Pará tem a primeira comunidade quilombola titulada

EXEMPLO - É a de Boa Vista, no município de Oriximiná, no oeste paraense. Uma conquista resultado da luta da população negra no Estado.

Tainá Cavalcante

A abolição dos escravizados no Brasil ocorreu pouco tempo antes da Proclamação da República, em 1888, com a assinatura da Lei Áurea. Em 1889, a República foi proclamada e o país deixou de ser um império. Muitos republicanos, mas também muitos monarquistas, eram abolicionistas. Alguns, inclusive com projetos de abolicionismo mais radicais do que o que veio se concretizar com a Lei Áurea, segundo a historiadora Roberta Tavares, que cita como exemplo o monarquista André Rebouças, intelectual negro e engenheiro “que queria um abolicionismo que viesse junto com a reforma agrária, distribuição de terras para os egressos da escravidão e etc".

"A retórica oficial republicana que se criou depois do golpe da República é de que tudo que representava progresso era relacionado à República e tudo que representava atraso à Monarquia, mas as coisas não são dessa forma simplória. Não que a Monarquia deva ser defendida, mas a República também, do ponto de vista da inclusão, foi um fracasso, uma decepção", explica Roberta, que é pesquisadora integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa da Escravidão e do Abolicionismo na Amazônia (Gepeam) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

"Por outro lado, não podemos esquecer que os movimentos dos próprios escravizados e ex-escravizados na década de 80 do século 19 e antes dela, mas principalmente nela com o acirramento do abolicionismo, pressionaram a monarquia para assinatura da Lei Áurea. A pressão social era tamanha que não se pôde mais segurar, então se assinou a lei principalmente porque havia um pânico, um medo de que aqui acontecesse uma revolução como a que teve no Haiti", pontua.

Para a pesquisadora, quilombola oriunda do Baixo Bujaru, da comunidade do Cravo, isso precisa ser levantado porque "se fala muito de uma certa classe média branca ligada ao abolicionismo, mas a verdade é que o grosso dele estava também disseminado na população comum e nas próprias comunidades negras".

EXEMPLO

Um claro exemplo de experiência popular com ações mais radicalizadas, segundo Roberta, está no Pará, mais precisamente em Benevides, "onde tivemos, em determinado momento, até episódio de arrombamento de cadeia para tirar uma mulher cativa presa pela polícia. Benevides virou reduto de escravizados fugidos na década de 80" e que foi pioneira se tornando livre da escravidão antes de 1888. "Tivemos também, aqui em Belém, um intelectual negro e jornalista chamado João da Cruz. Oriundo do Maranhão, radicado aqui e dono de jornal, ele foi um grande ativista na causa da abolição. Há ainda outros exemplos, mas o que quero dizer é que o abolicionismo foi protagonizado também pela população negra e comum", defende.

Questionada sobre como ficou a realidade da população negra no Estado após a abolição, a historiadora, que desenvolve pesquisa sobre a escravidão negra no vale do rio Bujaru da segunda metade do século 19, responde que "não muito diferente do restante do Brasil", ao pontuar que essas pessoas ficaram "morando nas áreas periféricas, sem o mínimo de saneamento básico, comunidades rurais negras - quilombolas ou não - sem acesso médico, escolar, muitas com suas terras sobre violação de grileiros, mas mesmo assim resistindo e construindo caminhos para acessar direitos".

Sobre a visão do governo republicano do Estado em relação aos ex-escravizados, Roberta diz que também não era muito diferente do restante do Brasil no que tange à "subalternização compulsória dessas populações". "Porém, aqui tivemos uma experiência de intensa mobilização das comunidades quilombolas, o que fez com que, por exemplo, tivéssemos o primeiro caso de comunidade quilombola titulada no Brasil", acrescenta, referindo-se à comunidade de Boa Vista, em Oriximiná. "Mas isso é conquista de luta, luta que fez também com que fossemos o Estado brasileiro com maior número de comunidades quilombolas tituladas no país", ressalta.

AMEAÇA

Ela ainda expõe que, a seu ver, "a República tem mais dívida e história de violência com a população negra do que o contrário, pois o que se conseguiu de direitos no período republicano foram conquistas a preço de muitas lutas e pressão do próprio movimento negro" e que, na atualidade, a situação dessas populações de ex-escravizados "é muito delicada, para não dizer perigosa, porque infelizmente estamos num momento histórico que tende para o retrocesso em relação aos direitos já conquistados".

"Nunca tínhamos tido um momento tão ameaçador para a vida e dignidade das comunidades quilombolas depois da constituição de 1988 como estamos tendo agora. Momento em que o governo federal, na representação da Presidência e de seus ministérios, não esconde que é totalmente contrário aos direitos ancestrais dos quilombolas, direito a terra e outros...", lamenta, ponderando que "a história das populações negras é de luta e protagonismo por existência e dignidade em toda e qualquer parte desse continente e na Amazônia não é diferente".

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