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Não existe espaço para golpe no Brasil, diz Haddad

Candidato do PT em 2018, o professor comenta sobre o clima de confronto no Brasil em 2020 e que máquina de fake news no Brasil e EUA provoca mais mortes por covid-19 porque gera desinformação

Rita Soares

Apesar do clima de confronto entre as instituições, não existe clima para uma aventura golpista no País. "Uma ditadura não teria apoio de mais do que 15 a 20% dos brasileiros", avalia o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Foi ele o candidato derrotado por Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018.

Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, à jornalista Rita Soares, Haddad falou sobre o impacto das redes sociais naquelas eleições, admitiu que os partidos não estavam preparados para combater fake news e falou também de eleições municipais, do ex-presidente Lula e das crises atuais enfrentadas pelo País.

Confira a entrevista completa:

Como o senhor definiria o atual momento político do Brasil?
Infelizmente, este talvez seja o momento mais delicado da nossa História. Temos três crises sobrepostas. Uma crise que veio de fora para dentro que é a crise da pandemia. A segunda é decorrência da má gestão da crise do coronavírus. É a consequência econômica da pandemia. Os países que foram mais determinados em enfrentar o coronavírus já estão saindo do problema e nós ainda estamos no pico.  Nós poderíamos estar juntos com países da Europa e da Ásia, saindo da situação de isolamento e voltando às nossas atividades normais, mas como os governos Federal e estaduais entraram em choque e não houve uma liderança no País capaz de unir a vontade nacional em torno do problema,  estamos com esse segundo problema. E terceiro e não menos grave que o primeiro e segundo é o risco institucional que o atual governo representa no sentido de atacar as instituições praticamente todos os dias, com especial atenção para a imprensa, além de insuflar uma parte da população, inclusive com disseminação de armas de fogo. Então, não sabemos onde isso vai dar. O Brasil está sendo governado por uma pessoa muito desequilibrada, no momento em que nós precisávamos de equilíbrio e liderança.

Como o senhor acha que este período vai passar para os livros de História? É um momento delicado da nossa democracia não?
A Democracia está sendo colocada à prova. Eu quero crer que o Brasil tenha amadurecido suficientemente para repelir, de uma vez por todas, qualquer arroubo autoritário, qualquer vontade de achar que a violência vai nos ajudar a modernizar o País ou vai nos ajudar a ter mais respeito internacional. Pelo contrário. As ditaduras nunca fizeram bem ao País, nem a do Estado Novo, nem a Militar são exemplos a serem seguidos. O eleitor é que tem que decidir os rumos do País. O mundo não está em situação normal. Nós temos crises recorrentes e precisamos de lideranças legítimas para liderar o País.

O Núcleo duro do bolsonarimo parece cada vez mais coeso aprovando as medidas do presidente Jair Bolsonaro e, inclusive, pedido medidas mais autoritárias como a volta do AI 5. O senhor acha que as forças democráticas conseguem fazer frente a esse grupo mais autoritário?
Olha, eu acredito que uma ditadura não teria hoje no Brasil mais do que 15% a 20% de apoio. Não acredito que existam brasileiros em número maior que esse que apoiariam uma ditadura. Não vejo apoio popular para uma ditadura bolsonarista. Acho que estão testando as instituições. Estão vendo se angariam apoio da população, mas hoje, para cada brasileiro que apoia o governo, tem dois que reprovam. Não há ambiente, neste momento, para nenhuma aventura, mas eles estão tentando criar esse ambiente. E armar a população é uma forma de criar esse ambiente. Se essa turma bolsonarista começar a ir para a rua armada e matar um jornalista, um militante, uma liderança social, isso pode fazer uma escalada de violência e criar um constrangimento grande.

"O Brasil está sendo governado por uma pessoa muito desequilibrada, no momento em que precisava de liderança"

O presidente tem sido bastante claro nessa questão de armar a população, falou disso naquela reunião (do dia 22 de abril) que foi gravada. Não está faltando um posicionamento mais firme das instituições em relação a isso? 
Você tem toda razão. Nestes últimos momentos, houve uma ação do Supremo para apreender computadores e celulares de suspeitos de disseminarem notícias falsas,  as chamadas fake news. Se nós começarmos a desmontar a máquina de mentiras do bolsonarismo que, ao fim e ao cabo, foi o que lhe deu a vitória em 2018, as chances de um assalto ao Estado vão ser muito menores. Porque ele vive da mentira. Ele precisa da máquina de fake news para ter uma base de apoio.

