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'Tribunal do Café' vira porta de entrada no mercado de trabalho para egressas do sistema penal

O local, que inaugura no próximo domingo (1º), também terá um espaço para venda de produtos artesanais, entre eles, imagens de Nossa Senhora de Nazaré

Emilly Melo/ Especial para O Liberal

O preconceito é a principal barreira que separa as pessoas que deixam o sistema prisional da oportunidade de trabalho, aponta Berna Reale. A artista plástica e perita criminal é idealizadora do projeto Chance que apoia mulheres que saíram do encarceramento e desejam entrar no mercado de trabalho. A proposta partiu, inicialmente, de aulas de artesanato, pinturas, costuras e bordados, expandiu-se para a confecção de imagens de Nossa Senhora de Nazaré voltadas para o Círio, e chegou no “Tribunal do Café”, uma cafeteria que será inaugurada neste domingo (1°), no bairro da Cidade Velha, em Belém.

Berna conta que a ideia de nomear o espaço foi do companheiro, Vitor Reale, devido ao local ser próximo aos tribunais da cidade. Além disso, eles defendem o bordão “um tribunal sem julgamentos” para reforçar o compromisso em ajudar e acolher aquelas que precisam. De acordo com a artista, o projeto reúne, de forma sazonal, cerca de 20 mulheres entre 19 e 28 anos que nunca tiveram a carteira de trabalho assinada. A maioria delas já são mães e moram no interior, o que dificulta a participação assídua.

“Para mim, como artista e perita criminal, essa ideia é a união e realização de um desejo, porque possibilita fazer algo concreto. Sempre falo que quando ajudamos uma pessoa, ajudamos gerações. Todas as moças que participam aqui têm filhos, assim acredito que ajudando essa mãe, podemos ajudar os filhos e outras gerações que podem vir. Isso para mim é maravilhoso”, afirma Berna.

Mãe de seis crianças, com idades entre 13 anos e sete meses, Dalila Costa, de 26 anos, moradora de Marituba, revela que o Chance foi a melhor oportunidade que ela conseguiu após deixar o sistema prisional. A principal dificuldade em seguir em frente, reflete ela, é devido ao estigma social do seu passado. “Tentei arrumar emprego muitas vezes, mas não consegui. Em todo lugar que eu vou eles pedem os antecedentes criminais”, lamenta Dalila, que expõe temer represálias pela sua situação, mas alega que no Chance consegue se sentir mais tranquila.

“Hoje você está em um lugar e você não sabe se amanhã vai continuar. Até para os regressos que usam monitoramento eletrônico por conta daquelas ondas violentas de ‘matança’. Isso deixa a gente assustada, mas aqui conseguimos trabalhar despreocupadas”. Essa segurança é o que a motiva a passar o dia longe dos filhos, pois ela sai todos os dias de casa às 6h e retorna, muitas vezes, quando eles já estão dormindo, após às 20h.

image Dalila Costa revela as dificuldades em conseguir um emprego formal (Igor Mota/ O Liberal)

Novas perspectivas

Há dois anos, Sayury Reis, de 25 anos, participa dos projetos de Berna e ressalta que a pintura e o artesanato foram a virada de chave para desenvolver novas perspectivas sobre um futuro melhor. Sayury declara que agarra o Chance para dar um futuro melhor aos seus três filhos, mas descobriu um lado na pintura do qual ela não conhecia, mas que, hoje, a encanta.

“Quando eu comecei, borrava tudo, não era a minha praia e nem tinha paciência. Mas comecei a praticar, fui tentando até gostar e me aperfeiçoar. Hoje em dia, já sou bem detalhista, vou colocando tudo com cuidado e atenção”, explica.

Além da disposição em pintar, Sayury está se especializando para trabalhar como barista na cafeteria. Ela revela que vive um momento diferente na vida, possui novos planos e sonhos, entre eles o de terminar os estudos e fazer uma faculdade para ajudar outras pessoas e mostrar a sua superação.

Segundo Berna Reale, a divulgação das ações é feita pelas próprias mulheres, que passam de uma para a outra as informações sobre o Chance. Assim, Dalila fez o convite para a vizinha Rafaela dos Santos, de 33 anos, que decidiu conhecer mais do projeto.

Pinturas de fé

Com o Círio se aproximando, Rafaela diz que se sente útil em trabalhar pintando as imagens de Nossa Senhora, pois considera que isso traz alegria para as pessoas. Ela acredita que o trabalho feito nas imagens da santa é especial pois une a fé e a esperança de uma mudança de vida.

“Uma imagem dessa vai fazer parte de uma sala, um escritório, uma cozinha. Vai fazer parte de algum momento da vida de alguém. Tu vais presentear alguém que é devoto à santa, faz promessas, e isso representa a sua fé. Acredito que precisamos ter fé em tudo e não podemos deixá-la. Quando a gente vê as pessoas comprando, é um pouquinho de você que tá ali naquela imagem. É um pouquinho da sua imaginação. Cada pintura, cor, alegria, cada pincel e mão suja de tinta é um sonho, uma vontade de crescer mais ainda na vida.”

Rafaela considera a arte como uma ajuda para encontrar motivação durante os dias difíceis. Entretanto, ela nunca usou a confecção de objetos para obter renda, mas os fazia como hobby em casa, apesar de ter tentado integrar algum grupo de artesanato, porém nunca se encaixava em nenhum lugar.

“Saí do meu padrão e do que eu vivia, agora estou vivendo uma coisa diferente, me sinto muito bem de estar aqui. A arte é uma terapia para uma pessoa como eu que tem uma história de vida complicada. Eu tenho contato com a pintura há anos, meu esposo é pintor e leva gesso para casa, onde eu crio as minhas peças. Por exemplo, compro o molde, pinto, e deixo lá armazenado, mas também faço canetas e outros objetos, assim vou levando a minha correria”, enfatiza Rafaela.

Uma nova “Chance”

As atividades desenvolvidas na própria casa de Berna promovem o exercício de novas habilidades e oportuniza o início de uma profissão para as egressas. A ideia do Tribunal, ressalta Berna, é que todas tracem novos caminhos, inclusive por meio dos estudos. “Ano que vem, quando iniciar o ano letivo, pretendemos que elas conciliem o trabalho e a educação”, diz a artista.

Boa parte das mulheres que caem no sistema prisional é por meio do tráfico de drogas, explica Berna, o que, somado à maternidade precoce, dificulta o acesso ao emprego formal. Por isso, ela se dedica em dar as condições necessárias, por meio de recursos próprios e doações de parceiros, para que as egressas consigam confeccionar as imagens de Nossa Senhora e, assim, obter uma fonte de renda.

“O Chance dá todo o material, elas fazem a peça e a gente vende online. Agora teremos a lojinha dentro do café, o que vai realmente ativar essa produção e dar um escoamento maior para as vendas”.

As imagens pintadas pelas egressas serão vendidas na loja da cafeteria e também podem ser adquiridas por meio de encomendas.Todas as peças são autênticas e personalizadas, afirma Berna. A inauguração do Tribunal do Café, que acontecerá às 8h, é o ponto de partida para uma nova profissão para as mulheres.

image Sayury Reis está se especializando para ser barista na cafeteria (Igor Mota/ O Liberal)

“A gente pensou nessa integração do projeto para elas não verem o café como um nicho, mas sim a reintegração, para conseguirem trabalhar com outros profissionais de outras áreas”, conclui Berna Reale.

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