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Parentas conectadas: mulheres lutam à frente do movimento indígena

Resistência dos povos originários ganhou força com o uso da tecnologia durante a pandemia

Dayane Baía
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O Dia da Amazônia, celebrado em 5 de setembro, é também o Dia Internacional da Mulher Indígena. Instituída em 1983, durante o II Encontro de Organizações e Movimentos da América, em Tihuanacu (Bolívia), a data homenageia a memória da execução de Bartolina Sisa, durante a rebelião anticolonial de Túpaj Katari, no Alto Peru.

A data também remete ao papel cada vez mais potente desempenhado pelas mulheres indígenas em defesa de suas famílias e povos nas diversas etnias. Essa força tem se expandido nos últimos dez anos e colabora com vozes como os indígenas Ailton Krenak e Davi Kopenawa, cujas obras são referências em nível mundial, desde a década de 1970, quando iniciou o Movimento Indígena.

Para Concita Guaxipiguara Sompré, da etnia Gavião Kyikatêjê, a participação das mulheres no movimento não é recente, apenas ganhou mais visibilidade, principalmente pelas redes sociais. “Outras guerreiras ancestrais já fizeram a frente nessa luta junto aos homens com menos visibilidade. Vejo que as mulheres indígenas têm ocupado vários espaços e isso só foi permitido através da tecnologia mesmo”, destaca Concita.

Durante o auge da pandemia, as vozes das mulheres ecoaram a partir do uso da tecnologia e da internet. Com a participação em lives durante o isolamento, as mulheres perceberam a importância da visibilidade e apoio para a causa indígena.

image A administradora e professora de língua portuguesa Concita Sompré desenvolve com os alunos trabalhos audiovisuais de fortalecimento da língua indígena (Nailana Thiely / Ascom Uepa)

Redes virtuais possibilitaram a articulação em defesa das comunidades diante do alto contágio que encontrou nos indígenas a população mais vulnerável. “Começamos a criar grupos de WhatsApp e vimos que a tecnologia nos ajudou no enfrentamento da covid-19, no pedido de socorro. Fazíamos reuniões de mulheres todas as segundas-feiras para tratar do assunto, saber sobre suas angústias e seus choros pela morte dos que tinham tombado pela covid”, acrescenta.

Os esforços foram importantes para fortalecer campanhas como a “Vacina Parente”, encabeçada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que incentivou o combate à fake news e a importância do esquema vacinal para pessoas aldeadas, em cidade, em situação de migração, mobilidade transnacional ou fora de áreas demarcadas.

O termo parente, inclusive, é uma identificação entre indígenas, mesmo que de etnias diferentes e sem consanguinidade. A palavra refere-se ao compartilhamento de interesses comuns a todos como os direitos coletivos, a história de colonização e a luta pela autonomia sociocultural dos povos. Parenta é o feminino de parente.

Essa essência compartilhada aliada aos recursos tecnológicos permitiu a criação da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), outra conexão que fortalece a resistência a partir da atuação das indígenas.

Recursos educacionais

A pandemia também foi um desafio para a educação durante o distanciamento social, sobretudo na execução de aulas por ensino remoto. Entre as dificuldades estava o próprio acesso à internet nas aldeias que é viabilizado, na maioria das vezes, pela mobilização interna, na ausência de políticas públicas efetivas que garantam a conectividade nos territórios indígenas.

Com a liberação das medidas restritivas, e o retorno das aulas presenciais foi possível avançar no uso de metodologias a partir do conhecimento tradicional com o apoio da tecnologia, principalmente as multifunções do celular que dão suporte às gravações do saber oral transmitido pelos mais velhos às gerações seguintes.

Concita Sompré é administradora e professora de língua portuguesa. Atualmente, é diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Tatakti Kyikatêjê. “Costumamos fazer audiovisuais, colocando os meninos para fazer essas pesquisas com os mais velhos, no cotidiano da comunidade, das festas culturais; as fotos são muito utilizadas, as imagens. Temos utilizado bastante essas ferramentas dentro da sala de aula”, comenta a diretora da escola indígena.

image Turma de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Pará (Uepa) (Nailana Thiely / Ascom Uepa)

As gravações são importantes para manter viva as línguas indígenas, com o registro da oralidade, como explica a diretora que também foi aluna da primeira turma de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade do Estado do Pará (Uepa).