Por falar em eleições 2018, quais são as lições que ela deixou?
Evidentemente, todos os partidos, e não só o PT, estavam despreparados para a guerra virtual que o Bolsonaro estabeleceu no País nos termos que ele impôs. As pessoas estavam preocupadas com programas de TV, com Facebook, com Twitter e ele tinha montado uma rede de Whatsapp impenetrável que não conseguíamos monitorar e que foi o canal por onde as fake news foram transmitidas. O próprio PSDB tomou uma lavada no primeiro turno.  E, no segundo turno, eu tive muita dificuldade de enfrentar a máquina de fake news. A gente não tinha uma máquina equivalente. Primeiro que eu não ía usar fake news contra ninguém e segundo que a gente não tinha uma máquina sequer para neutralizar.

Hoje já tem? Os partidos estão melhor preparados para combater as fake news?
Eu acho que hoje ainda não. Não temos o tamanho do Bolsonaro. Vamos precisar trabalhar até 2022 para ter condições mínimas, não de reagir à máquina dele, porque não queremos fazer igual, mas de neutralizar as mentiras. E a sociedade começa a se proteger. Recentemente, um grupo de pessoas criou um procedimento de avisar uma empresa quando ela faz publicidade em um site de fake news e a empresa deixa de financiar aquele site. A sociedade começa a aprender a lidar com isso. O Problema da fake news é que você começa usando contra seu adversário e depois começa a usar contra a população. Por que onde mais morre gente no mundo pela covid são Estados Unidos e Brasil? Porque é a mesma máquina de fake news que fala que é uma gripezinha, que a cloroquina cura a gripezinha. As consequências são reais na vida das pessoas e essas máquinas estão começando a ser desmontadas.

"Todos os partidos, não só o PT, estavam despreparados para a guerra virtual que o Bolsonaro estabeleceu"

Tirando a questão das fake news e falando de redes sociais de um modo geral, o senhor acha que a esquerda está preparada para falar com o público usando essas novas ferramentas?  
Eu acho que nós melhoramos. Eu vejo pela minha rede. Melhorou muito de 2017, 2018 para cá. Hoje eu falo com seis  milhões de pessoas pelas minhas plataformas.  Estamos aprendendo a usar isso e de forma positiva. Não adianta usar como Bolsonaro usa. Queremos usar de forma propositiva, ajudar as pessoas a terem discernimento do que está em disputa e formarem, com liberdade, o seu juízo sobre os fatos da vida pública nacional.  Mas ainda temos muito trabalho pela frente até 2022.

O senhor fala em 2022 e não se refere à eleição deste ano que deve ser adiada, mas vai acontecer. O senhor já dá essa eleição como perdida?    
Em minha opinião, ela não terá o caráter que se suponha. Eu acho que as pessoas vão estar ainda muito afetadas pela pandemia e pela crise econômica e não sei qual o papel que as eleições municipais vão ter. Não sei se terão o caráter nacional como alguns supõem. Acho que elas vão ter muito mais o papel de sinalizar para o governo se (o eleitor) está feliz ou infeliz com o que estão fazendo do que propriamente de projetar o futuro.

O apoio de prefeitos é muito importante para a eleição presidencial...
Eu sei, mas o que quero dizer é que essa eleição municipal tende a ter um efeito mais retrospectivo que prospectivo. Acho que ela dialoga mais com o que o Brasil viveu nos últimos dois do que com o que o Brasil vai viver nos dois anos seguintes.

Voltando a falar das fake news, o senhor citou algumas iniciativas da sociedade civil, mas como as instituições devem fazer frente a elas?
A CPI das fake news no Congresso e o inquérito no Supremo Tribunal Federal podem ter resultados muito interessantes, sobretudo, se resultar em prisão dos responsáveis. Evidentemente está sendo usado dinheiro sujo para promover essas fake news. Isso custa dinheiro. Custa oito  centavos cada mensagem enviada e são milhões disparadas todos os dias. 

