Mais de 50% dos municípios do Pará dependem do Fundo de Participação dos Municípios, revela CNM
Com base econômica limitada, 73 cidades paraenses têm no Fundo de Participação dos Municípios sua principal fonte de receita; CNM alerta para riscos e sugere ações para reduzir a dependência.
Em 2024, 73 dos 144 municípios do Pará - ou seja, mais da metade - tiveram no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) a principal fonte de receita. O dado foi divulgado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que aponta que essa dependência é um reflexo da desigualdade arrecadatória no Brasil e da baixa capacidade dos pequenos e médios municípios de gerar receita própria.
O FPM é composto por parte da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e repassado mensalmente pela União às prefeituras. Nos municípios menores, o fundo é essencial para manter serviços públicos básicos como saúde, educação e infraestrutura.
Base econômica frágil agrava desigualdade
De acordo com a CNM, essa forte dependência do FPM está ligada à estrutura econômica frágil de muitos municípios, que enfrentam dificuldades para arrecadar impostos como IPTU, ISS e ITBI.
“A maioria desses municípios não tem base econômica suficiente para gerar receitas próprias robustas. Assim, o FPM se torna vital para o funcionamento básico da máquina pública”, afirma a entidade.
A confederação alerta que essa situação limita a autonomia municipal e propõe uma série de medidas para reduzir a dependência do fundo federal. Entre as principais recomendações estão a modernização da gestão tributária, com sistemas mais eficientes de cobrança, e a atualização da legislação local, especialmente das leis que regem a arrecadação de tributos.
Repasses ultrapassam R$ 7,7 bilhões em 2024
Em termos de valores, os repasses do FPM aos municípios paraenses somaram mais de R$ 7,75 bilhões ao longo de 2024, incluindo os repasses extras de julho, setembro e dezembro.
Já em 2025, até o primeiro decêndio de julho, o montante transferido foi de R$ 4,59 bilhões — o que representa um crescimento nominal de 9,5% em relação ao mesmo período de 2024, ou R$ 398 milhões a mais.
Projeção para 2025 é de alta de 12,3% no repasse
As expectativas para o restante de 2025 são otimistas. Segundo estimativas da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o FPM deve encerrar o ano com um crescimento nominal de 12,3% em relação a 2024. Isso significa que os municípios paraenses devem receber cerca de R$ 8,7 bilhões até dezembro.
Desafios persistem apesar do crescimento
Apesar do aumento nos repasses, a CNM reforça que o crescimento nominal não necessariamente representa melhoria real na capacidade financeira dos municípios, especialmente diante da inflação e do aumento dos custos para manter os serviços públicos.
A entidade reforça a necessidade urgente de políticas que promovam a autonomia fiscal dos municípios. “Reduzir a dependência do FPM é fundamental para garantir uma gestão municipal mais estável, eficiente e menos vulnerável às oscilações econômicas nacionais”, conclui a CNM.
FAMEP cita quatro obstáculos principais para municípios sem autonomia
A Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará (FAMEP) reconhece que a elevada dependência do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) reflete a baixa autonomia financeira da maioria das prefeituras paraenses. Segundo Gianluca Alves, assessor jurídico da entidade, mais de dois terços dos municípios enfrentam problemas estruturais e econômicos que dificultam a geração de receita própria.
“A base econômica de muitos municípios é limitada, centrada em atividades primárias como agropecuária, extrativismo e artesanato. Essas atividades, apesar de importantes, geram pouco valor agregado e apresentam forte sazonalidade”, explica Alves.
Além disso, há falta de capacidade técnica nas gestões municipais. “Grande parte das prefeituras tem equipes técnicas reduzidas e sem expertise para planejar e executar estratégias de arrecadação eficiente. A rotatividade de servidores, que muda a cada nova gestão, impede a continuidade de políticas fiscais”, completa.
Outro gargalo apontado pela FAMEP é a infraestrutura precária.
“A ausência de logística adequada, como estradas, portos e energia, afasta empresas e dificulta a atração de investimentos. Isso impacta diretamente a arrecadação do ISS, por exemplo”, destaca o assessor jurídico.
Por fim, Alves ressalta a defasagem das legislações municipais: “Há grande dificuldade para tributar atividades digitais e novos modelos de negócio, como streaming, e-commerce e softwares, pois muitas vezes as empresas não têm presença física nos municípios. Isso impede a definição clara da jurisdição tributária”.
