Um ano depois, 8 de janeiro é marcado por guerra de narrativas

Atos golpistas em Brasília resultaram na prisão de mais de 2 mil pessoas, entre elas, paraenses

Amanda Engelke
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O ataque às sedes dos três Poderes, em Brasília (DF), que completa um ano nesta segunda-feira (8), ainda gera desdobramentos. Naquela data, uma semana após a posse do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vestidos de verde e amarelo, apoiadores radicais do antecessor Jair Bolsonaro (PL) - que buscava a reeleição, mas foi derrotado por Lula no segundo turno da eleição presidencial de 2022 -, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).

O ato, classificado como um ataque à democracia, até hoje, é permeado por disputas de narrativas entre oposição e situação. E o evento desta segunda-feira, organizado pelo governo federal para marcar a data, segundo especialistas, escancara essa disputa. Isso porque, ao longo da última semana, os bastidores da organização do ato simbólico, que deve reunir ministros, parlamentares, governadores, outras autoridades e representantes da sociedade civil, ganhou destaque, quando ventilou-se que integrantes da oposição esvaziariam o evento.

A socióloga Karen Santos, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará (Ufpa), acredita que a presença ou ausência de governadores, prefeitos e parlamentares no evento será notada e é um indicativo da permanência de uma polarização política, ambiente que desencadeou os atos do dia 8. “O principal ponto em relação à interpretação do 8 de janeiro é mais do que a disputa de narrativa, podemos falar de uma ‘guerra de narrativas’. Afinal, é um evento marcante a ser capitaneado”, pontua.

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O deputado federal Joaquim Passarinho (PL) confirmou ao Grupo Liberal que existe uma espécie de consenso natural entre os parlamentares de oposição de que, embora a data deva ser lembrada, “ela não deve ser tratada ou feita de bandeira política”, o que para opositores, estaria acontecendo. Para o deputado paraense, a ideia do governo e de aliados em fazer da data um “ato pela democracia” teria o intuito de “ampliar o poder do Estado, com prejuízos ao invés de ganhos, principalmente quanto à liberdade de expressão".

Na outra ponta da narrativa, o deputado federal Airton Faleiro (PT) defende a realização do evento. “É um ato conjunto dos poderes pela consolidação da democracia no Brasil. Penso que a sociedade brasileira deve se irmanar ao Judiciário, ao parlamento brasileiro e aos governos federal e estaduais em defesa de um país democrático e justo”, afirma, complementando que “(8 de janeiro) é uma data para nunca ser esquecida por quem defende um Brasil democrático e de livre escolha de seus representantes nos espaços eletivos”.

Democracia é o único caminho possível, defendem deputados

Passarinho avalia que “por mais que houvesse boa intenção, e havia, nada justifica a invasão de prédios públicos”. E continua: “um ato impensado e não explicado totalmente ainda que trouxe um grande prejuízo para a política nacional, dividindo ainda mais a nação”. Para ele, “só quem perdeu com isso foi a oposição e os brasileiros que lutam por liberdade, pelas famílias, pelo direito à vida”, pois, segundo ele, “o governo usa isso como pano de fundo, e os desdobramentos ficam por conta de brasileiros, trabalhadores e sonhadores que continuam presos e afastados do convívio de suas famílias”.

Já para Airton Faleiro, “os ataques terroristas feriram a alma dos brasileiros de bem”. No um ano do ocorrido, ele avalia como positivas as respostas aos ataques. “Ainda bem que as instituições brasileiras se uniram em condenar os ataques e em restabelecer a normalidade imediatamente. Penso ser justas as punições aos financiadores e executores do atos terroristas, pois caso contrário eles poderiam se sentir incentivados a colocar em prática planos como atentados com bombas como tentaram no aeroporto de Brasília”, defende o deputado paraense.

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Como efeito dos atos, Karen Santos acredita em um realinhamento entre os três Poderes, mesmo com um congresso menos aberto ao diálogo em sua composição. “Só o tempo irá dizer se essas células que flertam com a destruição da democracia irão se sustentar. O legado positivo para o Brasil só será percebido no momento em que forem responsabilizados civil e criminalmente todos os principais articuladores do movimento, bem como a necessidade de um marco regulatório da internet e das redes sociais que inibam essas organizações”, defende a cientista política.

