CONTINUE EM OLIBERAL.COM
X

Jornadas de junho de 2013: manifestantes paraenses analisam legado da mobilização após 10 anos

Manifestações despertaram interesse por política de uma geração, mas também levou a uma sociedade mais polarizada

Igor Wilson
fonte

No dia 17 de junho de 2013, Belém passou a fazer parte do mapa de manifestações que eram inicialmente chamadas de "Vem Pra Rua". Mais de 10 mil pessoas caminharam do centro histórico e comercial da capital e ocuparam a avenida Almirante Barroso, chegando ao complexo do Entroncamento. Era o fragmento local de um momento histórico para todo o país e que agora é chamado de "Jornadas de Junho". Para alguns, foi quando uma parcela da população despertou o interesse por política. Para outros, foi o nascimento da polarização acirrada entre direita e esquerda. Independente da interpretação dos fatos, há um legado analisado pelos lados opostos que, 10 anos antes, estavam juntos nas mesmas ruas e manifestações.

Inicialmente, os protestos eclodiram em Porto Alegre, quando um reajuste de 7% na tarifa de ônibus motivou uma série de protestos. As manifestações contra o aumento da passagem se espalharam por Natal (RN) e Goiânia (GO), até chegar a São Paulo, no início de junho de 2013. Em meio à crise econômica que se agravava na primeira gestão de Dilma Rousseff (PT) e revoltada com o reajuste de R$ 0,20 na tarifa municipal de transportes, milhares de pessoas foram às ruas. Os protestos então cresceram, as reivindicações multiplicaram de acordo com o contexto de casa estado ou cidade. Então veio o lema "Não é só pelos 20 centavos". Ao passo que as pautas se avolumavam em meio a sucessivas manifestações, o país começou a incorporar o mesmo espírito. Atos eram puxados por grupos de esquerda e de direita, que se encontravam em longas passeatas. Cada um com algum objetivo.

Começo foi orgânico, afirma empresário

Netto Marques, empresário do ramo de marketing e publicidade, esteve ativamente nas ruas nas Jornadas de Junho. Ele fazia parte da coordenação regional do Movimento Brasil Livre (MBL), movimento político formado por jovens alinhados à direita e que emergiu em 2013. Para ele, tudo começou de forma muito orgânica e natural nas ruas, com várias pessoas indignadas com o governo federal à época e com a condução de algumas políticas. Havia insatisfação com o Congresso Nacional também. E quando alguns escândalos envolvendo o PT passaram a ocupar o noticiário nacional, o MBL, como afirma Netto, organizou quase a totalidade dos atos na capital paraense. Ele deixou o movimento em 2021.

"Queríamos ser ouvidos e mostrar à classe política nossa insatisfação. Era para mostrar que tínhamos ferramentas de contestação, com voto e voz das ruas, e havia sim muitas intenções positivas no início. Depois passei a não concordar com o modus operandi daqueles movimentos porque distorceram as nossas reais intenções, que acabaram contribuindo, fortemente, para a polarização política do país com a qual sofremos até hoje. Dilma foi deposta, Lula foi preso e caímos na máxima de buscar candidatos que nos representassem e acabamos elegendo pessoas tão ruins ou piores do que as que estávamos enfrentando nessa época", disse Netto.

Black Bloc e a tentativa da anarquia

Em meio a polarização entre esquerda e direita, outro grupo emergiu e conseguiu captar a atenção durante os atos, principalmente atraindo camadas mais jovens dos manifestantes. O movimento chamado ‘black bloc’ disseminava ideais de destruição total do modelo de organização capitalista e a construção de um sistema baseado em princípios anarquistas, uma espécie de nova sociedade. Encapuzados e vestidos de preto, os membros do black bloc agiam em grupos numerosos em boa parte do país e repeliam membros da esquerda e da direita. Seus métodos de ação se caracterizaram pela violência no enfrentamento a outros grupos, principalmente a polícia e, principalmente, pelas táticas de destruição do patrimônio público e privado, principalmente prédios de instituições financeiras, como bancos. 

image Houve confronto com a polícia durante passeatas de junho de 2013 (Paulo Akira / O Liberal / Arquivo)

No Pará, os manifestantes identificados com a tática black bloc se concentraram na capital e foram vistos depredando ônibus, arrombando pequenos comércios e deixando parte da população aterrorizada. A proposta de manifestar-se dessa maneira, recusando dialogar com outros grupos políticos, foi considerada legítima por alguns, embora soasse agressiva para boa parte da opinião pública. Alguns membros de outros grupos, como Netto Marques, não gostaram do movimento, acreditando que ele estava distorcendo a verdadeira natureza das manifestações. 

A falta de uma identidade clara para o movimento, que supostamente não possuía lideranças e era regido por decisões horizontais, fazia também com que qualquer um que vestisse uma máscara e partisse para a ação fosse visto como um black bloc, o que deixou o próprio movimento cercado de desconfianças. Durante a cobertura dos atos, era difícil saber quais eram os objetivos dos black bloc, devido à volatilidade das reinvindicações. O grupo se dissipou e perdeu força pouco antes do impeachmeant da ex-presidente Dilma Roussef.

Era das redes sociais e o movimento mundial

Para Rosaly Brito, doutora em Ciências Sociais e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), as Jornadas de Junho fazem parte de movimentos contemporâneos característicos do século XXI, em que redes sociais e movimentos de rua passam a se atrelar de forma definitiva e poderosa. A era das redes sociais propiciou articulações de rua e protestos semelhantes em vários países do planeta, eclodindo em movimentos como a ‘Primavera Árabe’, em países como Egito, Tunisia, Íemen e Síria, na Espanha, com o movimento que ficou conhecido como ‘Indignados’, em Londres, Portugal e nos Estados Unidos, onde o ‘Occupy Wall Street’ se alastrou e chegou em 951 cidades de 82 países rapidamente. No Brasil, as Jornadas de Junho representam isso.

