Novo coronavírus já matou 50 pessoas em Breves, no Arquipélago do Marajó

Avanço da doença aumentou produção de caixões na cidade. O Liberal esteve na sala vermelha da UPA onde marajoaras lutam contra a covid-19

Dilson Pimentel e Tarso Sarraf (para O Liberal)
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Há seis meses, Cícero Ferreira, dono de uma funerária da cidade marajoara de Breves, fazia 80 caixões a cada 30 dias. Hoje, são quatro ou cinco por dia. Um ritmo de trabalho que acumulou cerca de 130 desses esquifes funerários de madeira apenas no último mês. Cícero trabalha no ramo de enterros há mais de dez anos no município que é hoje o que registra o maior avanço de número de casos e de mortes relacionados ao novo coronavírus. Breves é a cidade mais populosa do Arquipélago do Marajó - e é a mais fragilizada pelo coronavírus na região, marcada pelo isolamento e pelo fluxo das águas.

Os dados desta sexta-feira (22), disponibilizados pela Secretaria de Estado de Saúde (Sespa), mostram que há 425 casos confirmados na cidade, que desde o início da pandemia no Pará, já chorou com um total de 50 mortes, conforme mostram até agora os números oficiais. A taxa de letalidade que atinge os corações urbanos do Marajó é de 11,76%. São 16 os municípios que compõem a região. E já há casos do novo coronavírus em todos.

Desafio marajoara segue: sobreviver  


A população total de Breves é estimada em cerca de 92,8 mil habitantes - de acordo ainda com o Censo Demográfico do IBGE de 2010). E o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,63, conforme aferem o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000) e a Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (Amam).

Cícero Ferreira produz caixões - que ele também chama de "urnas" - para Curralinho, Bagre, Melgaço, Portel, Anajás e Gurupá, outras cidades do Marajó. “A gente manda as urnas para esses municípios e atende óbitos também que vêm para Breves. Tivemos que fazer contratações para atender a demanda da produção, pelo acréscimo que teve”, calcula o dono de funerária, usando uma máscara branca.

Por causa no aumento no volume de trabalho, Cícero, de 42 anos, duplicou o número de funcionários. Tinha três e contratou outros três, para auxiliar na produção dos caixões. Uma dessas urnas, infelizmente, foi para um amigo dele. “Tive que conduzir o sepultamento. Ele veio a óbito por causa do coronavírus”, lamentou. O amigo, também morador de Breves, faleceu no começo de maio. 

Embora seja esse seu trabalho, Cícero desabafa sobre o momento de pandemia: “É uma sensação de tristeza porque são seres humanos, pessoas que conhecemos. São vidas sendo interrompidas  por esse vírus. Mas somos profissionais e  temos que, de certa forma, tentar amenizar um pouco o sofrimento das famílias enlutadas, dando um sepultamento de forma mais digna”, entristeceu-se.

Cícero Ferreira produz caixões para Curralinho, Bagre, Melgaço, Portel, Anajás e Gurupá, outras cidades do Marajó. A produção cresceu por causa da covid-19. “A gente manda urnas para esses municípios e atende óbitos também que vêm para Breves. Tivemos que contratar para atender a demanda”. Uma das urnas foi para um amigo, morto pelo coronavírus. “Tive que conduzir o sepultamento. É uma sensação de tristeza porque são pessoas que conhecemos. São vidas sendo interrompidas por esse vírus. Mas somos profissionais e temos que, de certa forma, tentar amenizar um pouco o sofrimento das famílias enlutadas, dando um sepultamento de forma digna”

image Produção de caixões salta em Breves: quatro ao dia apenas em uma funerária (Tarso Sarraf)

“Ganho meu dinheirinho, meu pão de cada dia, alimento meus filhos”, retruca por sua vez, de forma simples, dura e muito objetiva, Léo Farias Cardoso, usando sua máscara preta. O comentário é feito enquanto produz outro caixão. Cardoso trabalha há sete anos na funerária. Ele assevera: o novo coronavírus fez a produção crescer “bastante”.

Mas, apesar de trabalhar em um ambiente que remete a mortes, Léo afirma que gosta do ramo, Para ele, a labuta diária representa sobrevivência. É comida no prato e vida. É de onde tira, unicamente, o sustento dele e de sua família. 

Nesta semana, o fotógrafo Tarso Sarraf registrou um sepultamento no cemitério de Breves. Choveu muito. E como o cemitério fica perto de um igarapé, as covas ficaram cheias de água. A cena causou comoção entre os presentes. Apertou ainda mais os já sofridos corações marajoaras que perderam entes queridos. Mesmo assim, e de máscaras, os funcionários seguiram em frente. Lançaram suas pás nas águas e cumpriram a missão. Fizeram o enterro.

