TANTO MAR: REGISTROS E IMPRESSÕES DE PORTUGAL

Por Anna Carla Ribeiro

Quinzenalmente, a jornalista paraense Anna Carla Ribeiro, que está residindo em Lisboa, irá apresentar locais, pessoas e tradições bem marcantes de Portugal, que tem íntima relação com o Brasil e os paraenses. O conteúdo também está disponível em Oliberal.com.| anna.ascom@gmail.com

Há muito mais que pão na Padaria do Povo

Espaço histórico reúne boa comida e cultura em Lisboa, Portugal

Anna Carla Ribeiro
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Se existe uma coisa que as cidades de Belém do Pará, no Brasil, e Lisboa, a capital de Portugal, têm em comum, é que ambas escondem verdadeiros tesouros gastronômicos em restaurantes que não prezam por grandes requintes. Um desses achados lisboetas fica escondido no tranquilo e arborizado bairro de Campo de Ourique. Para quem nunca foi, não deixa de ser curioso. Uma “padaria” que não vende pão, a não ser como porção de couvert. Assim é a Cooperativa Padaria do Povo: um centro artístico-cultural cheio de histórias para contar e uma ótima pedida para se tomar “um copo”, como aqui dizem, e jantar com os amigos.

 

Padaria do Povo - Portugal

 

Logo que se pisa ali, fica claro que o lugar está longe de ser um ambiente imperceptível. A longa e imponente fachada amarela do prédio, que contrasta com os antigos azulejos predominantemente brancos, mas com traços em marrom, azul, vermelho e verde, não passa desapercebida para quem atravessa a Rua Luís Derouet.  O restaurante da Padaria do Povo caiu no gosto dos clientes com uma estratégia de propaganda mais antiga que a própria Cooperativa: foi no tradicional boca-a-boca que ficou conhecido por servir um bom cardápio português, mas sem deixar de lado pratos clássicos de outros países, como a Cachupa, típica de Cabo Verde. 

Os carros-chefes da casa são lusitanos: o Choco Frito (um molusco muito conhecido em Portugal que parece ser “primo” da lula), os Croquetes de Carne e os queridinhos dos brasileiros – os Pastéis (no Brasil, Bolinhos) de Bacalhau, estes dois últimos vendidos a apenas 1 € a unidade. Também há grande saída de pratos como o Bitoque (que lembra o Bife a Cavalo), muito tradicional em Portugal. No geral, os preços são acessíveis e a qualidade da comida, surpreendente.   

Os donos apostam numa proposta que parece estar dando certo. “Nós oferecemos uma comida simples, mas bem-feita. Queremos que o restaurante cresça organicamente, através da satisfação dos clientes”, ressaltou André. Logo que se sobe a longa escada de madeira para chegar ao restaurante, não é incomum esbarrar em grandes salões com aulas de dança, como a gafieira, e se perder em ambientes repletos de objetos retrôs. Apesar de ser um local bastante conhecido – e inclusive disputado – entre os moradores das zonas próximas, ainda é um destino desconhecido para a maioria dos turistas, o que dá um charme especial ao restaurante. Além disso, estar ali é também adentrar numa parte da história de Portugal.

A Cooperativa foi fundada em 17 de outubro de 1904, pelo rei Dom Carlos I, a pedido da sua mulher, a rainha Dona Amélia, com o intuito de ser um local de auxílio aos mais necessitados. “Isto era mesmo uma padaria. Foi criada por eles e por mais uns burgueses aqui da zona para dar pão às pessoas pobres”, contou um dos sócios do restaurante, André Costa. Ainda hoje, na área da esplanada, é possível ver a grande chaminé construída para o nobre objetivo.

Porém, pouco tempo depois, a Cooperativa ficou marcada como local de resistência, até mesmo em relação à monarquia. “A padaria sempre foi uma instituição antissistema. Foi criada pelo rei, mas no lugar existiam reuniões antimonárquicas. Depois, quando veio o Estado Novo, havia reuniões antifascistas. A Cooperativa também foi prejudicada por causa disso. Na época da ditadura, acabou por não produzir mais pão. Houve um senhor que me contou que, na altura, quando vinha cá a polícia em busca dos rebeldes, esses escondiam-se nos enormes fornos inativos da antiga padaria”, ressaltou André. 

Apesar das dificuldades, a Padaria do Povo se manteve. A Cooperativa sempre teve um bar próprio. Mas, por volta de 2004, Vasco Loução, hoje sócio de André Costa, abriu no ambiente um novo bar, dessa vez terceirizado. Depois, entre os anos de 2016 e 2017, já com André Costa como sócio, a estrutura do negócio passou a se modificar. “Ao longo dos anos isso foi se transformando num restaurante. Nós estamos aqui a explorar o espaço. Mas, na prática, nós ajudamos a Cooperativa, que nesta altura não tem pessoas suficientes para tomar conta disto. Tanto eu quanto o Vasco temos algum gosto em dar vida a isto”, explicou Costa.    

Além das aulas de dança comumente presenciadas pelos clientes do restaurante, na Cooperativa, vez ou outra, há também programações culturais, como o Stand Up Comedy, que ocorre quinzenalmente, às quintas-feiras, com entrada a 5 € (que dá direito a uma bebida). Para os interessados em ir ao restaurante, convém fazer reserva. Mesmo nos dias conhecidos pelo pouco movimento, como às segundas-feiras, é possível que o restaurante fique cheio. “É algo imprevisível”, garantiu André.

Serviço: Padaria do Povo (aberto todos os dias, das 12h às 00h). Endereço: R. Luís Derouet 20A, 1350-135 Lisboa. Telefone: +351 21 362 0464.  

 

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