Pará: Hapvida NotreDame acumula processos e descumpre decisões judiciais; paciente pode perder visão

Consumidora assinou plano de saúde na capital paraense há quase três décadas, mas empresa alega que paciente não tem cobertura na cidade

Elisa Vaz
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Responsável pela saúde de um em cada seis brasileiros que têm convênio médico e considerada a maior empresa de planos de saúde do país, o grupo Hapvida NotreDame tem uma série de acusações na Justiça paraense, a maioria de beneficiários que buscam a cobertura de procedimentos e se deparam com falhas na prestação do serviço. O Grupo Liberal apurou que, apenas no Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), em 2024, entraram em tramitação 12 processos, mais incontáveis de anos anteriores. De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o número de reclamações contra a operadora no Estado subiu cerca de 67% no último ano, passando de 392, em 2022, para 655, em 2023.

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Hapvida NotreDame é denunciada por descumprir decisões da Justiça a favor dos clientes
Diversos advogados relataram que a empresa descumpre entre 63% e 100% das decisões judiciais, especialmente em casos de câncer, cirurgias e tratamentos para autismo em crianças.

Os dados da ANS, no comparativo entre 2022 e 2023, apontam que as principais queixas dos usuários paraenses incluem os atendimentos nas redes conveniadas, com um aumento de 109,2% nas reclamações, saltando de 54 para 113. Os consumidores relatam problemas com os prazos máximos estabelecidos pela empresa, com denúncias que cresceram cerca de 97%, passando de 69 para 136. As regras para acesso aos atendimentos também são motivo de insatisfação para os beneficiários no Estado e registraram um aumento de 58,2% nas denúncias, que passaram de 151 para 239 no último ano. 

Em nota ao Grupo Liberal, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), “por meio da Promotora de Justiça do Consumidor, Regiane Ozanan, informa que existem reclamações de consumidores sobre o atendimento a pacientes com autismo pelo plano de saúde HapVida. Por isso foi instaurado um Inquérito Civil para apurar se a operadora de saúde tem realmente condições de prestar os serviços que oferece no mercado”. A nota diz que “há ainda casos individuais de usuários reclamando que têm dificuldade de conseguir atendimento de fisioterapia, terapia ocupacional e psicológico. A Promotora informou que, durante a instrução do inquérito, fará uma vistoria nas unidades de atendimento do referido plano”.

Paciente pode perder visão

No fim de 2023, uma usuária do plano de saúde deu entrada em uma ação judicial para garantir o tratamento que evitaria a perda de sua visão devido a uma enfermidade grave. A paciente tem contrato com a Hapvida desde 1995, há 28 anos, firmado em Belém, e a seguradora negou a realização de exames e de tratamento alegando que a capital paraense estaria fora da área de abrangência do plano da consumidora.

O texto inicial apresentado pela defesa traz todo o histórico: em novembro, a paciente foi a um oftalmologista após sentir a perda da visão no olho esquerdo; o médico identificou um sangramento e pediu exames específicos com urgência; a realização dos exames foi indeferida pela Hapvida, que alegou que só poderia arcar com os procedimentos em São Luís (MA), Fortaleza (CE) ou Natal (RN); a paciente pagou e fez os exames de forma particular, no valor de R$ 550; ao receber o laudo dos exames, o oftalmologista confirmou um edema macular cistóide secundário à oclusão de ramo da veia central da retina no olho esquerdo.

Após isso, um retinólogo expediu guia solicitando à Hapvida autorização para tratamento ocular quimioterápico anti-angiogênico, bem como anestesia para os atos médicos. Ambos foram indeferidos pela empresa no dia 24 de novembro, que mais uma vez alegou que Belém estaria fora da área de cobertura da paciente, sendo que o contrato foi firmado nesta cidade. Embora a Justiça tenha deferido uma liminar contra a empresa, o serviço não foi oferecido.

