Ponto de não retorno: assunto ganhou destaque em evento ambiental, mas não teve propostas concretas

Processo de desertificação da floresta tropical preocupa entidades da sociedade e do governo federal

Camila Azevedo
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Um dos assuntos mais discutidos durante os recentes eventos ambientais realizados em Belém tratou sobre o ponto de não retorno da floresta amazônica - momento em que o bioma passaria de 25% de desmatamento e perderia a capacidade de autorregeneração. O Diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia trouxeram diversas falas preocupadas com essa possibilidade e sugestões de alternativas que podem evitar o cenário se colocadas em prática. No entanto, as reuniões com movimentos sociais e líderes nacionais e internacionais não estabeleceram metas concretas do que fazer.

A Declaração de Belém, documento resultado dos encontros sediados na capital do Pará, fala apenas na criação do Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia, no âmbito dos países que fazem parte da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), e da Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento entre os Estados Partes. Ambas as iniciativas mostram o caminho, mas não dão diretrizes certas de como chegar lá. “A floresta entra num processo de savanização. E será a destruição”, disse Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, se referindo à situação durante os debates.

Consequências

Em declaração à imprensa no domingo (06), último dia do Diálogos Amazônicos, Marina Silva disse que 75% do PIB da América do Sul está relacionado às chuvas produzidas pela Amazônia. Sem a floresta, “não tem como ter agricultura, não tem como ter indústria”. “Não tem como o Brasil sequer ter vida no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, porque a ciência diz que seria um deserto igual o deserto do Atacama ou do Saara. Portanto, não é uma questão de quantidade em termos de peso populacional, é uma questão de trabalharmos com o princípio da justiça ambiental e do PIB dos serviços ecossistêmicos que são gerados”.

Movimentos sociais

Um estudo realizado por cientistas e líderes indígenas aponta para um colapso na região amazônica em 2029. Nesse sentido, durante o primeiro dia de Cúpula, na última terça-feira (08), os chefes de Estado do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, países que compõem a OTCA e tem a Amazônia como parte do território, colheram as demandas da sociedade por meio de sínteses realizadas por movimentos. O boliviano Pablo Solón destacou que o ponto de não retorno já é uma realidade no bioma e, por isso, as medidas de contenção devem ser expandidas.

“O ponto de não retorno da Amazônia já se encontra aqui. Quando esses biomas se aproximam, há diferença entre a queimada legal e a não legal. Por isso, a meta de zero desmatamento ilegal para 2030 é mais que insuficiente. É preciso proteger pelo menos 80% da Amazônia para 2025. Isso requer que o desmatamento pare. Nós precisamos reabilitar as terras arrasadas pelo fogo e pela monocultura. Os rios, os peixes e os povos indígenas estão sendo afetados pelo petróleo, pela mineração e mercúrio…”, disse. Outros participantes ressaltaram, ainda, que as ações devem ser multissetoriais.

Características

O engenheiro florestal e ambientalista Derick Martins explica que a característica mais forte do ponto de não retorno é a transformação de floresta tropical úmida, como a Amazônia, para região mais desértica, seca. “Ele [o bioma] é mais comum em outros continentes e tem uma paisagem de árvores mais baixas, geralmente tortuosas, sem disputa por espaço. Como ela tem menos umidade disponível, ficam com essa aparência arbustiva. Têm biodiversidade, mas não como a floresta tropical. A vegetação acaba criando uma estrutura maior abaixo do solo, com raízes profundas para ir em busca da água”, lista.

Porém, Derick cita que o cenário irreversível da floresta não será visto “da noite para o dia”. Segundo ele, o que está acontecendo é um efeito de borda em que, de fato, o ponto de não retorno já é visto. “Indo pelas áreas onde vai avançando sobre a floresta. Nas proximidades da cidade você já tem uma transição dessa vegetação [em tropical para savana]. A Amazônia não é um único bioma como floresta. Dentro dela temos áreas consideradas cerrado, por exemplo, áreas de várzea. As pesquisas [sobre o assunto] não tratam de toda a região, mas principalmente de áreas mais afetadas, as que estão próximas de metrópoles”, afirma.

Especialista defende criação de benefícios para quem vive na floresta

Derick frisa que conciliar o desenvolvimento com conservação ambiental é uma solução importante para evitar o ponto de não retorno. Segundo o ambientalista, a prática deve ser aliada com projetos de recuperação da vegetação. “A floresta só conseguirá ser mantida se dermos um uso econômico para ela, uma valoração. Temos 20 milhões de pessoas morando na Amazônia, são comunidades tradicionais, ribeirinhos… E precisamos dar formas de valorizar essas pessoas e uma forma de se manterem, desenvolverem suas atividades. Caso contrário, é muito difícil, as pessoas vão vender a floresta”, lamenta.

“Já temos 1,5 milhão de áreas públicas em regime de manejo florestal. Isso quer dizer que essas áreas estão sendo protegidas. Há a produção de madeira com os cuidados de manutenção. É preciso ter recuperação das áreas degradadas que já foram usadas. A própria produção de madeira com esse manejo sustentável é uma forma de manter a vegetação, tem a agricultura de baixo carbono, agropecuário de confinamento… As atividades são necessárias para geração de emprego, de vida, pagar impostos. A atividade ilegal sempre tem que ser penalizada, mas a legal deve ser investida”, conclui o especialista.

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