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Aterro de Marituba: Prorrogação do prazo para fechamento evidencia danos socioambientais

Pesquisadores, especialistas e estudos mostram que tanto a reativação do lixão quanto a prorrogação do Aterro de Marituba se mostram prejudiciais à população e ao meio ambiente

O Liberal

Na última semana, com a aproximação do encerramento das atividades do Aterro de Marituba, a prefeitura de Belém cogitou voltar a usar o Lixão do Aurá para armazenamento dos detritos descartados pela capital paraense, Ananindeua e Marituba. No entanto, na véspera do fim do prazo, a data limite para o uso do local foi novamente prorrogada por mais 15 meses de funcionamento. Contudo, pesquisadores, especialistas e estudos mostram que tanto a reativação do lixão quanto a prorrogação do Aterro de Marituba se mostram prejudiciais à população e ao meio ambiente, além de ir contra o que diz o Plano Nacional de Resíduos Sólidos.

image Lixão do Aurá (Imagem: Edenilton Marques / Tv Liberal)

Belém, que vai sediar a COP 30, maior evento da ONU sobre meio ambiente, e os demais municípios da Região Metropolitana há anos enfrentam problemas relacionados ao saneamento básico. Entre eles, o mais emergente atualmente é a falta de um plano de ação voltado a destinação e tratamento dos resíduos sólidos que são produzidos na RMB. Segundo o engenheiro sanitarista Giovanni Chaves Penner, especialista em hidráulica, saneamento e meio-ambiente e professor da Universidade Federal do Pará, as duas alternativas existentes atualmente - Aterro Sanitário e Lixão do Aurá - não garantem 100% de segurança e continuam causando danos.

“O aterro, em teoria, deveria ser o local mais adequado para receber os rejeitos, se realmente houver a questão da segurança ambiental. É temerário pensar em reativar ou então retomar a atividade de um lixão para receber resíduos de uma grande metrópole. Se já estavam questionando algumas atividades e problemas que acontecem com a população ao redor do aterro de Marituba, imagine as consequências em um local que não tem critério nenhum para o descarte. Então, de qualquer maneira, as consequências negativas e prejudiciais vão existir em ambos”, afirma Giovanni Penner.

image Aterro de Marituba (Imagem: Thiago Gomes)

O encerramento do Aterro de Marituba tem sido continuamente adiado. O local é o destino de aproximadamente 500 mil toneladas de resíduos anualmente, equivalente a cerca de 40 mil toneladas por mês. Estabelecido em 2015 como uma alternativa para substituir o lixão do Aurá, o local já atingiu a capacidade máxima tornando iminente um colapso ambiental.

“Uma das principais limitações é a questão do espaço físico. Eles já exploraram bastante a área. Outro fato é a questão da proximidade com a comunidade. Já surgiram fatores que foram questionados por muito tempo, como o odor, ruídos, vibrações, doenças e vários outros que os moradores próximos alegam. E, por isso, deveria se pensar se é o mais adequado ou não. Vale lembrar que o aterro passou por um momento ineficiente e teve algumas estruturas de controle que não funcionaram bem, mas é considerado como tal já que tem componentes mínimos de um aterro”, comenta o professor. 

image Giovanni Chaves Penner (Imagem: Ivan Duarte / O Liberal)

Problemas hídricos

O município de Marituba apresenta aspectos naturais específicos, uma deles é a presença de uma hidrografia que atravessa a extensão territorial. Ela é composta principalmente por diversos igarapés e rios, dentre os principais estão: Uriboca, Itapecuru e Ananindeua, sendo este último um antigo acesso ao povoado de Marituba. 

Um estudo denominado “Análise  de  crime  ambiental  praticado  por  pessoa  jurídica  no  aterro  sanitário  de Marituba (RMB) e seus impactos socioambientais”, publicado em 2023 por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), aponta vários efeitos socioambientais negativos no meio  ambiente  da  região onde o Aterro de Marituba está instalado. Além disso, a pesquisa, que foi feita com base em vários estudos ao longo de 10 anos, apresenta dados e informações sobre a água dos rios próximos ao local. Tais amostras foram colhidas por meio de análises coordenadas pelos principais órgãos do Estado, como o Ministério Público do Pará (MPPA) e o Instituto Evandro Chagas (IEC).

