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Medicina da floresta: sabedoria popular dá suporte para cientistas

O Liberal
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Algumas pessoas têm claramente na memória o cenário da avó fazendo misturas de plantas ou de outras substâncias retiradas da natureza para fazer preparo de remédios caseiros. Essa cultura faz parte de diferentes comunidades habitantes da floresta, seja ribeirinhos, indígenas ou quilombolas. Um conhecimento milenar e que ultrapassa a fronteira desses espaços. Mas pesquisas já apontam que a população mais jovem destas comunidades apresenta desinteresse pela sabedoria popular.

A dona Raimunda Bárbara dos Santos, 70, nascida e criada no quilombo Mocambo, no nordeste paraense, traz consigo aprendizados repassados pela mãe e avó acerca de plantas, matos e ervas cultivados no seu quintal. A idosa é constantemente procurada por moradores do local quando estão com qualquer tipo de mal-estar ou saúde fragilizada.

“Quando as pessoas estão com dor no estômago, dor de cabeça, ou qualquer outro mal-estar elas sempre me procuram para receber receitas naturais. Eu tenho as plantas no meu quintal e dou. Isso vem desde quando eu era criança, que minha mãe ensinava e minha avó também”, diz a idosa.

Dona Bárbara diz que sempre se utilizou destes recursos para o consumo próprio, mas nos últimos anos quando começou a ter problemas de saúde, como hipertensão arterial, ela passou a fazer uso de remédios farmacêuticos. “Como eu passei a ter esse problema de pressão alta e também um problema no útero, eu fui ao médico e ele me receitou medicamentos farmacêuticos e eu tomo normalmente”, destacou dona Bárbara.

De acordo com o professor doutor Wagner Luiz Ramos Barbosa, da Faculdade de Farmácia, ICS-UFPA e do Programa de Pós-graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia do Núcleo de Meio Ambiente-UFPA , o uso de plantas medicinais não é uma atividade eletiva para as comunidades é uma atividade que faz parte do dia a dia de comunidades quilombolas , ribeirinhas , pesqueiras, pelo fato dos problemas de saúde urgentes possam ser resolvidos pela própria comunidade. E essa atividade conta com pessoas de mais idade e que possuem de experiência acumulada.

image (Igor Mota / O Liberal)

A professora doutora Iracely Rodrigues da Silva, coordenadora do Laboratório de Educação, Meio Ambiente e Saúde (Lemas), explica que essa sabedoria geralmente vem de mãe para as filhas e são preservadas nos usos frequentes desses recursos da floresta. “A gente trabalha no campo da fitoterapia tradicional. São tratamentos feitos de matéria-prima vegetal e que as comunidades amazônicas usam a partir dos seus saberes tradicionais e não de efeitos comprovados”, explica a professora e pesquisadora.

Pesquisadores fazem resgate de saberes que não interessam aos jovens

Um dado importante na pesquisa da professora Iracely Rodrigues da Silva e que tem gerado preocupação é com relação à falta de continuidade por parte dos jovens da comunidade para com a sabedoria popular.

“Estamos percebendo na última década que está caindo muito o nível de informações das comunidades amazônicas devido à juventude não se importar com essa tradição. Os mais velhos estão morrendo e estão levando consigo os saberes e estamos atrás para registrar, pois estamos perdendo muitas informações que são espécies chaves e que geneticamente possuem potencial importante para resolver”, destaca a pesquisadora.

Diante disso, a área de sua pesquisa serve como se fosse uma ponte para que outras áreas possam chegar até a medicina. “Fazemos o papel da ponte da medicina tradicional para que outras áreas possam aprofundar o que a gente inicia, a gente dá a deixa para que outros estudos científicos possam dar direção e chegar na medicina e em outros campos”, explica a pesquisadora.

Tradição e ciência

image (Ronaldo Rosa / Embrapa)

O Laboratório de Educação, Meio Ambiente e Saúde da UFPA do campus de Bragança trabalha no ramo que estuda a aplicação das plantas no tratamento de saúde.  É uma área interdisciplinar que estabelece relação de integração e complementaridade de vários campos do conhecimento, que envolve a química, a botânica, a toxicologia , história, geografia e que forma uma rede de conhecimento que precisa ser levantado para entender sobre estes saberes.

O objetivo maior é registrar os saberes, buscar informações científicas que possam comprovar os efeitos destes tratamentos e seus riscos. "A gente procura conhecer o saber tradicional sobre aquele tratamento fototerápico e dessa forma procura buscar por meio da literatura científica quais são os efeitos que possam ser comprovados quando uma dada comunidade diz que o tratamento serve para curar um tipo de dor”, destaca a professora Iracely Rodrigues.

Da mesma forma, o professor Wagner Luiz Ramos Barbosa explica que o seu objeto de estudo se respalda e tenta traduzir a sabedoria popular para a linguagem científica. “Vamos produzindo artigos, livros, teses e dissertações. Não é um trabalho essencialmente antropológico e sociológico, até porque nossa formação não é nessa área, nossa perspectiva é atuar na interface entre ciência farmacêutica e demais áreas do conhecimento utilizando uma biotecnologia farmacêutica ou uma biotecnologia social, já que estamos lidando com pessoas, plantas e sistemas de entendimento e percepção dos fenômenos relacionados ao uso destas plantas” destaca o pesquisador.

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