“A requerente está prestes a perder completamente a sua visão, e o plano de saúde que ela paga há 28 anos, e que fora contratado nesta Belém, está se recusando a realizar o tratamento”, pontua a defesa. Com o descumprimento da liminar, o juiz responsável aumentou a multa. A Hapvida, então, pediu reconsideração e informou que recorreu da decisão. Em recurso, a empresa teve a liminar indeferida. Não há informação se, depois disso, o plano cumpriu a decisão. A reportagem tentou contato com o advogado responsável pela defesa da paciente, mas não obteve sucesso.

Recém-nascida tem atendimento recusado

Outro caso do ano passado que teve descumprimento por parte da Hapvida teve relação com o atendimento de uma criança recém-nascida, com apenas dois meses de idade e que precisava de tratamento para infecção do trato urinário. Pelos autos do processo, a menor chegou a uma unidade da empresa apresentando febre, oligúria, disúria, hipoatividade e outros sintomas. No local, a equipe médica solicitou a internação da paciente para que pudesse receber o tratamento adequado o mais rápido possível, mas o plano de saúde negou, sob a alegação de que a paciente ainda se encontrava no 37º dia do período de carência, e as internações só poderiam ser autorizadas após cumprido prazo de 180 dias.

“O plano de saúde indeferiu a solicitação da autora sob o fundamento de que seu contrato ainda está em período de carência, com base no art. 12, V, da Lei 9.656/98. No entanto, tal alegação não merece prosperar, uma vez que se trata de situação de urgência, de modo que se aplica o prazo de 24 horas de carência, e não os 180 dias alegados pela ré”, pontua a defesa.

A Hapvida foi intimada da decisão favorável à paciente em 6 de dezembro, ofereceu a internação no prazo, porém, se recusou a fornecer os exames e as medicações, mesmo com a liminar. Esses custos foram pagos de forma particular, segundo a defesa informou à reportagem do Grupo Liberal. No dia 21 daquele mês, a empresa pediu a reconsideração da decisão, informando que a cumpriu. A defesa explicou que o processo corre agora em segunda instância.

Mulher em tratamento contra câncer tem exame negado

Também há outro caso do ano passado em que houve descumprimento por parte da operadora de planos de saúde. Uma paciente portadora de câncer raro, tipo neoplasia maligna de mama triplo negativo, estágio clínico III (CID C50), teve um exame negado pela Hapvida. A reportagem não conseguiu contato com a defesa para apurar como ficou a situação.

Nos autos, a explicação do caso: “A paciente precisou realizar a mastectomia. Mesmo com o empenho da equipe médica que a acompanha, não houve qualquer possibilidade de preservação da mama da paciente, pois, devido à gravidade, o tumor evoluiu incontrolavelmente. Por todo o ocorrido, a paciente esteve internada para realização da mastectomia no período compreendido entre 10/10/2023 e 25/10/2023. Após a cirurgia, deu continuidade em seu tratamento em busca da cura”, detalha o processo.

Porém, o médico que acompanhava a paciente requisitou a realização do exame PET-CT para elucidação diagnóstica, pois os exames de ressonância magnética do crânio, realizados em 24/02/2023 e 05/07/2023, apresentaram alterações e chances altas de metástase. Em 03/11/2023, a paciente teria entrado em contato com a Hapvida e requerido autorização para a realização do exame necessário (PET-CT).

“Esta respondeu de forma negativa, indeferindo por e-mail em 28/11/2023 o exame solicitado”, diz o texto. “Se tratado, adequada e tempestivamente, o melanoma maligno é curável, mas os pacientes devem ser prontamente submetidos ao tratamento mais adequado, já que cada dia é importante para a cura. A autora vem há mais de 30 dias buscando a autorização de um exame importantíssimo para a continuidade do tratamento após a mastectomia”, continua a defesa.

Tratamentos atrasados

Há também uma série de denúncias de 2024 que, embora não haja confirmação de que a Hapvida as descumpriu, evidenciam as falhas de prestação de serviço. Entre elas está a de uma paciente que realiza tratamento de câncer e que alega que o plano de saúde vem postergando o início do tratamento quimioterápico “há bastante tempo”. “Conforme documentos, a autora fora diagnosticada com a doença em meados do ano de 2023, desde então vem aguardando o início do tratamento, porém até a presente data e sem justificativa, a rede Hapvida não forneceu o devido tratamento, negligenciando a vida da paciente”, diz o processo.

