400 mil mortes poderiam ter sido evitadas, dizem pesquisadores

Governistas questionam os números

Thiago Vilarins (Da Sucursal Brasília)

Quatro em cada cinco mortes pelo novo coronavírus (covid-19) no País eram evitáveis, caso o governo federal tivesse adotado outra postura - apoiando o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação e ao mesmo tempo acelerando a aquisição de vacinas. Ou seja, entre as mais de 500 mil mortes pela doença, pelo menos 400 mil delas não teriam ocorrido durante pandemia. Foi o que afirmara ontem à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, e Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta.

"Quatro de cada cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial. Não é se estivéssemos com um desempenho maravilhoso, como a Nova Zelândia, Coreia, Vietnã. Se nós estivéssemos na média – um aluno que tira nota média na prova –, nós teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil", disse Hallal. Senadores governistas criticaram os levantamentos. Marcos Rogério (DEM-RO) classificou como "superficiais" afirmações de que seria possível evitar mortes "com essa ou aquela política". 

"O coronavírus não respeita barreiras políticas, ideológicas, econômicas ou sociais. [...] O que ataco é a pesquisa, que não serve de parâmetro para nada em razão dos dados", disse o senador. Já Eduardo Girão (Podemos-CE) defendeu que seria importante que o levantamento considerasse outros países para permitir comparação. "Erros nós tivemos no mundo inteiro", apontou. Ele ainda questionou o cálculo utilizado nas pesquisas para "depurar qual é a verdade".

O cálculo do pesquisador da Universidade Federal de Pelotas leva em consideração que 2,7% da população mundial vive no Brasil, mas concentra 13% das mortes, e projeta quantas mortes por covid-19 teriam ocorrido no país se ele tivesse tido um desempenho na média mundial.  "Os cientistas não estão 100% certos, estar 100% certo é muito difícil, mas o presidente errou 100% na condução da pandemia, e isto 100% errado também é muito difícil", argumentou Pedro Hallal.

Segundo ele, só a demora na aquisição de vacinas e o ritmo lento da imunização resultaram em ao menos 95 mil mortes segundo Hallal. "Nós fizemos uma análise que estimou que especificamente o atraso na compra das vacinas da Pfizer e da CoronaVac resultou em 95,5 mil mortes. E logo depois, outros pesquisadores analisaram os dados não especificamente dessas vacinas, mas o ritmo da campanha de vacinação que teria sido, caso tivéssemos adquirido, e eles estimaram 145 mil mortes especificamente pela falta de aquisição de vacinas tempestivamente pelo Governo Federal", disse.

O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) disse que o País tem que comemorar as mais de 16 milhões de vidas salvas. Em resposta, Hallal comparou essa comemoração à derrota do Brasil para a Alemanha na Copa do Mundo de 2014. "Eu sempre fico com a sensação de que nós estamos comemorando o gol do Brasil contra a Alemanha. Foi 7 x 1 o jogo e a gente está comemorando que 16 milhões de pessoas ficaram doentes", argumentou.

Os dados apresentados por Hallal convergem com levatnamentos do Grupo Alerta, formado por entidades da sociedade civil, como Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Oxfam Brasil, Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e Anistia Internacional Brasil. Sem considerar o impacto da vacinação, o grupo aponta em outro estudo que a pandemia provocou, em um ano, 305 mil mortes acima do esperado no Brasil. E ao menos 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas com medidas não farmacológicas, testagem e rastreamento.

"A gente poderia ainda no primeiro ano de história da pandemia ter salvo 120 mil vidas. E não são números. São pais, são mães, são irmãos, são sobrinhos, são tios, são vizinhos. A gente poderia ter salvo pessoas, se uma política efetiva de controle, baseada em ações não farmacológicas, tivesse sido implementada", avaliou Jurema Werneck.

