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Automedicação: o perigo que começa com ‘só um remedinho’

O costume de se automedicar esconde riscos invisíveis e reforça uma cultura perigosa de descuido com a saúde

Laura Serejo*

O uso dos famosos “remedinhos”, como analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, sem prescrição médica aciona alertas sobre os perigos desse hábito tão banalizado, segundo especialistas ouvidos pelo Jornal O Liberal. A automedicação, embora vista por muitos como um atalho para o alívio de sintomas, pode custar caro à saúde, levando desde reações adversas até o agravamento de doenças mais sérias.

A presidente do Conselho Regional de Farmácia do Pará (CRF-PA), Carolina Heitmann, alerta que os riscos vão muito além de efeitos colaterais leves. “Reações adversas, incluindo alergias, efeitos colaterais ou até intoxicações, podem levar a óbito”, explica. Um dos maiores perigos é o mascaramento de doenças graves, já que o alívio temporário dos sintomas pode atrasar o diagnóstico correto.

Dentre outros alertas, estão: interações medicamentosas perigosas, quando alimentos, bebidas ou outros remédios alteram o efeito esperado de um fármaco, além da dependência causada por certos produtos, como analgésicos, sedativos e descongestionantes nasais.

Uso indevido de antibióticos e resistência bacteriana

O uso incorreto de antibióticos também pode representar grandes riscos à saúde. “Isso contribui para o surgimento de bactérias resistentes. Por conta dessa situação, hoje os antibióticos e antimicrobianos são dispensados apenas com prescrição médica”, reforça.

Segundo a presidente do CRF, os medicamentos mais utilizados de forma inadequada incluem analgésicos e antitérmicos como dipirona, paracetamol e ibuprofeno; anti-inflamatórios como diclofenaco e nimesulida; descongestionantes nasais (oximetazolina); e antiácidos como omeprazol. “Também há uso indiscriminado de remédios que exigem prescrição, como antibióticos (amoxicilina, azitromicina) e ansiolíticos (diazepam, clonazepam)”, afirma.

image Werônica Magalhães, 22 anos (Foto: Adriano Nascimento | Especial para O Liberal)

Automedicação como comportamento cultural

O farmacêutico André Eluan, de Belém, a automedicação já pode ser considerada um traço cultural no Brasil. “Infelizmente, sim. Isso pode estar relacionado à facilidade de acesso a medicamentos, à crença de que certos sintomas sempre significam a mesma coisa ou até pela busca por alívio imediato”, afirma. Segundo pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), 89% dos brasileiros com mais de 16 anos já se automedicaram em algum momento.

Esse hábito, segundo ele, tem raízes históricas e sociais. “A cultura de receitas caseiras, o compartilhamento de medicamentos entre familiares e vizinhos e a famosa ‘farmacinha’ com sobras de remédios em casa são alguns dos elementos que sustentam esse comportamento.”

Nem todo remédio popular é inofensivo

Segundo André Eluan, muitas pessoas tendem a subestimar os riscos de medicamentos populares justamente por estarem presentes na rotina. “São medicamentos comuns, ‘normalizados’ na prática popular como inofensivos”, alerta.

Os remédios vendidos sem prescrição podem apresentar riscos. “Mesmo esses têm efeitos colaterais, contraindicações e interações com outros medicamentos, alimentos ou álcool. O uso inadequado também pode mascarar sintomas e agravar uma condição que seria facilmente controlada por um profissional, se tratada a tempo.” observa o farmacêutico.

Entre os principais erros cometidos por quem se automedica, ele cita: subestimar os efeitos adversos, misturar medicamentos sem conhecer as interações e usar antibióticos sem recomendação médica.

Grupos mais vulneráveis: crianças e idosos

Crianças e idosos estão entre os grupos que mais correm riscos com a automedicação. “As crianças ainda estão em formação e podem sofrer intoxicações com doses inadequadas. Já os idosos, muitas vezes com comorbidades e usando diversos medicamentos ao longo do dia, enfrentam risco elevado de interações medicamentosas, que podem gerar consequências inesperadas”, explica André Eluan.

A importância do farmacêutico na orientação correta

Para combater o problema, o CRF defende a valorização da orientação farmacêutica. “O farmacêutico é um profissional capacitado para orientar o uso correto dos medicamentos, a posologia, as interações e minimizar os riscos. Também é responsável por orientações não farmacológicas, como repouso, hidratação e alimentação”, afirma Carolina Heitmann. Ela defende que o farmacêutico deve ser reconhecido como agente de promoção da saúde.

Entre as medidas eficazes para mudar esse cenário estão campanhas educativas nas mídias tradicionais e digitais, alertas nas embalagens, educação em saúde e capacitação de profissionais da atenção primária. A presidente do CRF-PA reforça que combater a desinformação nas redes sociais é essencial. “É necessário valorizar o farmacêutico como multiplicador de informações e combatente das fake news”, pontua.

O CRF-PA, em parceria com o Conselho Federal de Farmácia, desenvolve ações concretas, como a campanha “Uso Racional de Medicamentos”, eventos educativos para capacitação de farmacêuticos clínicos e parcerias com instituições públicas e privadas. A fiscalização dos estabelecimentos e o uso ativo das redes sociais também integram os esforços da entidade.

Evitar automedicação é essencial para diagnóstico e tratamento corretos

Os cuidados para evitar a automedicação fazem toda a diferença na vida da estudante de Publicidade e Propaganda Werônica Magalhães, 22 anos, de Belém. Em fevereiro, quando começou a apresentar sintomas como febre, dor de cabeça e mal-estar, ela buscou logo fazer exames e evitou o uso de antibióticos por conta própria. Só após uma série de exames, veio a confirmação de tuberculose pleural.

image Werônica Magalhães guardando seus medicamentos (Foto: Adriano Nascimento | Especial para O Liberal)

"Como os sintomas não eram específicos, eu tinha muito receio de iniciar qualquer tratamento. Pensava nos efeitos colaterais e na possibilidade de piorar o quadro”, conta. Durante o processo de diagnóstico, Werônica chegou a ser tratada inicialmente para pneumonia, com antibióticos prescritos por médicos. “Antes mesmo disso, eu tomei apenas remédios para dor de cabeça e febre, por causa das crises constantes”, diz.

Rotina adaptada e consciência reforçada

Desde o início do tratamento, Werônica tem se mantido rigorosa com os horários e cuidados. “Procuro tomar o remédio sempre no mesmo horário, o que exigiu mudar toda a minha rotina. Em julho, que é mês de férias, foi mais difícil manter isso, por causa de passeios e viagens”, relata.

Ela percebeu que seguir à risca as orientações médicas fez toda a diferença. “Senti os efeitos do remédio serem mais eficientes. Mesmo os colaterais, que foram bem intensos no início, foram diminuindo com mudanças simples, como melhorar minha alimentação”, afirma.

História familiar também influencia escolhas

A preocupação de Werônica com o uso correto de medicamentos também tem origem familiar. Ela relembra um episódio vivido por sua avó, que teve uma queda de pressão após tomar remédios inadequados, mesmo com orientação médica. “Ela precisou ser levada ao pronto-socorro. Aquilo fez nossa família repensar o modo como lidamos com remédios”, conta.

Para Werônica, o principal alerta é sobre a incerteza diante de sintomas. “Às vezes parece algo simples, mas pode ser algo mais grave. O medicamento pode interferir no diagnóstico ou até piorar o estado de saúde”, reforça.

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