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MPF acusa Funai de descumprir acordos para demarcação de terras indígenas

Desde 2008, o povo Munduruku vem tentando formalizar a demarcação de território, em Santarém. No que o MPF considera intervenção política, o grupo de trabalho para essa tarefa foi alterado

Victor Furtado
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O povo Munduruku, desde 2008, vem tentando ter a terra indígena (TI) devidamente demarcada, no planalto de Santarém (Oeste do Pará). Um Grupo de Trabalho (GT) foi montado, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), para fazer os estudos necessários para demarcação. Esse processo vem se arrastando e o prazo encerra em dezembro deste ano. O Ministério Público Federal (MPF) considerou que a alteração da equipe técnica do GT foi uma manobra política para continuar dificultando a legitimação da TI santarena.

Nesta segunda-feira (13), o MPF enviou um pedido à Justiça Federal, para que a portaria que alterou a equipe técnica do GT fosse suspensa. Já havia uma formação original, responsável pela elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). A criação e atuação do GT é uma obrigação da Funai, firmada em acordo entre o órgão, o MPF e a Justiça Federal. Enquanto isso, cerca de 600 indígenas do povo Munduruku vivem sob a tensão de não ter o próprio território reconhecido e protegido.

Para o MPF, a intervenção no GT é política e o descumprimento do acordo é deliberado. Desde 2018, a Funai vem sendo cobrada a comprovar que está tomando todas as medidas para a demarcação da TI do povo Munduruku de Santarém. De setembro a dezembro de 2019, a fundação descumpriu três ordens da Justiça Federal de comprovar que a segunda etapa do trabalho de campo estava sendo feita. 

No último dia de 2019, a portaria que alterava o GT foi publicada, assinada pelo presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, no Diário Oficial da União (DOU). Essa alteração, aponta o MPF, pode levar a novos descumprimentos de prazos. Por isso, o MPF, além de demandar que a Justiça Federal intime a fundação a comprovar o andamento dos trabalhos do GT, pede que seja estabelecida a execução de multas aos dirigentes do órgão voltado à proteção dos direitos de povos indígenas.

A Justiça Federal acatou os pedidos do MPF e demandou a Funai a comprovar a atuação do GT e elaboração do RCID. A Funai, afirma o MPF, descumpriu todas as três determinações judiciais, além de não ter apresentado respostas a vários pedidos feitos diretamente pelo MPF à autarquia.

 

Alteração no GT foi ilegal e "atenta contra a racionalidade", afirma o MPF

Na redação da nova demanda à Justiça Federal, o MPF considera a alteração da equipe do GT ilegal. Na avaliação dos procuradores, a Funai agiu como se a função de coordenação de GT correspondesse a um cargo político ou de representação, que pudesse ser livremente mudada. A constituição do grupo “...não é um ato administrativo discricionário passível de revogação por critérios de conveniência e oportunidade”.

“Nesse sentido, a destituição de um coordenador de GT é um ato vinculado, cujo único motivo de direito admitido é o descumprimento das obrigações ou a infringência das cláusulas do termo de compromisso, o que não se verificou no presente caso”, complementa o MPF, no documento enviado à Justiça Federal.

O GT original, analisa o MPF, vinha desempenhando suas atribuições a contento. Não havia nenhuma notificação da Funai relacionada a pendências ou descumprimento de obrigações. A ausência de motivo de direito válido – elemento essencial dos atos administrativos – também motiva a nulidade da portaria que alterou a composição original do grupo, argumentam os procuradores.

Como fundamentação para a suspeita de intervenção política na atuação do GT, o MPF compara os currículos dos responsáveis pelos trabalhos. Quem coordenava o grupo, antes, era uma professora do Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), com doutorado no Museu Nacional — programa avaliado com nota máxima pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) — e longa experiência em etnologia indígena.

Essa professora foi substituída por uma servidora recém-empossada, sem experiência e formação específicas e sem pós-graduação stricto sensu, aponta o MPF. No Protocolo de Brasília, documento que discute a elaboração de laudos antropológicos, a própria Associação Brasileira de Antropologia (ABA) recomenda que os profissionais responsáveis pela elaboração de RCIDs possuam título de pós-graduação stricto sensu em Antropologia ou produção relevante na área.

“A mudança do GT atenta contra a racionalidade que deveria permear a Administração Pública, no sentido da máxima consecução dos objetivos constitucionais, com impessoalidade, eficiência e maior capacidade técnica possível”, critica o MPF, na manifestação. O documento cita recomendação da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão — órgão da Procuradoria-Geral da República, encarregado de coordenar a atuação temática do MPF relativa a direitos indígenas — para revogação de portarias que, também sob a alegação da necessidade de “incorporação de novos antropólogos de confiança”, alteraram outros GTs encarregados de RCIDs no país.

A manifestação judicial do MPF inclui dados que formam um contexto de “completa paralisia” nas demarcações de terras indígenas no Brasil. “O ano de 2019 se encerrou sem que nenhuma terra indígena tenha sido identificada/delimitada, declarada ou homologada, algo inédito desde a promulgação da Constituição de 1988”, ressalta o MPF no documento. O processo está registrado no número 1000141-38.2018.4.01.3902, na1ª Vara Federal Cível e Criminal da Justiça Federal, em Santarém.

A Redação Integrada de O Liberal entrou em contato com a Funai e aguarda um posicionamento sobre as acusações do MPF.

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