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Estado brasileiro terá que se explicar sobre caso de interna obrigada a parar de amamentar o filho

O filho da detenta Elaine Sarges sofreu desmame forçado aos seis meses, sendo entregue a familiares com quem nunca teve contato, mesmo com vagas no berçário do Centro de Recuperação Feminina

João Paulo Jussara e Byanka Arruda
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A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou que o Estado brasileiro forneça explicações sobre as condições atuais da interna Elaine Sarges, que cumpre pena no Centro de Recuperação Feminino (CRF), em Ananindeua, região metropolitana de Belém, e seu filho. De acordo com a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE), aos seis meses de idade, a criança sofreu desmame forçado, sendo entregue a familiares com quem nunca teve contato, apesar de, na época, existir vaga no berçário do CRF.

O caso foi denunciado via Medida Cautelar ingressada na CIDH pela DPE, por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Estratégicas (NDDH). Segundo o documento enviado à comissão internacional, o motivo é a "falta de proteção à primeira infância e a violência estrutural perpetrada pelas autoridades em desfavor das crianças que nascem de mulheres dentro do cárcere no Estado do Pará".

A Defensora Pública Anna Izabel e Silva Santos afirma que a legislação brasileira é omissa quanto ao período em que as crianças nascidas no cárcere permanecem com as mães, dando margem para que cada Estado defina, de forma discricionária, quando a criança será desligada da mãe presa. "Dessa forma, a criança poderá ter a sorte de ter nascido de uma mãe presa no Estado do Espírito Santo, em que poderá ser alimentada por leite materno além dos seis meses de vida, ou ficar apenas até os seis meses de vida, caso nasça no CRF de Ananindeua", explicou.

"Tal arbitrariedade levou à ruptura do vínculo familiar do bebê com a sua mãe presa, mesmo havendo vaga no berçário do presídio no momento do desligamento e do desmame forçado, sendo a criança entregue a parentes com quem não possuía qualquer afinidade. Essa criança é um exemplo entre os demais casos que ocorrem no Brasil e em outros presídios femininos do Estado do Pará", afirmou a Defensora Pública.

O documento ressalta, ainda, que quando as crianças não são entregues a familiares, são colocadas em abrigos, o que vai na contramão do Estatuto da Primeira Infância (Lei nº 13.257), que estabelece princípios e diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas voltadas à primeira infância e a garantia de atenção especial aos primeiros anos de vida e ao desenvolvimento infantil de crianças que estão nos seus seis anos completos ou 72 meses de vida.

"Ressalto que mesmo após o deferimento da Liminar em Ação Civil Pública contra a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), as crianças nascidas de mulheres presas no CRF sofrem com o rompimento do vínculo materno infantil e o desmame forçado, já que as crianças nascidas no cárcere possuem o direito ao afeto e ao leite materno como qualquer outra, não podendo sofrer com qualquer tipo de discriminação por terem mães presas", finalizou Anna Izabel e Silva Santos.

Interna relata dificuldades da separação do filho no cárcere

Em entrevista a O Liberal, Elaine Sarges contou que chegou no CRF de Ananindeua em setembro de 2019, quando estava grávida de três meses. Após constatar a gestação por meio de um exame de sangue, ela foi encaminhada para a Unidade Materno-Infantil (UMI), bloco onde as custodiadas ficam com seus bebês recém-nascidos, até o início do desmame, que inicia, geralmente, aos seis meses de vida.

Ela afirma que, no período em que esteve na UMI, recebeu todo o acompanhamento médico e psicológico necessário, mas depois que foi desligada e teve que voltar para o CRF, não recebeu mais. "Depois que fui desligada, a psicóloga me chamou só uma vez, isso porque eu insisti muito pra ela me chamar", diz. 

