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Coronavírus já matou 17 quilombolas no Pará

Mas, por falta de atendimento, esse número pode ser maior

Dilson Pimentel
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Pelo menos 17 quilombolas já morreram, no Pará, com sintomas semelhantes aos da covid-19. Mas o número de casos confirmados e de óbitos pode ser bem maior. “Não há como precisar o número de quilombolas infectados porque, infelizmente, as comunidades, em sua gigantesca maioria, não têm tido acesso a testes e nem a atendimento médico. São poucos os quilombolas que conseguem sair das suas comunidades e fazer o teste. No máximo, quando conseguem, é consulta médica”, diz Raimundo Magno Cardoso, integrante da Malungu, a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará. “Eles ficam em casa, tomam os medicamentos naturais, caseiros e artesanais, e acaba o próprio organismo produzindo anticorpos para ficar curados de uma virose que eles não sabem o que é”, afirmou. No Pará, há mais de 600 comunidades quilombolas, totalizando aproximadamente 70 mil famílias, distribuídas na maioria dos 144 municípios paraenses.

Pelo levantamento da Malungu, feito até sexta-feira (29), há 75 casos confirmados, com 17 mortes. Há, ainda, 528 quilombolas sem assistência médica, cinco estão hospitalizados e 75, recuperados “Por falta de diagnóstico, não podemos dizer que os quilombolas estão efetivamente com o novo coronavírus. Não há uma estatística apropriada para os quilombolas. Há o levantamento feito pela Malungu, mas o número é muito abaixo da realidade. O levantamento é feito a partir dos dados que as comunidades quilombolas encaminham”, explicou Magno.

Mas ele ressalvou que boa parte  dessas comunidades não têm telefone e nem energia elétrica - não tem, portanto, internet. “O que significa dizer que nós estamos recebendo um número muito abaixo da realidade. Mas eu posso te dizer que nós temos 21 municípios em que há casos do novo coronavírus nas comunidades quilombolas. Entre esses municípios estão Acará, Abaetetuba, Ananindeua, Barcarena Baião, Cametá, Gurupá, Cachoeira do Piriá, Mocajuba, Salvaterra, Santa Izabel, Tomé-Açu, Castanhal, Santa Luzia do Pará, São Miguel do Guamá”, contou.

É difícil a comunicação com as comunidades

Ainda segundo o integrante da Malungu, as primeiras manifestações dos sintomas ocorreram em abril (os primeiros casos da doença, no Pará, começaram em março), apesar de tanta cobrança das comunidades e da Malungu, para o Estado e para as prefeituras, inclusive com pedidos de apoio de intervenção do Ministério Público do Estado e do Ministério Púbico Federal. “Infelizmente, já temos o registro de 17 óbitos (isso até a tarde de sexta-feira, 29) de pessoas (quilombolas) que faleceram com sintomas análogos aos do novo coronavíus. Temos agora o monitoramento de mais três óbitos, sendo dois em Moju e um no Acará. Estamos tentando contato com a comunidade, mas a comunicação é muito difícil”, afirmou.

Ele acrescentou que é preciso descentralizar o atendimento da área urbana e fazer com que esse atendimento chegue às comunidades. “Em relação às prefeituras, infelizmente, a realidade é muito dura. Não há definição de política voltada para os quilombolas, apesar da legislação versar sobre isso. A lei 12.288, mais conhecida como Estatuto da Igualdade Racial, fala sobre isso, o decreto 4887 fala disso, mas, infelizmente, não se tem nada”, acrescentou. E, na quinta-feira (28), a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) entregou 19 mil máscaras de proteção e 300 litros de álcool líquido 70% às comunidades quilombolas localizadas em 35 municípios distribuídos em cinco regiões do Estado: Marajó, Baixo Amazonas, Guajará, Tocantins e Nordeste.

Sobre essa entrega, diz Magno: “Demorou demais. E detalhe: falta atendimento médico urgente Apesar da entrega das máscaras e do kit, o Estado ainda continua com a demora muito grande.  Embora seja fundamental a utilização das máscaras e de álcool em gel, as pessoas, agora, estão doentes. Se esse material tivesse vindo antes, para fazer a prevenção, teria vindo em uma hora excelente. Como veio bem atrasado tem que continuar fazendo o processo de prevenção daqueles que não adoeceram e para que aqueles que adoeceram não venham contaminar outras pessoas. Entretanto, neste momento, a luta é muito grande para o atendimento de saúde”.