 

Minorias foram as mais impactadas

Segundo Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e representante do Grupo Alerta, o impacto do descaso do governo foi ainda mais duro sobre a população indígena, negra e os moradores de favelas e periferias segundo Jurema Werneck. Com o apoio de professores e pesquisadores de universidades como UFRJ e USP, o grupo compilou dados oficiais sobre mortes evitáveis na população mais vulnerável. "As desigualdades estruturais tiveram influência sobre as altas taxas de mortalidade. E quando a gente cruza com diferentes marcadores, a gente vê que a maioria das pessoas que morreram no Brasil eram negras, eram indígenas, eram pessoas de baixa renda e de baixa escolaridade", apontou.

De acordo com o estudo da Universidade Federal de Pelotas coordenado pelo pesquisador Pedro Hallal que monitorou as taxas de infecção entre brancos, pardos, negros e indígenas, a infecção foi cinco vezes maior entre as populações indígenas e duas vezes maior entre os negros. O senador Marcos Rogério (DEM-RO) criticou estudo de Hallal e disse que epidemiologista "não tem conhecimento" sobre a questão indígena. O parlamentar reforçou que dados oficiais apontam 9 óbitos para cada 10 mil indígenas, enquanto que na população geral a relação é de 24 óbitos por 10 mil. "Você não pesquisou sobre índio, sobre comunidade indígena, não visitou nenhuma aldeia, não conhece, pelo jeito – pelo menos é o que esta demonstrado aqui – como funciona dentro de uma aldeia indígena", disse o senador.

Pedro Hallal explicou que o levantamento envolveu indígenas não aldeados - que vivem em áreas urbanas -  e detalhou a metodologia da pesquisa. Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que o Centro de Pesquisa de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas é considerado um dos melhores e um dos mais importantes centros de epidemiologia do Brasil e é reconhecido mundialmente. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lamentou constantes ataques à ciência. "Nos tempos atuais, parece que se resolveu atacar a ciência e onde se faz ciência", disse Randolfe.

Censura 

Ainda sobre esse estudo, Hallal disse ter sido censurado em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto para apresentação do levantamento. Segundo o pesquisador, ele foi informado pela respectiva assessoria de imprensa, com 15 minutos de antecedência, de que a apresentação teria um slide sobre a diferença da covid-19 entre os grupos éticos removido. "O slide foi retirado da apresentação e eu fui comunicado 15 minutos antes. E logo depois, pouco tempo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento por meio do Epicovid, sem qualquer justificativa técnica", denunciou.

Questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre quem teria ordenado a retirada do slide, Hallal sugeriu que pode ter sido o secretário-executivo do Ministério da Saúde à época, Élcio Franco, que participou da coletiva. "Não posso responder quem tomou a decisão em nome do Ministério da Saúde: se foi o Ministro Pazuello ou se foi o Secretário-Executivo Elcio Franco. Eu entendo que é mais provável que tenha sido o Secretário-Executivo porque é ele que estaria presente na coletiva", ponderou. 

 

CPI ouve irmãos Miranda nesta sexta sobre denúncia na compra da Covaxin

A CPI da covid vive a expectativa dos depoimentos, marcados para hoje (24), do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e do seu irmão Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde. Eles apontaram irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. Para membros da CPI, tanto da oposição quanto da base do governo, a oitiva deverá trazer luz sobre o caso e determinar se ele dará o tom das investigações.

O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou nesta quinta-feira (23) que, com a denúncia, a comissão "entrou numa fase nova", que a coloca no tema da corrupção. Para ele, no entanto, a história ainda é "obscura" e os depoentes precisarão apresentar os detalhes que ainda não anteciparam. "Nós sabemos de muita coisa e, ao mesmo tempo, não sabemos de nada. Um dos aspectos da exposição deles vai ser apresentar a cronologia dos fatos. Ainda não tivemos acesso a isso e é bom que os depoentes falem livremente amanhã [sexta]. A CPI convocou primeiro o servidor porque ele prestou depoimento ao Ministério Público Federal, e em seguida o deputado se dispôs a vir como convidado. É isso que os traz. Espero que ambos esclareçam os fatos", disse.

