Pandemia ameaça a tradição junina no Pará

Prefeitura de Belém suspendeu arraial. Estado mantém programação com possível adiamento. Quadrilheiros se organizam para fazer 'São João fora de época'

Enize Vidigal
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A tradição dos festejos juninos que envolve grupos de quadrilhas e de bois e cordões de pássaros em Belém e outros municípios paraenses foi prejudicada em 2020. Devido à pandemia pela Covid-19, os decretos municipal e estadual proibindo aglomerações frustraram as expectativas dos quadrilheiros já no último mês de março. A Prefeitura de Belém suspendeu o arraial que acontecia todos os anos. Já Fundação Cultural do Pará (FCP) mantém o calendário da programação no antigo Centur, mas não descarta o adiamento.

Josy Pavalova, diretora da quadrilha Reino de São João, uma das costumeiras campeãs dos concursos estaduais e municipais, revela prejuízo financeiro e decepção . Em 35 anos de dedicação aos festejos juninos aprendida com a mãe, Celine Dion, quadrilheira reconhecida, pela primeira vez não vai participar do São João. “Fazer quadrilha é uma coisa que está na nossa vida, desde pequeno. É um ano que a gente jamais imaginou passar. A gente ama o São João, é muito dolorido”.

Como alternativa, à não realização do evento este ano, a Prefeitura de Belém anuncia a reprise dos melhores momentos do Arraiá da Capitá 2019 com a participação das 10 agremiações campeãs. “A Fumbel (Fundação Cultural do Município de Belém), ciente do significado e importância cultural das festividades juninas, traça estratégias e busca as melhores soluções para amparar os grupos folclóricos do município. A Prefeitura está programando uma forma de manter a tradição junina de Belém de maneira virtual, por meio de suas redes sociais, com a reprise dos melhores momentos das 10 campeãs”, diz em nota divulgada.

image O cenário da pandemia ainda é incerto. (Akira Onuma - O Liberal)

Já o Arraial de Todos os Santos, que costuma acontecer no antigo Centur, sede da Fundação Cultural do Pará (FCP), do governo do estado, ainda não foi descartada. A assessoria de comunicação do órgão informa que “ainda não realizou nenhuma alteração no calendário do seu tradicional arraial. O órgão vai acompanhar as próximas medidas do governo do estado em relação à pandemia, bem como a maneira como a sociedade vai se adequar a esse processo ao longo deste mês. Caso os festejos ocorram sem alteração de data, toda a estrutura certamente será pensada de maneira a se adequar a esta nova realidade e aos critérios que garantam a proteção da saúde pública. Caso contrário, não sendo possível sua realização em junho, o arraial será realocado para outro período, de acordo com a necessidade. A FCP reforça seu compromisso não apenas com a cultura, mas com a saúde e segurança da população paraense”.

Quadrilheiros se mobilizam para fazer em outubro o “São João fora de época”

Uma parcela importante das quadrilhas juninas paraenses mantém os preparativos para o São João, mas trabalha com a possibilidade de conseguir realizar um evento fora de época com o aval do governo do estado e das prefeituras. Segundo Renato Modesto, diretor da Fúria Junina, do bairro do Marco, mais de 80 grupos juninos do Pará, incluindo 40 da Região Metropolitana e 27 de Belém estão envolvidos no projeto.

image Renato Modesto, da Fúria Junina, defende o São João fora de época (Arquivo pessoal)

“Já entregamos um projeto de São João fora de época para o governador Helder Barbalho, que está analisando. E estamos finalizando o projeto para apresentar ao prefeito Zenaldo Coutinho", conta.

“O São João fora de época respeita a situação que o mundo está passando, mas a gente entende que a gente não pode parar a nossa vida no âmbito pessoal e nem profissional. O São João pode ser realizado até meados de novembro, logicamente com a autorização das autoridades competentes. Em primeiro lugar, a gente respeita a saúde da população e dos brincantes”.

Renato, que possui  47 anos de atuação na cena junina, ressalta que a subvenção recebida do poder público é simbólica, pois os gastos das quadrilhas para se apresentar são muito maiores, chegando a R$ 50 mil. O recurso vem da realização de festas, bingos e e rifas. “Continuamos trabalhando nos bastidores, nos ateliês, com cada costureira na sua casa. Estamos seguindo o decreto, sem aglomeração. A Fúria, por exemplo, está trabalhando no protótipo do traje oficial, mas já está com o traje de ensaio em andamento”.

As quadrilhas juninas alegram os corações do público, mas também movimentam a economia e cumprem um papel social, especialmente ao envolver a juventude com a atividade cultural. “Temos um trabalho muito bom de valorização. Temos um quadro regular de brincantes em formação, que inclui profissionais de várias áreas, inclusive, bailarinos profissionais. Isso dá um estímulo aos brincantes que ainda não finalizaram os estudos. O São João é uma brincadeira, mas com responsabilidade”.

Renato calcula que a Fúria já investiu R$ 35 mil para se apresentar este ano. O grupo conta com uma estrutura grande, que envolve o preparo de 24 pares de dançarinos, trajes e inclui até ônibus próprio. “Se não tiver São João (em 2020) haverá prejuízo. Envolve muita coisa. A gente tem um trabalho muito puxado e valorizado”.

Perdas

image Josy Pavalova, da Reino de São João, desistiu da tradição, este ano (Arquivo pessoal)

O Reino de São João é um dos grupos juninos que não pretende participar do evento fora de época.  Um dos motivos elencados por Josy Pavalova é justamente as mortes causadas pela pandemia. Algumas das pessoas envolvidas no grupo adoeceram ou perderam parentes. Inclusive, entre as perdas mais sentidas pelo segmento junino foram da Dona Graça, da quadrilha Rainha da Juventude, do bairro da Cremação, uma das mais antigas de Belém, com 50 anos; e Dona Bete, da quadrilha Sabor Marajoara, de Ananindeua.

Ela também vê prejuízo na interrupção dos ensaios: “Estávamos com 20 pares ensaiando desde o dia dois de janeiro. Ficamos sem contato (com a suspensão dos ensaios). A gente teve gasto de R$ 10 mil, este ano. Não dá pra voltar atrás. Quando soube, em 18 de março, (do decreto do governo) a gente ficou sem chão porque já tinha comprado material, feito o primeiro traje, contratado coreógrafo e acertado com as costureiras”, descreve.

“Muito complicado (realidade da pandemia). A gente tá numa tristeza infinita. Sem subsídio, sem apoio, sem nada esclarecido da prefeitura e do estado. A gente tá lutando contra o invisível, não apenas o vírus, mas sem informações”, lamenta a diretora do Reino.

 

 

 

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