“A licenciatura me permitiu também trazer para a sala de aula, como professora, o trabalhar da língua portuguesa para a língua indígena porque tem muitas comunidades que hoje não falam a sua língua, ou estão em risco de perder a sua língua, como é o caso da minha aldeia. A língua está em risco de morte, se a gente não fizer uma intervenção agora, daqui a 20, 30 anos, talvez essa língua deixe de existir. Vai ficar registrada, claro. Estamos usando a tecnologia para isso, estamos fazendo gravações, tentando usar de todas as formas os recursos tecnológicos para que essa língua não se perca”, pontua Concita.

A força da ancestralidade

Márcia Wayna Kambeba é doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Pará (UFPA). “A minha pesquisa trabalha as narrativas orais indígenas do povo Kambeba, interligando esse território na Pan-Amazônia, especialmente os do Brasil e do Peru. Dentro dessas narrativas aparecem várias reivindicações e lutas por direitos, como as políticas públicas que, de fato, venham a contribuir com a nossa causa”, explica.

image Márcia Wayna Kambeba: “Se usada de maneira correta é uma grande ferramenta de divulgação, mas se for da maneira errada pode trazer ainda mais sofrimento e violência pelos estereótipos” (André Oliveira / O Liberal)

Nascida em aldeia, Márcia traz uma vivência que se modifica quando ela vai, aos 9 anos, para o município amazonense de São Paulo de Olivença, no alto rio Solimões. A criação pela avó Assunta Kambeba a ajudou a ver do sofrimento pelo racismo e preconceito um degrau para alcançar um nível mais alto na vida. 

“Ela dizia: nunca queira ser melhor do que ninguém, mas entenda, ninguém é melhor do que você. E a forma de contar isso sem chorar, apesar de me emocionar, eu encontrei na poesia e na literatura”, afirma Márcia, que já tem quatro livros publicados e hoje integra a Academia Internacional de Literatura Brasileira nos Estados Unidos.

Para a pesquisadora, a ancestralidade é um aspecto que une os povos indígenas e orienta também a ação das mulheres na resistência. Ainda que a cultura se transforme através do tempo, seja cíclica, há uma essência que perpassa as gerações. “Katia Gavião, a primeira mulher cacica do povo Gavião e Juma Xipaia, que sofre ameaças, são exemplos de lideranças que carregam a ancestralidade que as move para a luta, uma relação de pertencimento com os povos”, cita a pesquisadora.

As mulheres sempre tiveram a sabedoria para ocupar posições de liderança e de fazer articulações em prol dos seus povos. Os encontros como a Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, têm o suporte dos homens que atuam como guardiões e providenciam toda a logística de alimentação, por exemplo, para que elas continuem nos debates e discussões políticas. “Essas lutas se fortalecem quando homens e mulheres mutuamente se respeitam e se tornam um só. Ninguém está ali querendo ser melhor do que o outro, caminhamos lado a lado, de braços dados e mãos unidas”, acrescenta Kambeba.

Para Márcia, a tecnologia tem ecoado essas iniciativas e as vozes de pessoas e instituições que defendem os direitos indígenas. “Posso fazer uma live pelo computador e o parente participa lá da aldeia dele e isso vai fortalecendo. Temos o clube de literatura de mulheres indígenas, em que fazemos encontros virtuais para tratar da escrita como ferramenta de resistência; também cresce cada vez mais o número de mulheres indígenas escritoras”, destaca.

Entretanto, a pesquisadora alerta sobre o risco de superficialidade nas redes sociais sobre questões que podem reforçar preconceitos relacionados aos indígenas e é importante buscar informações de qualidade. “Se usada de maneira correta é uma grande ferramenta de divulgação, mas se for da maneira errada pode trazer ainda mais sofrimento e violência pelos estereótipos”, pontua.

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