Sonho de reinserção move custodiados que farão o ENEM no Pará

Mais de 1500 pessoas privadas de liberdades farão a prova nacional, entre homens e mulheres na faixa de 18 a 40 anos

Dilson Pimentel
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Alessandro Silva Oliveira, 29 anos, vai fazer o Exame Nacional de Ensino Médio e pretende cursar Design Gráfico. “Essa preparação é uma porta de saída pra mim lá na frente”, disse. Ivan Cruz Serra, 31 anos, quer ser aprovado em Engenharia. Mas tem dificuldades com Português. “A gente sabe que redação é um dos principais quesitos, que geralmente ‘derruba’ (o candidato)”, contou. Alessandro e Ivan estão custodiados no Presídio Estadual Metropolitano III (PEM III), localizado em Marituba, na região metropolitana de Belém. As provas do Exame Nacional do Ensino Médio para adultos privados de liberdade e jovens que cumprem medida socioeducativa que inclui privação de liberdade (Enem PPL) estão previstas para serem realizadas nas unidades penitenciárias do Pará nos dias 23 e 24 de fevereiro deste ano.

Ao todo, 1.507 custodiados (1.119 na região metropolitana de Belém e 388 no interior) estão se preparando para o Enem PPL 2020, que, devido à pandemia de covid-19, foi transferido para 2021. E, por causa da pandemia, além do distanciamento dentro das salas, serão oferecidos álcool em gel, máscaras e pias com água e sabão para os custodiados lavarem as mãos antes do início das provas. O Pará é um dos quatro estados com maiores números de pessoas privadas de liberdade inscritas no Enem esse ano. Os cursos mais procurados são Administração, Marketing, Direito, Contabilidade, Engenharia Civil, Pedagogia, Educação Física. A faixa etária dos custodiados vai de 18 a 40 anos. Há 79 mulheres inscritas. Homens, são 1.428.

Alessandro Silva Oliveira está há seis anos no cárcere. Deve ganhar liberdade em junho deste ano. A maior dificuldade dele é com Matemática. “Tem que ter uma atenção melhor. Matemática sempre foi uma dificuldade”, contou. Essa é a segunda vez que fará prova do Enem. A primeira foi em 2018. “Fiz só um teste. Não tinha concluído o ensino médio”, contou. “Gosto muito de desenho, e penso no futuro. É gratificante essa preparação. Todos nós temos que nos preparar para alguma coisa que goste. Em outro momento não sonhava mais, não tinha mais sonhos”, disse. “Mas, com meu esforço e oportunidade que a unidade e Deus me deram, hoje venho sonhar diferente. Creio que, sem educação, não somos nada. Depois de Deus e da família, a educação é a base do homem na terra. só com a educação vamos conseguir aquilo que almejamos no futuro. Hoje posso me expressar dessa forma porque estou estudando e me esforçando e aqui dentro que posso sonhar de novo. Deus ressuscitou meu sonho através da educação”, completou.

"A gente tem que fazer a diferença"

Ivan Cruz Serra, 31, está há quatro anos no sistema prisional. Deverá ganhar liberdade em setembro de 2027. Nos estudos, tem dúvidas em relação a Português. Ele pretende fazer Engenharia, e, para isso, precisa ter uma pontuação maior do que a obtida em 2018, quando fez o Enem pela primeira vez. “Lá fora eu trabalhava com Engenharia Civil. Mas, aqui dentro, a gente aprende que uma das áreas muito requisitadas é a Engenharia Mecânica. Como somos detentos, temos que sair daqui capacitados para que sejamos novamente reconhecidos e reintegrados pela sociedade, porque as oportunidades serão bem mais difíceis pra nós que nos encontramos encarcerados. A gente tem que fazer a diferença e mostrar que também é capaz de mudar e pedir uma nova oportunidade de vida para a sociedade”, contou.

