“Venho sofrendo com vários tipos de sentimentos”, revela escritor paraense censurado

Airton Souza, de Marabá, foi vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2023 e acusa boicote por causa de trechos gays em livro

Vito Gemaque
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O escritor Airton Souza se viu indo do paraíso ao purgatório ao vencer o Prêmio Sesc de Literatura 2023. O professor, pesquisador e autor de mais de 50 livros foi envolvido em uma polêmica censura do seu livro “Outono de Carne Estranha” por homofobia.

A obra que trata sobre a relação amorosa de dois garimpeiros em 1980, em Serra Pelada, denuncia as violências do Estado brasileiro contra a população que viajou ao interior da Amazônia na busca do ouro. O escritor diz que a divulgação da obra foi boicotada pela direção do Sesc Nacional. Ele que deveria estar participando de viagens pelas unidades do Sesc em todo o Brasil, como sempre ocorreu com os vencedores do prêmio, ainda continua em Marabá, sua cidade natal.

“Foi um sonho. Eu trabalho com literatura há 24 anos, já tenho 50 livros publicados, mas só que não são por editoras grandes. E esse prêmio me deu a oportunidade de publicar por uma grande editora, a Record. Isso foi um momento muito feliz. Em contrapartida, ao ver o que isso provocou depois tem me deixado muito triste. Teve a situação da homofobia e a censura interna que o Sesc está promovendo. O Sesc deveria ter promovido livro, mas o que vem ocorrendo é o contrário”, lamenta.

Devido a repercussão de censura e homofobia “Outono de Carne Estranha” encontra-se na terceira reimpressão pela editora Record chegando a aproximadamente 7.500 exemplares. O que para Airton não paga o desgaste emocional. “Eu venho sofrendo com vários tipos de sentimentos. Primeiro eu levei um susto ao saber da situação toda. Depois foi a tristeza, ao ver um prêmio tão bem organizado ser desmontado com essa possibilidade que os escritores tinham de ter acesso às grandes editoras. Até agora estou tentando entender o que estou sentindo”, detalha.

A edição divulgada neste ano do Prêmio Sesc de Literatura terá as obras editadas pela editora Senac, o que encerrou 20 anos de parceria entre o Sesc e a editora Record. Segundo um dos criadores do prêmio, o escritor Henrique Rodrigues, que trabalhava na coordenação Sesc Literatura, tudo começou com a leitura do início da obra de Airton na FLIP. A diretoria do Sesc não aprovou o trecho lido por descrever uma relação sexual entre dois homens. O organizador deu liberdade para o escritor ler o trecho que preferisse.

Após isso, Henrique relata que houve uma caça às bruxas dentro da instituição pelo “constrangimento à diretoria”. Alguns meses depois da polêmica, Henrique que possui mais de 20 livros publicados foi demitido. “São temas e pautas sensíveis, estamos falando de homofobia e censura. A repercussão foi muito negativa, o Sesc sai muito queimado. Eu não estou atacando o Sesc, só me recusei a tomar uma atitude de um censor. Eu preciso do emprego e trabalhar, mas eu tenho um limite ético. Sou patrono de salas de leitura, preciso ser coerente”, enfatiza.

Também ocorreram mudanças no novo edital. Uma cláusula criada obriga as obras vencedoras a serem indicadas para todas as idades, o que no entendimento do criador do prêmio é uma forma subjetiva para censura de acordo com a vontade da diretoria. Para ele, o prêmio Sesc praticamente morreu.

“Colocaram uma cláusula que a obra precisa ser para todas as idades. Isso volta para o que a diretoria queria fazer no início para que um livro como do Airton não passasse mais no prêmio. Livros como dele tendem a não ser mais vencedores”, analisa. O prêmio que permitia aos vencedores circular pelo Brasil para divulgar a obra agora concederá um valor em dinheiro, o que havia sido rechaçado logo na criação.