“Em  fevereiro  de 2019, o  Instituto  Evandro  Chagas  (IEC)  apresentou um  relatório ao MPPA,  que constatou  altos níveis de poluição no meio ambiente  de nove áreas vizinhas ao aterro de Marituba, como: Santa Lúcia I, Santa Lúcia  II, Albatroz I, Albatroz II, Campina Verde, São João, Almir Gabriel, Beija-Flor e São Pedro. A partir de 2019, o IEC, por  solicitação  do  MPPA,  realizou  uma  análise  de  corpos  hídricos  ao  redor  e  a  jusante  da  Central  de  Processamento  e Tratamento de Resíduos de Marituba (CPTR) com destaque para corpos hídricos do igarapé Uriboquinha, e o IEC emitiu o Parecer Técnico (0028696108)”, diz um trecho da pesquisa que se refere à análise solicitada pelo MP.

Essa análise foi realizada em setembro de 2022 e mostrou altos níveis de mercúrio, arsênio e benzeno nas águas. Segundo dados da OMS, o arsênico é “altamente tóxico” e os efeitos da exposição prolongada incluem “lesões na pele, neuropatia periférica, sintomas gastrointestinais, diabetes, doenças cardiovasculares, toxicidade no desenvolvimento e câncer de pele e órgãos internos”. Também indica que estudos técnico-científicos relatam que a exposição crônica ao arsênio em água potável pode ser prejudicial à saúde, podendo ocasionar hiperpigmentação, queratose (endurecimento da pele) e câncer de pele.

image Vista aérea do aterro sanitário de Marituba (Foto: Divulgação)

Por conta disso, o MPPA recomendou à Guamá Tratamento de Resíduos e à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado (Semas) medidas emergenciais de enfrentamento à contaminação. O corpo hídrico tributário do igarapé Uriboquinha é usado pela comunidade quilombola do Abacatal para recreação e consumo. Na Recomendação, tem a informação da existência de relatos dos comunitários sobre o desaparecimento de espécies de peixes, afetando os serviços ambientais.

image Lixão do Aurá (Imagem: Edenilton Marques / Tv Liberal)

Contaminação do Solo 

Conforme o sanitarista Giovanni Penner, o descarte de resíduos no aterro sanitário se fundamenta basicamente no uso do solo, de camadas de terra que recebem diretamente o lixo. Apesar da técnica ser mais eficiente, acaba ocasionando o contato entre o solo e substâncias como metais pesados, matéria orgânica e inorgânica dissolvida dentre outros contaminantes que podem trazer consequências negativas ao solo.

“O que deveria ocorrer é uma melhor administração do lixo pelo poder público, mas hoje, Belém não segue nenhuma política sobre geração de resíduos. Não estamos minimizando a produção de mais resíduos, não há políticas. Já deveria ter sido iniciado um processo de segregação na origem. Fazendo isso, já era possível recuperar esse material, que acaba indo parar no aterro sanitário e, automaticamente, contribuindo para problemas às pessoas que convivem ali”, diz o pesquisador.

As interferências na saúde humana e o controle da poluição do solo ocorrem por meio do tratamento do chorume, que se não for cuidado acaba contaminando o local onde está, ainda mais no aterro. Na dissertação “Qualidade da Água Subterrânea no Entorno do Aterro Sanitário de Marituba, Pa: Uma Avaliação e Risco à Saúde Humana”, apresentada no Programa de Pós-graduação em Epidemiologia e Vigilância em Saúde do Instituto Evandro Chagas, é apontado que há variação do teor de contaminantes no solo dependendo da quantidade do líquido tóxico.

“É bastante comum que os poluentes migrem verticalmente no solo e não lateralmente. Sendo assim, para evitar mais poluição por lixo, é recomendado que seja interrompido o armazenamento de chorume na terra; investido na construção de bacias de concreto para armazenar o líquido chorume para proteger o substrato geológico; definir um sistema de tratamento de lixiviados no aterro”, expõe um trecho do estudo.

image Aterro de Marituba (Foto: Thiago Gomes / O Liberal)

Gases Tóxicos

O principal efeito resultante do manejo inadequado dos resíduos sólidos, que afetam a qualidade do ar, estão associados à emissão de gases poluentes e à presença de material particulado. Entre as maiores fontes de emissão desses compostos estão o aterro sanitário, indústria e veículos. Os impactos adversos que estariam ligados a qualidade do ar fazem parte das reclamações dos moradores da área do aterro de Marituba que, diversas vezes, expressaram indignação com a permanência do empreendimento no local. 

