se envolvem levados pelo envolvimento dos filhos.
 

"E ele [Vinicius] bravo, me falou: “Quero te falar uma coisa. Não esquece de uma coisa: a bebida só faz mal pra quem não tem caráter!”

 
T+M: O que gostas de ouvir, Toquinho? Quando estás de folga e tens tempo, o que mais gostas de fazer também?
Toquinho: Gosto de jogar sinuca e ir ao cinema de vez em quando. Quanto ao ouvir músicas, tenho minhas gravações preferidas. Quando sobra tempo ouço-as.
 
T+M: Eu imagino quão difícil seja para um artista dizer qual de suas obras é a favorita, mas levando em consideração o processo criativo, as histórias por trás delas, qual composição tua te é mais querida ou fala mais alto ao teu coração?
Toquinho: Ao coração todas falam. Algumas fazem com que ele (coração) grite. “Tarde em Itapoan”, “Regra três”, “Aquarela”, “O caderno”, por motivos diversos, estão entre elas.
 
T+M: O que tens em mente, quando planos para o futuro estão na pauta?
Toquinho: Deixo que o futuro se encarregue de pautar os planos na sequência do   cotidiano.
O Liberal