Em liberdade, Ivan fez um ano e meio do curso de petróleo e gás. “Depois, fiz dois anos de faculdade para mineração. Só que tranquei a minha matrícula. E fui trabalhar no ramo de construção. Já saí do Pará diversas vezes para trabalhar em outros estados como armador de ferragem. Era auxiliar de engenheiro e aprendi a ler projetos. É um ramo que me identifico muito. Me sinto privilegiado”, contou. Sobre a preparação para o Enem, ele se diz um privilegiado. “Lá fora, eu já tinha essas oportunidades, mas não corria atrás. Hoje em dia tem que ter o choque da realidade. Caimos dentro do cárcere, reconhecemos que somos falhos. Mas, mesmo dentro desse local, poder receber um curso preparatório, pensar em um futuro, poder dar o melhor para a sua família, isso é muito gratificante. A gente sente que, mesmo estando nesse local, somos importantes ainda”, disse.

A preparação para o Enem já ocorre em várias unidades do Estado. No PEM II, começará nesta segunda-feira (11). Eles terão três horas de aula por dia. Quem disponibiliza as videosaulas é o EnemPará, após a solicitação da Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária). Os internos que já têm curso superior completo se voluntariam para tirar dúvidas e, quando necessário, ajudar na aula. O cronograma de estudos dos custodiados é escolhido em cada unidade. A equipe pedagógica de cada unidade analisa as necessidades dos internos e, de comum acordo com a Coordenadoria de Educação Penitenciária, que é da Diretoria de Reinserção Social da Seap, faz o cronograma de cada unidade.

Educação transforma a vida

Segundo a pedagoga Patrícia Sales, coordenadora de Educação Prisional, em 2020 foi feito um planejamento de aulas pré-Enem para as unidades penais. Mas, com a pandemia, não foi possível colocar em prática esse reforço para os candidatos. Os internos receberam aulas remotas por meio da plataforma “Belém Pará”, enquanto algumas casas penais oferecem aulas preparatórias ministradas por internos com graduação em nível superior e policiais penais. A coordenadora disse que, mesmo com o obstáculo da pandemia, o interesse dos internos em alcançar o nível superior é contínuo. “Além de gostarem das aulas, para eles este é o rumo certo para que tenham um futuro melhor na sociedade”, afirmou.

Segundo Patrícia Sales, é perceptível como a educação transforma a vida de pessoas privadas de liberdade, começando pelo comportamento dentro do sistema penal. Ela ressaltou que, pelo incentivo à educação, os internos percebem oportunidades para o futuro fora do sistema penal. “Através da educação, eles conseguem se enxergar como cidadãos e não como pessoas excluídas da sociedade”, acrescentou.

Diretor de Reinserção Social da Seap, Belchior Machado disse que o sistema penitenciário paraense, antes visto como caótico, hoje está organizado e atua para que pessoas custodiadas tenham oportunidade de reintegração social, sobretudo por meio da educação. “Temos certeza de que as pessoas privadas de liberdade, ao estudarem e realizarem exames como o Enem, almejam um futuro longe da criminalidade, com a possibilidade de cursar um ensino superior, em busca de uma profissão”, afirmou.

E, para reforçar os estudos das pessoas privadas de liberdade que irão realizar o Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (ENEMppl), a Seap, por meio da Diretoria de Reinserção Social (DRS) e em parceria Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e Tecnológica (SECTET), disponibilizou materiais didáticos do programa EnemPará, para todas as unidades do Estado. A distribuição deste material pedagógico servirá como preparatório para o Enem, que, nas unidades prisionais, está previsto para ser realizado nos dias 23 e 24 de fevereiro. Desde agosto, os apenados estão tendo aulas pela plataforma EnemPará, uma iniciativa do Governo do Estado do Pará por meio SECTET para ajudar todos os alunos que estão se preparando para exame. O material digital tem todas as disciplinas e, com ele, os custodiados poderão tirar suas dúvidas e colocar em prática tudo que foi aprendido durante as aulas virtuais.

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