Para o professor Giovanni Penner, os impactos relacionados aos gases produzidos são inúmeros. “Todos os compartimentos podem ser contaminados quando não há o devido cuidado. Seja o solo, o ar, a água ou a água subterrânea. Além disso, esses compostos contribuem significativamente para a má qualidade do ar. Isso pode prejudicar quem vive em torno do aterro sanitário, dessa maneira é importante tratar e pensar sobre soluções práticas que levem em consideração cada uma das especificidades das problemáticas envolvendo o aterro e o lixão”, declara.

No mês de setembro deste ano, em uma reunião convocada pela promotora de Justiça de Marituba, Eliane Moreira, do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), foi apresentado o resultado parcial de um estudo realizado nas proximidades do Aterro Sanitário de Marituba. A pesquisa intitulada  “Avaliação da Concentração de Gases Tóxicos e Odoríficos nas redondezas do aterro sanitário de Marituba”, que foi feita por profissionais da UFPA, indicou que “os valores dos gases metano (CH4) e sulfídrico (H2S) encontrados nas adjacências do aterro estão acima do nível regular da atmosfera. Segundo os autores da análise, isso teria relação direta com a proximidade do local de descarte de lixo”.

O Lixão do Aurá 

image Lixão do Aurá (Imagem: Edenilton Marques / Tv Liberal)

A data exata para o surgimento do Lixão do Aurá, localizado em Ananindeua, não existe. Ele começou a funcionar no final da década de 1980 e recebia, inicialmente, apenas os resíduos domésticos descartados por Belém.

“O Aurá teve um controle gerencial, mas nunca teve efetivamente o tratamento disso. Ele ainda tinha alguns equipamentos para tratar o chorume e os gases, mas nunca foram usados. O pior de tudo, a área foi explorada por muito anos e não há a dimensão exata dela, não há um mapa do lixão que mostre o verdadeiro local onde os materiais foram descartados. Não tem informações de quantidade de material depositado, nem profundidade e nem quando terminou. Não há documentação”, informa o sanitarista Giovanni Penner.

Segundo o professor, desde o início até o ‘fechamento oficial’, em 2015, o Lixão do Aurá acumulou problemas. “Acompanhei estudos feitos por colegas que tratavam sobre as águas subterrâneas e superficiais próximas ao lixão. Em todos foram apresentadas alterações. Inclusive, chegaram a discutir um potencial impacto na captação de água feita pela Cosanpa no Rio Guamá. Mas por falta de estrutura e segurança no local (lixão), não tiveram como prosseguir com os levantamentos”, explica Penner.

Conforme o professor, uma atividade poluidora de grandes proporções como foi o Lixão deve ter causado prejuízos ao meio ambiente maiores do que se pode estudar atualmente. “Usar novamente o lixão é aumentar as substâncias poluidoras que já existem lá. Piorar a situação da água, ar solo e tudo mais. Fora isso, essas substâncias podem ser levadas pelo vento, como vemos a questão do odor, semelhante ao que acontece no Aterro de Marituba. A verdade é que o Aurá nunca foi encerrado. Em teoria, ele foi fechado em 2015, para iniciar o Aterro de Marituba, mas ele continua recebendo entulhos e degradando o meio ambiente”.

image Giovanni Penner (Imagem: Ivan Duarte / O Liberal)

O especialista apontou quais doenças que ainda podem ser transmitidas devido aos danos causados pelo Lixão. “O contato direto pode causar problemas de pele, de contaminação e outras. Já as doenças, estão sujeitos a males de veiculação hídrica, doenças associadas aos vetores rato e barata, aves que apareçam lá, doenças relacionadas à exposição dos ambiente e até mesmo o câncer”, lista Giovanni Penner.

Pela determinação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), todos os lixões do país deveriam ter sido fechados até 2 de agosto de 2014. Porém, a desativação oficial do Aurá ocorreu apenas em 5 de julho de 2015, aproximadamente um ano após a data limite.

A Redação Integrada de O Liberal solicitou nota da Guamá Tratamento de Resíduos e da Prefeitura de Belém e não obteve retorno até o fechamento da matéria.

 

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