Mais de 2 mil pessoas foram detidas, entre elas, paraenses

Um ano após os atos golpistas, 66 pessoas das mais de 2,1 mil presas por envolvimento no episódio permanecem detidas preventivamente. Do total de acusados, 30 foram condenados por participação nos ataques, segundo balanço divulgado na última quarta-feira (3), pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os que seguem presos, oito já foram condenados pelo STF. Outros 33 foram denunciados como executores dos crimes praticados (dois foram transferidos para hospital psiquiátrico) e 25 aguardam a conclusão de diligências.

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) informou ao Grupo Liberal que, somente entre os dias 8 e 9 de janeiro de 2023, foram efetuadas a prisão de 1.399 pessoas. Do total, 907 homens e 492 mulheres. Atualmente, 17 pessoas estão custodiadas no Distrito Federal. Outras 112 pessoas são monitoradas por tornozeleira eletrônica. De acordo com a Secretaria ainda, uma grande parcela dos presos foi transferida para os seus estados de origem, como é o caso dos paraenses envolvidos no ato.

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Já as secretarias de Administração Penitenciária (Seap) e de Comunicação (Secom) do Pará não responderam à reportagem acerca do número de paraenses transferidos pelo envolvimento no ato. Ao todo, das pessoas envolvidas, 48 se declararam paraenses. Entre elas, está o paraense Robson Barbosa da Silva, preso com bombas, estilingues e materiais para fazer coquetel molotov. Em depoimento à polícia, ele relatou que esteve acampado em Brasília desde o dia 15 de novembro, em frente ao quartel-geral do Exército.

Outro paraense de grande repercussão envolvido é o empresário George Washington de Oliveira Sousa. Ele foi condenado a 9 anos e 4 meses de prisão pela tentativa de atentado a bomba perto do Aeroporto de Brasília em dezembro de 2022. Outros são Helmi Tavares de Oliveira, que foi candidato a vereador em São Félix do Xingu nas eleições de 2020, e Robson Barbosa da Silva, também candidato, mas nas eleições de 2016, no município de Trairão. A lista foi divulgada no ano passado pela/DF.

Outros nomes divulgados à época que de paraenses presos entre os dias 9 e 9 foram de Antônio Geovane Sousa de Sousa, de 23 anos, morador da cidade de Novo Progresso, no sudoeste do Pará; um grupo de quatro apoiadores radicais de Bolsonaro, compostos por moradores de Santarém, entre eles, o advogado Francisco Andrade da Conceição e o casal Orivaldo e Francimara Aguiar, sócios-proprietários da empresa Mega Massa; Roniclei Teixeira, de Jacundá, sudeste paraense; e Toni Guerreiro, de Capanema, no nordeste do Pará.

O cenário antes e depois da invasão às sedes três Poderes

A cientista política Karen Santos avalia que a conjuntura da polarização, desde 2018, contextualiza os ataques de 08 de janeiro de 2023. Para ela, a vitória apertada de Lula diante de Bolsonaro em 2022 denotava uma governabilidade frágil e cautelosa. “O 8 de janeiro foi alimentado pelos acampamentos na frente dos quartéis de todo o Brasil”, afirma, complementando que a inércia diante da situação teve mais impacto do que a capacidade de interceptação do sistema de inteligência. “O evento foi um drama anunciado”, diz.

Para a socióloga, dificilmente o que ocorreu ano passado, poderia ocorrer novamente. Isto, devido ao reforço no monitoramento e pela ampla repercussão da mídia. “Contudo, não é impossível. A internet foi e é campo fértil na capilarização de movimentos extremistas. Sem uma regulamentação que, de fato, seja eficaz no controle e na prevenção de eventos antidemocráticos é difícil prever. Acredito que a discussão sobre um marco regulatório da internet e do uso das redes sociais é um indicativo positivo”, opina.

PRISÕES

  • Total de prisões nos dias 8/1 e 9/1: 2.170
  • Custodiados no Distrito Federal: 17
  • Se declararam paraenses: 48
  • Total de pessoas que permanecem presas preventivamente: 66
  • Denúncias recebidas pelo STF: 1.354
  • Ações penais abertas: 1.354
  • Condenações: 30
  • Acordos de não persecução penal validados pelo STF: 38

Fonte: STF e Seape/DF

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