Tem se falado muito sobre uma frente única das forças democráticas. Qual a sua opinião e quem cabe nessa frente?    
Eu acredito que temos que compreender o momento delicado que o Brasil está vivendo. Isso não significa ter um candidato único em 2022 porque cada partido tem seu projeto e suas pretensões. Normal que seja assim. O que eu espero é que os democratas estejam todos unidos no segundo turno. O que aconteceu em 2018 foi que os democratas se dividiram e uma parte apoiou o Bolsonaro imaginando que ele tinha se convertido a teses moderadas. E isso não aconteceu. O maior conflito do Bolsonaro hoje é com a centro-direita, nem é com a centro-esquerda. 

Uma parte da centro-direita e da própria centro-esquerda acusa o PT de ter sido responsável pela eleição de Bolsonaro ao insistir na sua candidatura. Segundo essa tese, a estratégia ideal seria puxar para o centro naquele momento. O senhor concorda com isso?
Faltaram 5% dos votos para eu ganhar a eleição. Eu tenho certeza de que se eu tivesse contado com apoio dos democratas de centro-direita, eu teria ganhado a eleição, mas eles quiseram passar para o País a ideia de que o Bolsonaro era uma pessoa domesticável, quando todos nós sabíamos quem era o Bolsonaro. E aí deu nisso. Bolsonaro nunca trabalhou, nunca estudou, nunca quis conhecer o Brasil. Teve sete mandatos e nunca apresentou um projeto decente para o País. Por isso que ele vai trocando as pessoas. Estamos sem ministro da saúde porque ele nunca se interessou pelo tema. Não sabe nem quem colocar.  As pessoas achavam que Bolsonaro tinha se convertido ao credo liberal, mas Bolsonaro é um fascista, desde sempre. Nunca escondeu isso de ninguém.

Qual o papel do ex-presidente Lula no atual momento político do País?
O Lula é o maior político da História do Brasil. Foi o melhor presidente da História do Brasil, segundo todas as pesquisas de opinião e vamos lutar muito para ele recuperar os direitos políticos no Supremo Tribunal Federal que deve julgar a suspeição do ex-ministro (da Justiça) Sérgio Moro ainda este ano. Acho importante este julgamento porque eu entendo, como advogado do Lula, que o Sérgio Moro jamais apresentou uma prova.

Politicamente, qual vai ser o papel dele? Candidato, cabo eleitoral?
Olha, se ele recuperar os direitos políticos, como todos nós desejamos, acho que ele é naturalmente o candidato que o PT vai pedir para nos representar (em 2022) porque ele é o maior nome do partido.  Então é para isso que vamos lutar. Agora, obviamente, ele fala ‘eu tenho 77 anos, eu quero ser cabo eleitoral’ também é um direito dele, mas vai receber muitos convites para nos representar na eleição assim que o Supremo julgar a suspeição do Moro.

Qual vai ser a estratégia do PT para eleições municipais?
Nossa estratégia é ter candidato no maior número  de cidades, sobretudo, naquelas que têm segundo turno, mas não vamos ter candidato custe o que custar. Por exemplo, em Porto Alegre, vamos apoiar a Manuela d’Ávila. No Rio, estávamos 100% dispostos a apoiar o Marcelo Freixo, então estamos apoiando aqueles que mesmo não sendo do PT têm chance de derrotar o fascismo.

Qual o cenário no Pará?
Na Região Norte, ainda temos ajustes a serem feitos.        

Aqui no Pará, o PT está bem próximo do MDB. Essa aliança é bem vista?
Eu saudei a eleição de 2018 do governador (Helder) Barbalho. Ele representa uma tentativa de modernização do Estado.  O que nós temos que fazer com o País é o que foi feito no Nordeste que se encontrou com o desenvolvimento. Você tem governadores efetivamente modernos. Eu acho que o MDB teria chance de se modernizar mais, sobretudo, no Sul e Sudeste do País.

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