O Sesc chamou de rumores e que não houve qualquer censura ao livro "Outono de Carne Estranha", de Airton Souza. Sobre o Circuito dos Vencedores com a participação dos autores premiados na edição de 2023 – Airton Souza e Bethania Pires Amaro – a instituição informou que será realizado. "A postergação do início da circulação ocorre em virtude das mudanças no Prêmio Sesc de Literatura, que exigiu dedicação completa da equipe de Literatura do Departamento Nacional do Sesc", diz a nota.  

Já sobre a demissão de Henrique Soares, o Sesc informou que "se reserva o direito de selecionar e manter funcionários que atuem em sintonia com a filosofia e cultura da instituição". E ressaltou que o prêmio é gerido por uma equipe de profissionais da área de literatura do Departamento Nacional da instituição. A instituição ainda declarou que não há nenhuma comissão interna responsável por avaliar as futuras obras vencedoras.

Airton diz que no momento só tem se preocupado com a divulgação do livro. “Por enquanto estou divulgando. Acho que é um livro necessário, tem quatro meses de circulação, estou concentrado para divulgá-lo para que seja lido e para desmontar esse estereótipo que o Sesc foi criando”, enfatiza. “É um livro está contando uma história que a história não contou, do garimpo de Serra Pelada denunciando as violências que imperam até hoje na região. A minha preocupação é que o livro seja lido”, declara.

 

Leia abaixo a nota na íntegra do Sesc:

O Sesc esclarece que os rumores surgidos sobre a censura do livro Outono de Carne Estranha, de Airton Souza, não têm qualquer fundamento. O romance vencedor de 2023 foi selecionado entre 770 obras inscritas e teve sua publicação realizada pela Editora Record, tendo inclusive alcançado a 2ª edição de tiragem com menos de um mês de lançamento.   

Em relação ao Circuito dos Vencedores, com a participação dos autores premiados na edição de 2023 – Airton Souza e Bethania Pires Amaro – informamos que será realizado. A postergação do início da circulação ocorre em virtude das mudanças no Prêmio Sesc de Literatura, que exigiu dedicação completa da equipe de Literatura do Departamento Nacional do Sesc.  

Sobre uma mudança no edital, com a criação de uma comissão interna para julgamento das obras inscritas, esclarecemos se tratar de mais uma informação falsa, dentre tantas que vêm circulando sobre o projeto. O Prêmio Sesc de Literatura sempre se pautou pela imparcialidade, com decisão soberana de suas comissões julgadoras, formadas por escritores renomados, que selecionam as obras pelo critério da qualidade literária. O edital da edição 2024 já está disponível no site do projeto, com tais informações no item sobre o julgamento das obras – sesc.com.br/premiosesc. O processo de inscrição do concurso continua o mesmo, com os livros inscritos pela internet, gratuitamente, de forma anônima, impedindo que os avaliadores identifiquem os autores.

As obras selecionadas pelo Prêmio Sesc de Literatura nesses 20 anos abordaram as mais diferentes temáticas, representando um reflexo de questões de grande relevância discutidas pela sociedade. É, inclusive, um dos papéis desse importante projeto, que proporciona ao público a reflexão e debate sobre importantes temas, como diversidade de raça, gênero, orientação sexual, trazidos a luz por meio da literatura. Ao longo de mais de sete décadas, o Sesc construiu um trabalho ímpar de valorização da produção cultural brasileira, respeitando e difundindo sua diversidade nas mais diversas linguagens, sendo hoje uma referência no país e no exterior. 

Por último, ressaltamos que o Prêmio Sesc de Literatura é gerido por uma equipe de profissionais da área de Literatura do Departamento Nacional do Sesc, que atuam em parceria com outras áreas de forma a promover o projeto nacionalmente, não existindo nenhum prejuízo à iniciativa em virtude do desligamento de quaisquer colaboradores da Instituição. O Sesc se reserva no direito de selecionar e manter em seus quadros funcionários que atuem em sintonia com a filosofia e cultura da Instituição.

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