Nesta semana choveu muito no cemitério de Breves. E como o cemitério fica perto de um igarapé, as covas ficaram cheias de água. A cena causou comoção entre os presentes. Apertou ainda mais os já sofridos corações marajoaras que perderam entes queridos. Mesmo assim, e de máscaras, os funcionários seguiram em frente. Lançaram suas pás nas águas. E fizeram o enterro

Subdesenvolvimento abre portas ao vírus 


Em reportagem publicada esses dias, em O Liberal, o presidente da Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (Amam), Jaime da Silva Barbosa, falou da situação de fragilidade da região frente ao avanço da pandemia. “No Marajó, a situação é muito grave em relação ao enfrentamento ao novo coronavírus", avaliou ele, que é o prefeito de Cachoeira do Arari.

"Até duas semanas atrás, ainda existiam municípios que não contabilizavam casos confirmados de infecção. Agora, todos os municípios do Marajó possuem casos confirmados e apenas três ainda não têm casos de vítimas fatais”, diz Barbosa. Segundo ele, a dificuldade no enfrentamento à doença é muito grande pela logística e pelas questões financeiras.

“Aqui, temos os piores IDHs [índices de desenvolvimento humano] não só do Pará, mas do Brasil. Isso tudo faz com que as dificuldades sejam muito maiores. Sala de UTI, por exemplo, você só vai encontrar em Breves, onde tem o hospital de campanha, inaugurado essa semana pelo governador, e o hospital regional. Nos demais municípios, não existe sala de UTI”, acrescentou o prefeito.

"Até duas semanas, ainda existiam municípios que não contabilizavam casos confirmados. Agora todos os municípios do Marajó possuem casos de covid-19 e apenas três ainda não têm vítimas fatais”, diz Jaime da Silva Barbosa, prefeito de Cachoeira do Arari. Para ele, a dificuldade no enfrentamento à doença é muito grande pela logística e pelas questões financeiras. “Temos os piores IDHs [índices de desenvolvimento humano] não só do Pará, mas do Brasil. Isso tudo faz com que as dificuldades sejam muito maiores. Sala de UTI, por exemplo, você só encontra em Breves. Nos demais municípios não há UTIs”

image Sala vermelha da UPA de Breves: único município do Marajó com UTIs (Tarso Sarraf)

UPA de Breves tem 25 leitos e 4 respiradores


A UPA de Breves tem 25 leitos e quatro respiradores. Desde 26 de abril, a UPA passou a ser referência no município para os usuários de Breves para atendimento exclusivo de internação de covid-19.

Na cidade, há um hospital municipal e ainda o hospital regional. O hospital regional é para os casos de média e alta complexidade: conta com quatro leitos de UTI para atender moradores de toda a região chamada "Marajó 2" (Breves, Bagre, Portel, Melgaço, Curralinho, Gurupá (distante 12 horas de barco de Breves), Anajás. A chamada região "Marajó 2", portanto, é atendida pelo hospital regional, que tem 4 UTIs.

São duas as portas de entrada para a UPA. Uma é o Centro de Referência de Síndrome Gripal do centro, que atende populações diversas. A segunda porta de entrada é o Centro de Síndrome Gripal de Nova breves, que, até então, atendia servidores da saúde e da segurança pública e seus familiares, desde que residissem na mesma casa.

A Secretaria Municipal de Saúde de Breves informou que o Posto Nova Breves atenderá também, a partir desta sexta-feira (22), às seguintes categorias:  idosos (maior de 60 anos) sintomáticos e idosos (maior de 60 anos) que estejam assintomáticos, mas que residem com caso positivo.

tambpem estão incluídos os doentes crônicos sintomáticos diagnosticados por laudo (cardiopatas, asmáticos moderados/graves, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doentes renais, diabéticos mellitus); e profissionais de saúde e segurança pública e seus contatos intradomiciliares.

O atendimento no Centro de Referência Nova Breves ocorre de segunda a segunda-feira, das 7h às 19h, segundo informa a Assessoria de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde de Breves.

image Breves, epicentro da covid-19 no Marajó, soma quatro respiradores (Tarso Sarraf)

Farmacêutica viajou a Breves para ficar com mãe


Por ser a maior cidade da ilha do Marajó, Breves é uma cidade polo na região. E serve de escala para quem vem de Belém, vai para Macapá e para outras cidades da região. Também conta com agências bancárias. Por isso, moradores de outras cidades do Marajó vão até Breves para realizar esses serviços. Essa é uma condição que causa aglomerações e aumenta o risco de contágio pelo novo coronavírus. E há ainda muitos portos na frente da cidade - o que dificulta uma maior fiscalização.

A farmacêutica Ana Cristina Pantoja, 30 anos, está com a mãe, Ana Rosa Lopes Pantoja, 62, internada na UPA de Breves. Ana Rosa é funcionária do Ministério da Saúde, mas está cedida para o município. Por ser integrante de grupo de risco, estava afastada das atividades desde o início da pandemia.