Randolfe também disse que a CPI vai precisar rever o seu calendário para acomodar eventuais novos depoimentos sobre esse caso. A princípio, a comissão tem prazo de funcionamento até o dia 7 de agosto. Ela pode ser prorrogada por requerimento que tenha o apoio de no mínimo 27 senadores. "Não podemos deixar sem resposta este escândalo e outros que possam surgir", afirmou Randolfe.

O senador Marcos Rogério (DEM-RO), que é vice-líder do governo no Congresso, declarou que defende a apuração de todos os fatos, mas avaliou que a oposição “espalha narrativas” antes de olhar para as evidências. Ele disse acreditar que a denúncia não permite levantar suspeitas, e pediu que a CPI não faça “prejulgamentos”.

O senador Humberto Costa (PT-PE) elencou várias perguntas que ele espera ver respondidas nos depoimentos dos irmãos Miranda. Para ele, o assunto não se encerrará depois da audiência, mas poderá tomar uma "dimensão grande" e a CPI terá informações para conduzir uma investigação mais embasada.

Onyx

Os senadores comentaram também o pronunciamento do ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência, na quarta-feira (22). Na ocasião, Onyx informou que o governo poderia tomar medidas legais contra os irmãos Miranda. Para Randolfe Rodrigues, o ministro tentou intimidar testemunhas da CPI, o que configura crime de acordo com a legislação que dispõe sobre as prerrogativas das comissões parlamentares de inquérito (Lei 1.579, de 1952). Nesta quinta, o senador Humberto Costa apresentou um requerimento pedindo a convocação de Onyx para depor ao colegiado.

"Esta CPI não admitirá isso [a intimidação de testemunhas]. Deveremos apreciar a convocação do ministro. É preciso que ele venha explicar o que o leva a intimidar. Se ele insistir, seremos obrigados a pedir a sua responsabilização nos termos da lei, que estabelece pena de prisão", declarou Randolfe.

Já o senador Marcos Rogério avaliou que Onyx apenas veio a público esclarecer as providências que o governo federal está tomando em relação às denúncias sobre a compra da Covaxin. "A oposição quer que o governo, sendo acusado de algo, fique quieto e não contradite os fatos, não apresente as evidências de que isso é uma narrativa criminosa?", questionou.

No seu pronunciamento, Onyx veio acompanhado de Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde (hoje assessor especial na Casa Civil), para apresentar documentos sobre a compra da Covaxin. Franco foi elencado como um dos 14 investigados pela CPI. Para Randolfe Rodrigues, a escalação do ex-secretário para rebater as denúncias dos irmãos Miranda foi uma "desfaçatez".

 

Maioria do STF decide que governadores não podem ser obrigados a depor

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem (24) que governadores não podem ser obrigados a prestar depoimento em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Em julgamento realizado no plenário virtual, a maior parte do colegiado seguiu o voto da relatora, Rosa Weber. A análise do tema se estende até hoje (25), e os ministros podem mudar de voto, embora este ato não seja comum. O entendimento ocorreu em meio a uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada por governadores convocados pela CPI que investiga ações e omissões do governo federal na pandemia da covid-19.

Representantes do Distrito Federal, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins alegam que a convocação para depor na CPI representa violação da separação dos Poderes e da forma federativa do Estado.

Ao se manifestar sobre o tema, a Procuradoria-Geral da República (PGR) entendeu que não existe impedimento para as convocações, pois os governadores, de acordo com a procuradoria, "não atuam na esfera própria de autonomia". No entanto, os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Cármen Lúcia seguiram o entendimento da relatora e proibiram as oitivas. A avaliação é de que de acordo com a Constituição a fiscalização dos governadores devem ficar a cargo das assembleias estaduais; e do Tribunal de Contas da União (TCU), nos casos que envolvem uso de verba federal.

"A amplitude do poder investigativo das CPIs do Senado e da Câmara dos Deputados coincide com a extensão das atribuições do Congresso Nacional, caracterizando excesso de poder a ampliação das investigações parlamentares para atingir a esfera de competências dos estados", escreveu Rosa. No entanto, de acordo com a decisão, os governadores podem colaborar com informações e documentos, se assim desejarem.

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