Planejamento e parcerias para superar a crise fiscal
A FAMEP tem orientado os gestores municipais a buscarem alternativas sustentáveis de crescimento. A principal estratégia defendida pela entidade é o planejamento territorial estratégico, que identifique as vocações econômicas de cada município.
“É preciso fomentar setores como turismo, indústria, agricultura, biocombustíveis, entre outros, além de incentivar parcerias público-privadas para obras em infraestrutura, energia e telecomunicações”, diz Alves.
Outra medida importante, segundo a federação, é o apoio ao empreendedorismo e à capacitação da mão de obra local, especialmente em áreas como tecnologia e economia verde. “Essas ações ajudam a criar um ciclo virtuoso de geração de empregos, aumento da renda local e, consequentemente, maior arrecadação de tributos”, afirma.
Aumento do FPM em 2025: oportunidade para mudar
Com o crescimento previsto de 12,3% no repasse do FPM em 2025, a FAMEP acredita que os municípios têm uma chance estratégica para rever suas práticas fiscais.
“Este é o momento ideal para implementar reformas estruturais. Os municípios podem criar fundos de reserva para investir em projetos de geração de renda futura e infraestrutura produtiva, como parques tecnológicos”, propõe Gianluca Alves.
Segundo ele, até mesmo a redução de impostos pode ser uma ferramenta útil. “Oferecer incentivos fiscais a empresas que gerem empregos locais é um investimento indireto. A economia local se fortalece, o consumo interno aumenta e o retorno em arrecadação pode ser maior do que o benefício concedido.”
Alves reforça ainda a importância de vincular parte dos recursos do FPM a planos de desenvolvimento com metas claras. “O cidadão precisa ver os resultados dos impostos pagos. Isso gera confiança, engajamento e fortalece o pacto entre a população e o poder público”, afirma.
Desatualização da legislação e informalidade são entraves à arrecadação
Entre os maiores desafios para a modernização tributária dos municípios paraenses está a adaptação às novas realidades econômicas. A dependência excessiva do ICMS - vinculado a commodities como minério e agropecuária - torna as receitas vulneráveis a flutuações do mercado. Já os modelos de negócios digitais, como e-commerce e plataformas de serviços, desafiam a capacidade de rastreamento e tributação.
“Muitos municípios têm estruturas fiscais obsoletas e poucos técnicos capacitados para lidar com as novas dinâmicas econômicas”, observa o assessor da FAMEP. Ele cita ainda a dificuldade de fiscalizar empresas de fora do estado e a elevada informalidade, que pode chegar a 60% em algumas localidades.
Cooperação entre municípios e apoio institucional
Para enfrentar esses desafios, a FAMEP tem promovido uma série de iniciativas. A entidade organiza debates técnicos, propõe minutas de leis unificadas e busca parcerias com startups para apoiar os municípios na arrecadação de tributos modernos, como o ISS sobre serviços digitais.
Além disso, a federação participa de um grupo estadual de cota-parte com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PA) e a Secretaria da Fazenda (SEFA-PA), voltado à capacitação de gestores e modernização dos cadastros fiscais. “Programas como o Nota Legal também têm sido incentivados, pois combatem a sonegação e aumentam a arrecadação local”, explica Alves.
Municípios como Marabá e Castanhal já colhem frutos dessas iniciativas.
“Marabá integrou um sistema de fiscalização de e-commerce e aumentou em 18% a arrecadação do ISS. Castanhal lançou um programa de incentivos para startups que gerem empregos formais”, exemplifica.
Medidas recomendadas: de polos técnicos a revisão da Lei Kandir
A FAMEP defende ainda a unificação de sistemas tributários, com adoção de plataformas digitais compartilhadas, e a revisão da Lei Kandir, que pode elevar significativamente a arrecadação estadual e, por consequência, a municipal. Outra proposta é a criação de polos técnicos regionais para capacitar agentes fiscais, especialmente nas regiões do Baixo Amazonas, Carajás e Tapajós.
“Essas medidas são fundamentais para fortalecer a autonomia financeira dos municípios e garantir um desenvolvimento sustentável e menos dependente de repasses federais”, conclui Gianluca Alves.