“É um equívoco entender as jornadas como uma coisa só. Há um poder na combinação de redes sociais e estes movimentos que se tornam virais. No Brasil também foi um conjunto de movimentos multifacetados, protagonizados por jovens, porém há muitas camadas e demandas heterogêneas. A medida em que os protestos foram se espalhando, cada estado enfrentou grupos que reivindicavam coisas dentro de um contexto específico. Aqui em Belém, o movimento que assume uma dimensão muito importante foi o de pessoas protestando contra a questão do BRT, que se arrastava há  dez anos e não funciona como deveria. Essa característica de uma rebelião multifacetada é uma coisa muito importante de entendermos em relação as jornadas, porque daí por diante o cenário político foi se encaminhando para coisas muito nefastas, entre elas o impeachmeant da presidente Dilma, Michel Temer assumindo e todo esse processo que desaguou na ascenssão de um governo de extrema direita”, diz  Rosaly Brito.

Algoritmos e guerrilha virtual

O ambientalista e membro do Partido Verde, Zé Carlos, que esteve presente nas manifestações em Belém, acredita na espontaneidade dos protestos que se alastraram por todo Brasil, mas acha que grupos ligados à extrema direita aproveitaram o momento para conseguir adeptos para suas pautas, o que teria resultado na eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem diz ter “surfado na onda” das manifestações no Brasil.

“O que vimos foram realmente protestos legítimos, mas que com o passar do tempo ficaram confusos, se polarizaram. Vimos que alguns grupos de mílicias digitais, que tinham o domínio dos algoritmos, dos virais, de como alcançar as pessoas mais vulneráveis, manipulou o contexto real. A partir daí o que vimos foram coisas que contribuíram com uma crise política e democrática sem precedentes e com a eleição de um governo que destruiu uma série de conquistas da democracia. Lutávamos por democracia, mas acabamos ganhando o contrário, é um paradoxo”, afirma Zé Carlos.

Netto Marques corrobora da tese de Zé Carlos. Acredita que as Jornadas de Junho deixaram lados negativos significativos, mas que também trouxeram vários pontos positivos, como algumas pautas políticas e econômicas que ele considera como vitórias. Entre elas, o Teto de Gastos, a Liberação Econômica e a Reforma da Previdência. O que ele diz que foi uma pauta emergente e defendida por algumas correntes das manifestações de 2013, mas que não avançou, foi a reforma tributária para retirar encargos dos cidadãos mais pobres. Em nível local — retratado em outras capitais e estados —, houve redução de impostos incidindo sobre o setor de transportes.

"Acordamos para algumas realidades e temos uma sociedade mais preocupada com a política. E temos uma classe política mais preocupada com o diálogo a partir da internet e medição dos seus trabalhos, de prestação de contas. Infelizmente, sobrou a polarização que só nos ensina a odiar o outro lado. Esse tipo de resultado não constrói nada. É preciso chegar a consensos, porque apesar de pensarem diferente, esquerda e direita querem o bem da sociedade. Esse é um legado que precisamos superar", concluiu Netto.

SUGESTÃO DE INCLUSÃO DE CRONOLOGIA:

6 de junho: Movimento Passe Livre convoca atos contra o aumento de 20 centavos nas tarifas de ônibus, metrô e trens em São Paulo. No início do ano, Porto Alegre e Goiás enfrentaram protestos contra o aumento das passagens.

- Episódios de violência policial contra jornalistas e manifestantes em São Paulo causam revolta. Depois disso os protestos se espalham pelo Brasil

- 17 de junho: Manifestantes sobem no telhado do Congresso Nacional, em Brasília. O momento é considerado um dos mais marcantes da década. As reivindicações não se limitam mais ao transporte público e são multifacetadas

- 20 de junho:

Milhões de pessoas comparecem aos novos protestos em 388 cidades do Brasil.

Em Belém, por causa da repressão policial a um protesto, morre a trabalhadora Cleonice Vieira de Moraes. Ela sofreu uma parada cardíaca após inalar gás lacrimogênio.

Em Brasília, milhares de pessoas invadiram a área externa da Esplanada dos Ministérios.

No Rio de Janeiro, houve a maior manifestação de 2013, com 1,2 milhão de pessoas, que preencheu toda extensão da Avenida Presidente Vargas, em suas 4 vias.

- 21 de junho: A presidente Dilma Rousseff faz um pronunciamento prometendo fazer um pacto com governadores e prefeito com objetivo de melhorar as áreas de transporte, educação e saúde

- A onda de protestos contamina o governo Dilma e sua aprovação cai de 63% para 55%

- Os protestos contra a Copa do Mundo convulsionam ainda mais o cenário político brasileiro

- 31 de agosto de 2016: presidente Dilma é deposta do cargo após acusação de pedalada fiscal. O vice, Michel Temer, assume a Presidência.

- 7 de abril de 2018: Lula é preso pela operação Lava Jato

- Candidatos que saíram dos protestos são eleitos, como Kim Kataguiri, Artur Mamãe Falei e Fernando Holiday

- 2018: com discurso antipolítica e atuação intensa na internet, Bolsonaro é eleito.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Política
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

RELACIONADAS EM POLÍTICA

MAIS LIDAS EM POLÍTICA