“A gente precisa de testes para saber se a pessoa efetivamente está infectada. Precisamos de medicamentos para tratar os que estão doentes. Precisa de um canal para fazer atendimento para as pessoas que têm mais dificuldades. Por exemplo: anteontem (terça-feira, 26), minha prima, que é presidente da associação da minha comunidade, foi para Belém. E, nessa chegada a Belém, para conseguir uma tomografia, foi um Deus nos acuda”, contou. E acrescentou: “Fizemos, de última hora, uma coleta entre quilombolas para conseguir R$ 500 reais pra ela poder chegar à clínica e fazer o exame particular (que custa R$ 380). E, depois, fazer um trabalho muito grande para poder mostrar o exame para o médico. Então, você imagina a realidade daquelas pessoas que não têm condições de sair de sua comunidade em busca de atendimento médico. É preciso que o serviço de saúde pública chegue até as comunidades quilombolas, que é onde estão os cidadãos detentores de direitos”.

Quilombolas montaram 60 barreiras sanitárias

Ele disse que 60 comunidades fizeram, por conta própria, barreiras sanitárias. “São espaços de orientação das pessoas da própria comunidade, para que utilizem máscaras, lave as mãos com frequência e usem álcool em gel. Quem está nessas barreiras pergunta para as pessoas de fora se elas não poderiam voltar em outro momento. As comunidades quilombolas têm uma fragilidade acentuada na possibilidade de infecção de idosos, diabéticos, hipertensos, por conta da gigantesca distância dos serviços de saúde, da dificuldade em conseguir atendimento médico”, afirmou Magno. “As comunidades têm seguido orientação do MPF (Ministério Público Federal) para evitar o acesso. E o acesso só em caso de extrema necessidade de atendimento de saúde e ações humanitárias.  Todas essas barreiras foram feitas pelas próprias comunidades, sozinhas”, disse 

Muitos quilombolas sequer conseguem um simples atendimento médico, o teste, a liberação de medicamento, materiais de prevenção ou mesmo informações sobre essa grave doença. Por isso, dizem as comunidades, as ações devem garantir atendimento médico, testagem, medicamentos, kits de prevenção a covid-19, materiais educativos, além da definição de mecanismos capazes de garantir a segurança alimentar e nutricional dessas famílias por meio de cestas básicas.  A Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará foi oficialmente fundada em março de 2004, como uma organização sem fins lucrativos e econômicos para representar as comunidades quilombolas do Pará. De origem africana, a palavra Malungu significa companheiro.

Muitos adoeceram na comunidade do Abacatal, em Ananindeua

Vanuza Cardoso, da comunidade quilombola do Abacatal, em Ananindeua, disse que a maior dificuldade foi fazer as pessoas ficarem em suas casas. “Tem o problema de muitos não acreditarem na gravidade da doença. E a comunidade fica perto do Aurá, um dos bairros que mais teve infectados em Ananindeua, a nossa preocupação era dobrada. Muita gente adoeceu na comunidade. Mas, como não fez o teste, a gente não sabe se foi a covid. Uma morte, mas também não foi comprovada de que foi por covid. É difícil porque a gente está muito próximo da cidade”, afirmou. Vanuza disse que, com o fim do lockdown, “parece que tudo voltou ao normal. A comunidade acha que está normal. A nossa preocupação é volte a entrar pessoas contaminadas e trazer o vírus pra comunidade”, afirmou. Na comunidade, moram 147 famílias, muitas delas em área ribeirinha.

Sespa afirma monitorar os casos

 A entrega dos materiais, na quinta-feira (29), foi feita pela Coordenação Estadual de Saúde Indígena e Populações Tradicionais ao assessor de projetos do Quilombo África, Raimundo Magno Cardoso Nascimento, no escritório do Filhos do Quilombo, em Belém, para distribuição a todas as comunidades quilombolas. Coordenadora estadual de Saúde Indígena e Populações Tradicionais, Tatiany Peralta informou que o repasse das máscaras e do álcool a 70%, coincidentemente, veio ao encontro de uma necessidade relatada pela Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará/ Malungu, durante reunião no dia 21 deste mês para discutir as ações de saúde nas comunidades quilombolas frente à pandemia Covid-19. “Muitas comunidades estão fazendo barreiras sanitárias por conta própria para reduzir os riscos de contaminação entre a população quilombola, e as máscaras serão muito importantes para as pessoas que atuarem nessas barreiras”, disse.

Segundo a coordenadora, além de repassar materiais para as medidas preventivas, a Sespa vem orientando e capacitando profissionais e gestores municipais de saúde quanto às notas técnicas, protocolos e fluxos estabelecidos para a assistência aos pacientes confirmados ou com suspeita de covid-19 em comunidades quilombolas, assim como o acesso a leitos clínicos e de UTI em todos os hospitais. A Coordenação também tem monitorado, com apoio dos Centros Regionais de Saúde e Secretarias Municipais de Saúde, os casos suspeitos e/ou confirmados, descartados, recuperados e de óbitos, por covid-19, principalmente em municípios onde há comunidades quilombolas. “Nosso objetivo é fortalecer os serviços de saúde para a detecção, notificação, investigação e monitoramento de prováveis casos suspeitos, com a identificação dos indígenas e quilombolas, conforme as orientações do Ministério da Saúde”, afirmou Tatiany Peralta.

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