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Professor norte-americano fala sobre política, respeito e direitos humanos

James Cavallaro é diretor-fundador da Clínica de Direito Internacional dos Direitos Humanos e Resolução de Conflitos da Universidade de Stanford, da Califórnia

Enize Vidigal

O retrocesso na defesa dos direitos humanos em países, como no Brasil e nos Estados Unidos, está diretamente relacionado à política dos países, afirma o professor norte-americano James Cavallaro, diretor-fundador da Clínica de Direito Internacional dos Direitos Humanos e Resolução de Conflitos da Universidade de Stanford, da Califórnia, e também diretor do Centro de Direitos Humanos dessa universidade. Cavallaro foi um dos idealizadores da clínica jurídica de direitos humanos, estrutura de ensino, pesquisa e extensão nascida naquele país e que se espalhou por diversas universidades do mundo propagando o ensino jurídico especializado. Ele esteve em Belém para participar do painel de abertura do III Fórum Nacional de Clínicas Jurídicas, que ocorreu na Universidade Federal do Pará (UFPA), na semana passada, com a presença de professores de universidades brasileiras e estrangeiras. 

Cavallaro morou dez anos no Rio de Janeiro, atuou em organizações de direitos humanos brasileiros e pesquisou e acompanhou julgamentos de acusados de matar trabalhadores rurais no Sul do Pará, nos anos 90, como o Massacre de Eldorado do Carajás. Ele afirma que as violações aos direitos humanos existem em todo o mundo, mas ressalta a precupação com o avanço de grupos de ódio da ultradireita que têm condutas violentas estimuladas pelo poder executivo em países como o Brasil, bem como o crescimento do etnonacionalismo na Europa, Rússia e Indonésia, que vêm enfrentando ataques a defensores dos direitos humanos e à própria ideia básica dos direitos humanos.

Como surgiu a ideia de desenvolver as clínicas jurídicas de direitos humanos?
Nos Estados Unidos, começou a ser defendida nos anos 30. Nos anos 60 surgiram as clínicas gerais sobre diversas temáticas, como direitos dos inquilinos, ambientais e outros, aumentando o elemento prático dentro das faculdades e, nos anos 80 e 90 começaram a ter clínicas de direitos humanos. Na América Latina, teve um movimento nos anos 60, que foi retomado nos anos 70 e 80, mas nas últimas duas décadas foi que os direitos humanos, com a especificidade de usar tratados internacionais, teve um olhar para as problemáticas locais ou nacionais. No Brasil, nos anos 60, começaram a surgir as entidades de direitos humanos, mas só foi incorporada ao ensino com a Constituição de 1988, quando se começa a ver as matérias de direitos humanos nas faculdades de Direito.

Como trabalhar os Direitos Humanos com os desafios existentes na Amazônia, como trabalho escravo, desmatamento, violência no campo?
Eu vim pesquisar no Sul do Pará conflitos em Rio Maria e Conceição do Araguaia, acompanhei julgamentos nos anos 90 dos assassinos de líderes de trabalhadores rurais, trabalho escravo, Massacre de Eldorado com o padre Ricardo Rezende, Frei Henri des Roziers e pessoal dos STRs (Sindicatos de Trabalhadores Rurais) e da CPT (Comissão Pastoral da Terra). Tem outros temas, como a violência da polícia militar, violências contra as pessoas LGBTI, a pobreza extrema, temas indígenas... 

O Pará não é um caso único no Brasil e nem no mundo. Não há lugar no planeta em que os direitos humanos sejam respeitados 100%. Não é a mesma coisa estar na Noruega e estar na Somália, mas os direitos humanos são tema fundamental em todos os cantos porque constituem uma série de ideiais. A meta é chegar ao pleno respeito aos direitos humanos. É importante ter clínicas não só na Faculdade de Direito, mas nas outras disciplinas para aumentar o alcance dos direitos humanos e atuar junto aos movimentos populares porque estamos no mundo enfrentando desafios muito graves em direitos humanos, de retrocesso sobre coisas que achávamos anos atrás que já estavam superadas.

As eleições do Trump e do Bolsonaro são responsáveis pelo retrocesso dos direitos humanos nos Estados Unidos e no Brasil?
É claro. As questões políticas afetam diretamente o grau de respeito e desrespeito dos direitos humanos no país. (Cavallaro cita frases célebres de Trump e Bolsonaro defendendo a tortura e a discriminação) Estamos vendo nos Estados Unidos o crescimento dos grupos de ódio da ultradireira, os ataques contra sinagoggas, mesquitas e negros porque tem forças políticas incentivando essas condutas. E aqui também. O Rio de Janeiro bateu recorde nesses primeiros meses do número de pessoas mortas pela polícia. Isso porque as pessoas recebem o recado que 'tudo bem, agora pode, não vai haver fiscalização ou controle, pode matar o bandido, seja quem for, desde que seja pobre e favelado'. A política tem tudo a ver com direitos humanos. Não estou dizendo que precisa votar em partido, mas precisa insistir que os candidatos e as autoridades promovam a dignidade humana, a tolerância, o respeito pelo Estado de Direito e os direitos humanos. Nos Estados Unidos, na Europa, Rússia e Indonésia têm muitos lugares em que se vê o crescimento do etnonacionalismo e os ataques aos defensores dos direitos humanos e à ideia básica dos direitos humanos.

O que o senhor acha da crítica de que os direitos humanos só defendem bandidos?
Defende os direitos básicos de todos. Acontece é que muitos, com intenções suspeitas, atacam os direitos humanos para promover a agenda intolerante da ultradireita. Essa caracterização de que defende somente bandidos, é falsa. É uma tergiversação feita de má fé para reduzir a fiscalização, o controle, o envolvimento da sociedade civil e não ter que se subtemer ao Estado de Direito e à lei.

Como o senhor vê contingenciamento do recurso das universidades no Brasil?
Os países desenvolvidos, líderes no mundo conseguem crescer e elevar o padrão de vida dos povos através da educação. Estudos mostram que o investimento na educação dá retorno por cada real investido em 2, 3 ou 4 vezes mais. Reduzir o investimento na universidade compromete o futuro. Em termos econômicos, é previsível que o PIB per capta, o desenvolvimento da economia e o bem estar do povo sofram as consequências entre 5 e 20 anos. O Vale do Silício está na Califórnia porque teve investimento fortíssimo por parte do governo nas tecnologias. Stanford está no epicentro do Vale do Silício. É a economia mais dinâmica do mundo. Em termos de direitos humanos, a educação é um direito humano. 

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