Distâncias aumentam o abismo do acesso a serviços básicos no Marajó

Para alcançar direitos como educação e saúde, ribeirinhos precisam vencer barreiras geográficas e logísticas diárias

Camila Guimarães e Dilson Pimentel

O arquipélago do Marajó é considerado a maior ilha marítimo-fluvial do mundo, cercada pela foz do rio Amazonas e pelo oceano Atlântico, no norte do Pará. Formado por 16 municípios, são cerca de 50 mil km² de extensão - território maior do que muitos países europeus e alguns estados brasileiros, como Sergipe (21 km²) e Alagoas (27 km²). Com relação ao Pará, o Marajó corresponde a aproximadamente 8% do território (IBGE 2010).

image Famílias aguardam transporte em Melgaço: longínquas escalas para a cidadania (Tarso Sarraf / O Liberal)

Toda essa grandeza impõe distâncias que, muitas vezes, tornam-se desafios gigantescos à vida da população, uma vez que o acesso à saúde, educação e outros serviços básicos se diluem e se espalham ao longo dos metros quadrados. Sem que a assistência básica consiga alcançar todas as localidades, não resta, aos moradores, outra opção a não ser se deslocar.

Tempo é um dos preços pagos para viver nas ilhas


Em relação a Belém, capital do Estado, os municípios marajoaras podem ser considerados geograficamente distantes: ir de Belém até Breves – a mais populosa cidade do Marajó –, por exemplo, leva, em média, de 12 horas de viagem, por meio de navio. Porém, não são as distâncias exteriores, mas aquelas dentro do próprio território, que mais chamam atenção.

Marajó

 

De Breves para Melgaço, município do Marajó que tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, a viagem pode levar uma hora de lancha, que é uma embarcação considerada veloz. E, de Melgaço para Portel, segunda maior cidade do arquipélago, com mais de 25 mil km², são necessários mais 30 minutos de lancha.

Para se ter ideia da grandiosidade do município, viajar entre a zona rural de Portel e o centro da cidade pode levar o dobro do tempo necessário para sair do município em direção à capital paraense: de Portel para Belém, demora cerca de 14 ou 16 horas de navio, mas, de algumas comunidades na zona rural até a sede de Portel pode levar até 30 horas, de barco.

Vida se apressa nos caminhos


Habitar em meio a distâncias significa percorrer longos caminhos impostos entre a morte e a vida. No Marajó, a metáfora, na verdade, é literal, comprovada pelo testemunho de Maria do Socorro dos Santos Nobre, moradora da zona rural de Melgaço, município onde 69,3% dos moradores vivem abaixo da linha da pobreza e a taxa de mortalidade infantil é de 18,52 óbitos por mil nascidos vivos – maior do que a taxa do Pará (14,86) e do Brasil (17,2). Os dados são do IBGE (2010).

No dia 10 de maio de 2022, Maria, aos 35 anos de idade, precisou pilotar uma rabeta (tipo de canoa motorizada) sozinha, ao longo de três horas, para chegar até o Hospital Municipal de Melgaço, em pleno trabalho de parto. No dia seguinte, ela deu à luz ao quinto filho. A viagem durou cerca de 18 vezes o tempo que ela levou em trabalho de parto ativo (aproximadamente 10 minutos) para trazer a pequena Patrícia ao mundo.

A prima de Maria, Maiara da Silva, de 24 anos, foi até o hospital acompanhar o procedimento. “Ela pesca, vai para o mato. É só ela e os meninos. Ela se vira”, disse Maiara sobre a prima. Ela também contou que, atualmente, está fazendo um curso de técnico de enfermagem para que, assim, possa ajudar outras mulheres do município com a sua profissão.

O diretor do Hospital Municipal de Melgaço, Eliseu Cavalcante, está no cargo há um ano e diz que o hospital registra praticamente um parto por dia. “Dificilmente passam dois ou três dias sem fazer parto. Só hoje foram três”, disse, incluindo o procedimento feito em Maria. Ele informa que, em sua maioria, as mães são mulheres jovens, entre 18 e 25 anos. Muitas delas moram na zona rural.

image Transporte por rios ampliaram desafios do coronavírus (Tarso Sarraf / O Liberal)

Distâncias se impuseram ao combate à pandemia


No Marajó, as grandes distâncias pareciam não ser um problema apenas para o novo coronavírus, que rapidamente se espalhou pelas ilhas ainda no primeiro semestre de 2021, auge da pandemia. A cidade de Breves, por exemplo, se destacou por ter alcançado o maior índice de infecção pelo vírus já registrado no país e no mundo, com 25% da população infectada. Ao todo, o arquipélago já somava 1.575 casos e 126 mortes causadas pela pandemia no fim de maio de 2020.

Nesse período, muitos pacientes com covid-19 foram transportados das cidades do Marajó para Belém em busca de atendimento médico - uma corrida contra o tempo: 209 transferências via asa rotativa e 82 transferências via asa fixa foram feitas em 2020; 285 transferências via asa rotativa, e 19 via asa fixa, foram feitas em 2021 – informa a Secretaria de Estado de Saúde do Pará (Sespa). Muitos pacientes também precisaram ser transportados em ambulâncias aquáticas, chamadas de "ambulanchas", adaptadas para fazer esse tipo de transporte.

Hoje em dia, equipes de saúde enfrentam as distâncias para levar vacinas até as comunidades. Ainda em maio, a Prefeitura de Melgaço vacinou crianças, adolescentes e adultos, enviando os profissionais de saúde por meio de lanchas.

Comunidade luta para se aproximar da educação


Uma ação do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará (TCM-PA), realizada entre o fim de 2021 e o primeiro semestre de 2022, visitou 136 unidades educacionais rurais e urbanas do arquipélago do Marajó e atestou que a "logística complexa" colabora para a “queda na qualidade do ensino” nas ilhas – que já era preocupante há 10 dez anos, quando a cidade de Melgaço, por exemplo, tinha 50% da população analfabeta (IBGE).

A logística complexa, apontada pelo TCM-PA, inclui o fato de os estudantes precisarem navegar por horas para chegarem às escolas, a exemplo do que acontece em Melgaço, que conta com 55 escolas municipais. Dessas, a maioria (51) está instalada na zona rural.

São três mil alunos na cidade e mais 6,5 mil matriculados na zona rural. Por isso mesmo, o maior desafio são as distâncias, aponta o secretário municipal de Educação, Eder Vaz Ferreira: “Temos alunos que passam quatro horas dentro de barcos. Duas horas para ir e duas para voltar para suas casas”.

Para dar conta dessa demanda, a prefeitura aluga quase 300 barcos, para os quais o município fornece o combustível. A despesa é de mais de R$ 1 milhão mensais só com transporte escolar rural. Hoje, 80% desse transporte é custeado com recursos do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

image Transporte de madeira em Portel, no Arquipélago do Marajó (Tarso Sarraf / O Liberal)
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