TCM fala de controle externo e monitoramento das receitas públicas
Ao Grupo Liberal, o Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM PA) afirmou que tem intensificado o papel fiscalizador e orientador. O órgão disse que acompanha de forma contínua as finanças municipais por meio da análise das prestações de contas enviadas por prefeituras, câmaras e outros órgãos. Além disso, realiza ações presenciais de fiscalização, auditorias, levantamentos e monitoramentos, com foco especial na gestão das receitas.
Segundo o presidente do TCM PA, conselheiro Lúcio Vale, o tribunal atua de forma estratégica.
“Diante da importância das receitas públicas para as gestões municipais e políticas públicas, o TCM PA tem destinado recursos e pessoal especializado para desenvolver ações de controle externo relativas à gestão da receita pública, incluindo uma coordenação voltada exclusivamente à temática”, afirmou.
Dependência do FPM é alerta para desequilíbrio financeiro
A Coordenação de Fiscalização Especializada em Receitas Públicas do tribunal reforça que a excessiva dependência de transferências constitucionais, como o FPM, pode gerar consequências graves a longo prazo. Entre os riscos estão o endividamento, a precarização dos serviços básicos, o desequilíbrio fiscal e a perda de capacidade de resposta das prefeituras a demandas emergenciais.
Apesar de os repasses manterem uma aparente estabilidade fiscal, o TCM PA destaca que resultados sustentáveis devem estar alicerçados em fontes de arrecadação próprias.
“A melhoria dos resultados fiscais deve ser pautada em bases sólidas e próprias de arrecadação”, apontou a equipe técnica da coordenação.
Capacitação como ferramenta de mudança
Desde o início de 2024, o TCM PA informou que tem promovido o projeto “Capacitação”, voltado à qualificação de gestores e servidores municipais. A iniciativa percorre as diversas regiões do Pará levando cursos e orientações técnicas sobre arrecadação, transparência fiscal e gestão eficiente das receitas públicas.
Segundo o órgão, já foram alcançados cerca de 70% dos municípios paraenses.
“Entre os temas abordados estão a reforma tributária e os impactos da gestão sobre o ISS, além de fiscalizações direcionadas ao IPTU — duas fontes fundamentais para a arrecadação própria”, informou o tribunal.
Reforma tributária exige atenção redobrada dos municípios
Com a Emenda Constitucional nº 132/2023, que institui a reforma tributária, a arrecadação municipal pode passar por mudanças significativas, principalmente no que diz respeito ao Imposto Sobre Serviços (ISS), de acordo com o órgão. O TCM PA destaca que a tributação sobre o consumo — foco inicial da reforma — terá reflexos diretos na capacidade arrecadatória das prefeituras.
Além disso, o órgão atua em frentes específicas de fiscalização do IPTU, com o objetivo de apoiar os municípios no aproveitamento de suas principais fontes de receita. “A sensibilização dos gestores sobre a importância da arrecadação própria é prioridade”, reforçou o TCM PA.
Planejamento fiscal e controle interno ainda são frágeis
O tribunal identificou falhas recorrentes na gestão da receita pública municipal, especialmente relacionadas ao planejamento financeiro, à falta de transparência das informações fiscais e à fragilidade dos controles internos. Essas deficiências comprometem a boa aplicação do FPM e podem acarretar impropriedades como irregularidades em convênios, ausência de licitações e pagamentos indevidos.
“Uma das causas frequentes de falhas na utilização do FPM é a deficiência no planejamento e na gestão da receita pública. A ausência de dados claros e a fragilidade dos controles internos são obstáculos para uma administração eficaz”, explica a Coordenação de Fiscalização Especializada em Receitas Públicas.
Transparência e modernização na contabilidade pública
Ao Grupo Liberal, o TCM PA também declarou que tem reforçado orientações técnicas aos gestores quanto à correta aplicação das normas contábeis do setor público. Isso inclui a adoção do Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP), a manutenção do controle da dívida ativa com uso de sistemas integrados e a conciliação constante entre a contabilidade e os sistemas de arrecadação.
Essas medidas, segundo o tribunal, visam a garantir mais transparência, precisão e confiabilidade às informações contábeis, essenciais para uma gestão pública responsável e fiscalmente saudável.
“É preciso institucionalizar os planos municipais de arrecadação e fortalecer os controles internos, para que os municípios consigam alcançar seus objetivos estratégicos”, finalizou o tribunal.
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