“Não é porque fez um voto que virou santo”, diz Monja Coen sobre João de Deus

Em entrevista à Conexão AMZ, a monja mais famosa do Brasil explica porque se manifesta politicamente, fala do escândalo envolvendo o médium João de Deus e diz que nós precisamos aprender a usar a tecnologia

Conexão AMZ
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O tom de voz é suave, o sorriso é farto e o corpo parece convidar para um abraço apertado. Mas não se deixe enganar. Nem só de doçura se faz um monge. Cláudia Dias Baptista de Sousa, 72, a monja mais pop do Brasil, é uma mulher de ideias fortes que costuma temperar suas frases com pitadas de ironia. Talvez você não esteja ligando o nome à pessoa, mas Cláudia é o nome de batismo da monja Coen Rōshi, a brasileira que aderiu à vida monástica há 36 anos  e, na era das mídias digitais, se tornou uma celebridade on line e off line.

Seus vídeos no youtube sobre temas como desapego e medo da morte chegam a ter mais de meio milhões de visualizações cada. Os programas de TV  costumam  disputar vaga na sua agenda e as palestras Brasil afora lotam auditórios. Líder espiritual, a Monja Coen não se omite diante de temas espinhosos como a política brasileira ou acusação de crimes sexuais contra líderes religiosos.  Nas redes sociais, já se manifestou contra a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e assinou, com outras personalidades, um manifesto a favor da democracia. Foi criticada, mas diz que não leu os comentários.

Na semana passada, a Monja esteve em Belém para três dias de palestras e sessões de meditação. Num dos intervalos, conversou com nossa editora Rita Soares sobre desapego, ansiedade gerada pelas novas mídias, mas também sobre política e o escândalo envolvendo o médium João de Deus.

AMZ | Diante de tudo  que as  pessoas expressam nas redes sociais, a senhora acredita que ainda é possível ter fé na humanidade?

MC | Com certeza. A gente dá muita visibilidade ao mal e pouca visibilidade ao bem. O que nos falta é dar á mais visibilidade ao bem. Tem muita gente usando a Internet de modo errado, mas tem também gente usando de forma correta. Então, temos que dar força e poder aqueles que estão se propondo a fazer aquilo que é benéfico para humanidade.

AMZ | Um dos ensinamentos de Buda é o desapego. Como exercitar isso em uma sociedade onde as pessoas estão o tempo todo sendo chamadas para ostentar aquilo que elas têm, especialmente nas redes sociais?

MC | Estamos como uma criança que ganhou um novo brinquedo e não sabemos usar  direito ainda. Estamos usando de forma indevida  e existe todo o apelo do marketing para criar objetos desejáveis ao ser humano. Mas já estamos percebendo que essas coisas não nos trazem felicidade. Você a uma loja ou compra pela internet, fica feliz, mas logo depois, aquilo não serve mais. Você diz, nossa o que eu vou fazer com isso? É o que acontece com todos nós. A gente pensa: ‘se eu tiver isso ou aquilo, vou ser feliz’, mas, aos poucos, s pessoas estão percebendo que o consumo exagerado não é benéfico. A Unesco fez umas listas de como criamos uma cultura de paz e uma das condições é o consumo consciente. Todos precisamos consumir. Precisamos de roupas, sapatos, mas tudo isso pode ser feito com consciência. E eu já vejo essa preocupação na nova geração. O consumo pode ser também uma medida de transformação da sociedade.

AMZ | A senhora usa bastante as redes sociais

MC | É um meio de comunicação importantíssimo. Na época de Buda, há 2600 anos, ele precisava viajar o País inteiro para ensinar, era um processo lento caminhando para propagar o Dharma. Hoje, nós que somos monges e monjas, pessoas que estão relacionadas a uma tradição espiritual, temos o dever de transmitir isso. E, e s redes sociais são facilitadoras, por que não usar?.

AMZ | Parece que quanto mais tecnologia, menos tempo a gente tem. Como lidar com essa ansiedade dessa sociedade supercontectada?

MC | Temos que aprender a usar a tecnologia. Não temos como acompanhar tudo o que está acontecendo em todas as redes. É preciso eleger aquilo que é prioridade para você. Uma coisa que eu percebo é que, graças à tecnologia, estamos ficando mais sensíveis, mas delicados em termos de tato mesmo porque equipamentos como os smartphones exigem toques delicados para funcionar.

AMZ | Por outro lado, por haver essa comunicação à distância, as pessoas acabam tendo os chamados ataques de “sincericídio”. A senhora não acha que  as pessoas estão perdendo um pouco a medida da delicadeza e do respeito ao outro?

MC | Também tem esse lado. Mas você não deve retroalimentar isso. Eu não leio comentários no meu Facebook. Dou minha opinião, apresento alguma coisa e é o máximo que posso fazer. Se a pessoa gosta ou não gosta o problema é dela.

AMZ | A senhora é uma líder espiritual que se manifesta politicamente em alguns momentos, em alguns momentos e a senhora não lê os comentários, mas eu leio e vejo muitos ataques. Como a senhora lida com isso?

MC | Quem não concorda pode se manifestar. Nem todo mundo precisa concordar comigo.

AMZ | A senhora não teme perder seus seguidores, melindrá-los com essas posições?

MC | Olha, eu estou  muito bem acompanhada. Estou ao lado de Leonardo Boff, de Frei Beto. Estou com algumas pessoas que considero importantes na minha vida que são orientadores e guias de como me posicionar nesse mundo.

AMZ | A senhora acha que um líder espiritual deve manifestar posições políticas?

MC | Neste País, somos obrigados. Aliás sou uma admiradora do Mario Sérgio Cortella e ele escreveu um livro e diz que idiota é aquele que diz não ter nada a ver com política. A nossa vida é feita de relacionamentos humanos, de posicionamentos. Eu tenho que fazer escolhas e escolho pelo social, pelos mais pobres, por aqueles que têm maiores necessidades. Eu tive um professor que me fez um comentário que me parece muito convincente. Quem diz que não se deve mexer na natureza são os fascistas e nazistas que acham que o mais forte deve sobreviver e o mais fraco, largado à própria sorte para ser exterminado.  Mas nós democratas, acreditamos que devemos interferir sim, na natureza, e ajudar os mais fracos a sobreviver e participar da sociedade. É nisso que eu acredito.

AMZ | A gente está assistindo a escândalos envolvendo líderes espirituais. Como a senhora avalia esses episódios? Isso não enfraquece a crença das pessoas?

MC | A gente cria mitos sobre as lideranças religiosas, que este ser está isento de desejos, de apegos e aversões. Não está. O que eu acho lamentável é que a pessoa não tenha autocontrole e vá se envolver com seus adeptos. E isso não é bom para ninguém, nem para os adeptos, nem para o próprio líder. Buda dizia que a mente humana deve ser mais temida que cobras venenosas e assaltantes vingadores. O líder espiritual é capaz de se convencer que  está fazendo o bem, quando, na verdade, está fazendo o mal. Por isso, não pode ser isolado, não pode ficar sozinho, tem que está em companhia de uma comunidade que lhe dê apoio. Quando estava morrendo, Buda disse para seus discípulos: não andem sozinhos, andem dois a dois, porque um apoia o outro, isso é muito importante. Nenhum professor sabe tudo. O líder pode ter uma carência, um defeito. Por isso eu digo: não tenha privacidade, atenda sempre com o grupo. E nós temos que parar de endeusar pessoas, somos seres humanos com defeitos e falhas não é porque fez um voto que virou santo.
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