A defesa da beneficiária enfatiza, no texto, que a paciente faz o pagamento das mensalidades do plano de forma regular e sem atrasos. “A demandante encontra-se em meio a tratamento oncológico, e não pode ter o tratamento interrompido, sob o risco de agravamento de sua condição clínica ou mesmo de vir a óbito”, ressalta a defesa. Neste caso, a Justiça emitiu liminar para garantir a cobertura do tratamento oncológico em clínica própria ou rede particular, que deverá ser custeado pelo plano.

Outro caso grave deste ano é referente a um procedimento cirúrgico para tratamento de endometriose. No texto inicial da defesa, consta que trata-se de doença grave e em estágio avançado, com necessidade de tratamento adequado por meio de procedimento cirúrgico e regular.

“Atrasos ou adiamentos frequentes oferecem risco de piora à autora, com o aumento da endometriose e, consequentemente, o aumento em seus leucócitos, conforme vem acontecendo. E apesar de ter todos os procedimentos e materiais autorizados para a realização da cirurgia, e isso desde 07/10/2023, até a presente data o plano de saúde não disponibilizou médico especialista para a realização da cirurgia”. Não há informações nos autos sobre o cumprimento ou não da decisão.

Hapvida soma mais de 100 descumprimentos em São Paulo

O jornal O Estado de São Paulo, Estadão, apurou no Foro Central Cível, o maior da cidade, que há mais de 100 casos de descumprimento de liminares pela Hapvida somente nos últimos oito meses, situação que levou à abertura de investigações pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP). Questionada, a empresa diz que respeita o Poder Judiciário e negou que venha descumprindo de forma sistemática as decisões judiciais.

Segundo a reportagem, o aumento dos casos de descumprimento ocorreu após a fusão das operadoras Hapvida e NotreDame Intermédica, em 2022. Na comparação com outros grandes planos de saúde, a empresa foi a que registrou os maiores aumentos no número de ações judiciais no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e de reclamações junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nos últimos anos.

A reportagem do Grupo Liberal entrou em contato com o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) e perguntou sobre os processos locais, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

Usuários insatisfeitos com demora de consulta e cobertura

Usuários do plano Hapvida ouvidos na tarde desta sexta-feira (19) reclamam da demora para a realização de consultas. O eletricista Ezequiel Gomes Carvalho, de 38 anos, diz que o que mais lhe incomoda no plano é essa espera. “Quando marcamos uma consulta só conseguimos um a dois meses depois. Hoje estou aqui para uma consulta com o clínico geral e demorou muito. Dessa forma é bem complicado, pois em algumas situações não dá para esperar”, pontua o usuário.

Roberto Raiol, de 62 anos, trabalha com uma atividade de risco e sempre que possível procura passar por algumas consultas, mas ele diz que não é satisfeito com o plano de saúde, pois existem muitos tratamentos que as empresas não cobrem e o paciente acaba usufruindo do Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu gasto uma fortuna de plano de saúde e tem muitos tratamentos que ele não cobre 100%, acho isso um absurdo. Eu só tenho plano porque faz parte de um acordo coletivo, mas acho absurdo pagar tão caro”, reclama o usuário.

A agência reguladora, responsável pelo setor de planos de saúde do Brasil, destaca que “as reclamações registradas têm como base os relatos dos beneficiários ao cadastrar suas demandas na ANS e não possuem análise de mérito sobre eventual infração da operadora de planos de saúde ou das administradoras de benefícios à Lei 9.656/98 e seus normativos e/ou aos termos contratuais”.

Em nota ao Grupo Liberal, a Hapvida disse que a “empresa reforça seu compromisso de oferecer o atendimento adequado e de qualidade a todos os seus pacientes. Reafirma que está empenhada em garantir um serviço pautado no respeito e cuidado, em constante busca pela excelência no atendimento. Infelizmente, a empresa não teve acesso prévio aos detalhes sobre os casos referidos na matéria, impossibilitando o posicionamento coerente”.

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