O desmame do bebê começou a ser feito quando ele completou cinco meses, com a introdução de pequenas quantidades de alimento junto à amamentação. Elaine conta que o processo todo foi difícil, principalmente a separação. "O que abate a gente é a parte da separação, que é muito complicada. Você está grávida, vive 24 horas para o filho, não faz mais nada a não ser cuidar dele. Então você cria muito amor. A parte mais dolorida é essa, sair, ter que jogar o leite fora", relata, emocionada.

Elaine contou ainda que indicou a mãe, que mora na Ilha de Marajó, para cuidar do filho após a separação. No entanto, por conta da distância de cerca de 18 horas de barco da capital e da dificuldade financeira da família, a avó da criança não consegue visitar a filha e dar notícias sobre o bebê. Por conta disso, a interna já está há cinco meses sem ver uma foto do filho.

"Hoje ele está com 11 meses, mas depois do desligamento eu nunca mais vi meu filho. Eu não sei como ele tá hoje. O que eu sei é pela minha tia, que hoje é a minha única visita, que vem me ver e fala como ele tá, vai me dando notícias lá de casa", diz. "Eu sei que ele tá bem porque ele tá com a minha mãe, mas se ele estivesse comigo seria muito melhor, toda mãe quer seu filho do lado e todo filho precisa da mãe".

Agora, Elaine conta que vai continuar trabalhando na Cooperativa Social de Trabalho Feminina Empreendedora (Coostafe), onde aprendeu a costurar, desenhar e produzir artesenato com os mais diversos tipos de materiais. Quando cumprir a pena e voltar para casa, ela quer estudar e continuar trabalhando na área. "Eu espero cumprir logo minha pena, pra eu encontrar meus filhos e estudar. Eu queria muito estudar, até aqui, se eu tiver oportunidade de estudar, eu quero. Eu gosto muito de criar as coisas, gosto de desenhar. Eu gostaria de ser uma design um dia", conclui.

Afastamento foi acompanhando por profissionais e obedeceu orientações, diz Seap

De acordo com a diretora de Execução Criminal do CRF de Ananindeua, Daianny Pereira, todas as detentas puérperas recebem acompanhamento médico e psicológico para garantir que o afastamento do filho recém-nascido não seja tão doloroso e ocorra de forma planejada e orientada. Essa assistência acontece vários meses antes do afastamento ser concretizado de fato.

"A Lei de Execuções penais prevê apenas que tem que iniciar o procedimento de desmame e afastamento do filho com no mínimo seis meses, porque é a idade mínima de amamentação. Quando ele (o bebê) estava chegando aos seis meses, nós começamos os procedimentos, todos os protocolos, atendimento biopsicossocial, acompanhamento médico, para, enfim, começar o desmame da criança. No momento em que a criança atingiu os seis meses, foi decidido que ela já estava apta para ser entregue para a família. Houve uma notificação para a vara de execuções penais, houve uma notificação para a vara do conselho tutelar e foi decidido que seria a entregue a guarda da criança para a avó, no caso a mãe da detenta", explicou a diretora.

"Antes de iniciar a separação da criança da mãe, é feito um trabalho com meses de antecedência, porque tem que começar a introdução de alimentos pastosos, tem que preparar o psicológico da mãe também, porque é bem difícil mesmo. A detenta está bem e foi elencada para trabalhar internamente na unidade, justamente para se distrair e facilitar o processo de entrega da criança, para ocupar a mente dela", complementou.

Segundo a diretora, foi feito um levantamento das condições estruturais da família da detenta para avaliar o melhor destino para a criança. "A criança em nenhum momento foi deixada desamparada. Se nós deixássemos a criança no cárcere, sendo que ela pode ser bem cuidada fora do cárcere pela avó... A melhor opção era tirar aquela criança do cárcere, para que ela pudesse ter uma vida digna, pudesse ter uma infância, já que a família tinha todas as condições elencadas que era melhor ela ficar fora do cárcere, longe da mãe, no caso. Então teve toda uma avaliação da estrutura da família da criança para decidir o que é melhor para ela", finalizou.

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