Ana Rosa e o pai de Cristina, que também é do grupo de risco, precisavam se locomover para comprar comida e medicamentos. Em uma dessas saídas, ela contraiu o vírus. Passou dez dias com sintomas leves e monitoramento domiciliar. Na última segunda-feira (18), Ana Rosa foi para um posto que o município determinou, para acompanhamento dos profissionais de saúde. Fez o teste e já estava apresentando sinais de falta de ar. De lá, foi para a UPA de Breves. E segue internada desde então.

“O mais interessante é que o teste que ela realizou deu negativo, mas a tomografia e os sinais clínicos são característicos de covid-19. Falta o resultado do novo teste no Lacen”, diz a filha  Ana Cristina. “Eu exerço a minha profissão em Belém. Mas, diante do quadro da mamãe e precisando dar suporte para o meu pai, que estava sozinho em casa, me desloquei para Breves na última quarta. Tive muita dificuldade por causa do lockdown. Não tava tendo transporte, até que consegui para chegar para dar essa assistência”, lamenta. A farmacêutica Ana Cristina viajou para Breves de lancha. A viagem durou seis horas. De navio, dura, em média, 12 horas.

Na UPA, ela falou com a mãe pelo vidro, o que ocorreu, pela primeira vez, na quinta-feira (21).  “Eu mantenho contato por mensagem de WhatsApp. Algumas vezes nos falamos por ligação. Mas ver a mamãe, mesmo que pelo vidro, foi muito bom. Acalma a gente que tá aqui fora e tenho certeza acalmou ela também. O fato de não poder estar perto é muito difícil”, conta. “Ela segue estável. Mas já apresenta uma leve melhora. O boletim sempre sai às 17h. Então, estamos aguardando boas notícias”. 

 

Dona Ana Rosa é do grupo de risco mas precisava se locomover para comprar comida e medicamentos. Em um saída, contraiu o vírus. Passou dez dias com sintomas leves em casa. Depois foi para o posto. Já estava apresentando falta de ar. De lá, foi para a UPA de Breves. “O mais interessante é que o teste que ela realizou deu negativo, mas a tomografia é característica de covid-19”, diz a filha. Ana Cristina viajou de Belém para o Marajó para acompanhar a mãe. "Tive muita dificuldade por causa do lockdown. Não tava tendo transporte”. A farmacêutica viajou a Breves em seis horas de lancha. A viagem duraria 12 horas em um navio. "Ver a mamãe pelo vidro foi bom. Acalma a gente e tenho certeza acalmou ela também. O fato de não poder estar perto é muito difícil”

 

image Pacientes da UPA de Breves: 25 leitos hoje disponíveis (Tarso Sarraf)

Hospital de campanha já recebeu 20 pacientes


Em Breves, o hospital de campanha montado pelo governo do Estado, prestes a completar 10 dias de atendimentos à população, já recebeu 20 pacientes com a covid-19. Desses, dois foram transferidos e quatro receberam alta. Ao todo, a unidade conta com 60 leitos (56 clínicos e quatro de estabilização) e 130 funcionários, entre médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e da área administrativa.

Referência para mais de 318 mil habitantes da região marajoara, o hospital atende pacientes dos municípios de Anajás, Bagre, Curralinho, Gurupá, Melgaço e Portel. A transferência de pacientes para a Unidade ocorre de acordo com a disponibilidade de leitos cadastrados na Central Estadual de Regulação.

"Os pacientes recebem todo o tratamento necessário e acolhimento das nossas equipes. É um motivo de alegria toda vez que um paciente recebe alta", diz Diego Silva, diretor técnico do hospital. A animação, porém, ainda é ponderada. Os profissionais de saúde estão atentos à nova movimentação da onda de contágio da covid-19 no Pará - que, conforme aferem os balanços do Estado, faz agora a pandemia se propagar com força no interior paraense.

No velho arquipélago do Marajó, marco do isolamento de políticas públicas no mapa do desenvolvimento regional brasileiro, ainda é tempo de espera frente a um outro revés invisível. Mas agora, os minutos seguem ainda mais agravados, aos ritmos dos cuidados e da atenção, frente ao tamanho do inimigo novo que se torna o coronavírus.

"Os pacientes recebem todo o tratamento necessário e acolhimento das nossas equipes. É um motivo de alegria toda vez que um paciente recebe alta", diz Diego Silva, diretor técnico do hospital. A animação, porém, ainda é ponderada. Os profissionais de saúde estão atentos à nova movimentação da onda de contágio no Pará - que, conforme aferem os balanços do Estado, faz agora a pandemia se propagar com força no interior paraense

image UPA de Breves: ponto de apoio a casos de outros municípios (Tarso Sarraf)
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